Pensata

Carlos Heitor Cony

16/11/2004

Hipótese macabra

Já tenho estrada na vida e na profissão para não me espantar, e muito menos me horrorizar com nada do que acontece no mundo, e até mesmo com aquilo que nem chega a acontecer. Mas semana passada, senti um frio, não sei se na alma ou na espinha, quando li que a mulher de Arafat, que entrara em agonia, denunciou que queriam enterrá-lo vivo.

A denúncia talvez tenha sido exagerada, mas não deixa de ser possível, pois vale tudo neste mundo de Deus e do Diabo. Dizem que na Idade Média era comum esta prática, até papas, segundo alguns historiadores, foram sepultados, mesmo sem terem entrado na reta final.

Evidente que a viúva de Arafat expressou um temor justificável. A hipótese deve ter passado pela cabeça de muita gente --e somente a hipótese dá para assustar. Entrando no mérito: Arafat é um dos heróis do nosso tempo, em que pese ter sido um vilão para seus adversários. O fato menos relevante de sua biografia foi a sua opção pelo terrorismo.

Digo isso porque, a maior parte dos heróis da história universal, foram considerados terroristas e assassinos pelos inimigos. Napoleão foi um deles, chamado de "açougueiro" da Europa. Menahem Begin, durante anos, teve cartazes espalhados pelos países da Comunidade Britânica, oferecendo prêmios pela sua captura, pois se tratava de um terrorista sanguinário. No entanto, ganhou o prêmio Nobel da Paz, façanha que Arafat também conquistou.

Judite, uma das heroínas bíblicas, degolou um inimigo de seu povo, durante o sono. Tudo bem. Cada povo tem os heróis que merece. Agora, enterrar alguém vivo é uma crueldade que somente o animal homem é capaz de praticar.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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