Pensata

Carlos Heitor Cony

26/10/2004

Brincadeira tem hora

A esposa do governador da Califórnia, cujo nome não interessa, quis dar uma de mulher de Atenas e promover uma greve de sexo particular.

Irritada porque o marido, eleito pelo Partido Republicano, declarou que votaria no republicano George W. Bush, ela anunciou publicamente que ficará 15 dias sem transar com o esposo, submetendo-o a um jejum sexual como castigo de sua opção política.

As mulheres de Atenas fizeram realmente uma greve de sexo coletivo para obrigarem seus machos a defender a cidade ameaçada por inimigos. No caso da Califórnia, a mulher do governador, que é devota do Partido Democrata, aceitou como marido um membro do partido rival. Não teve repugnância em dormir com ele, sabendo que os compromissos políticos o obrigariam a votar nos candidatos republicanos.

O pior de sua atitude não foi a fidelidade aos democratas, que escolheram Kerry para tentar a sucessão de Bush. O pior foi mesmo a revelação de sua privacidade, que implica na privacidade de seu marido, um homem público, conhecido internacionalmente pelo fato de ser também ator.

É comum, em todo o mundo, casais que se amam e que conservam suas convicções políticas e religiosas. Vamos supor que uma esposa cristã, casada com um judeu, de repente decida se recusar ao marido porque, lá atrás, ele teria tido culpa no drama do Calvário --tema recorrente que andou em voga por causa de um filme a que não assisti sobre a paixão de Cristo.

Ou o contrário: o marido judeu que deixaria sua mulher em jejum porque, como cristã, ela teria herdado a culpa coletiva pelos crimes da Inquisição medieval.

Francamente, brincadeira tem hora.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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