Carlos Heitor Cony
26/04/2005
Os "takes" se sucediam, alucinados. Mocinha bonita, de 29 anos, sempre sorrindo, secretária de alguém do baixo clero do Pentágono. Transa com ele três vezes e a história tem os seguintes cenários: salão oval da Casa Branca; uma escola onde as alunas estão brincando numa cápsula espacial de mentirinha; uma festa onde a mocinha declara a um segurança que não gosta de queijo de cabra e o segurança diz que também não gosta; a piscina exclusiva do presidente da República, onde um auxiliar fica bestificado com as instalações e o presidente pede que um assistente lhe dê um calção de banho; aqueles corredores imensos do Pentágono onde nada acontece; a redação de um jornal onde o redator-chefe interrompe um jornalista que está fazendo matéria sobre as plantações de coca na Colômbia; uma cena na garagem onde a mocinha dá um papel que não chegou a ler a um sujeito misterioso que lhe pergunta se ela é a Garganta Profunda; numa lanchonete, um outro cara dá a mocinha um outro papel e pede que ela só leia depois que ele estiver longe; no papel, o resultado da eleição entre Nixon e McGovern; em casa, o presidente da República assiste a um jogo de futebol, um almirante, a seu lado, faz um relatório mas o presidente dá um pulo reclamando de uma jogada do time pelo qual está torcendo; a moça sai à rua, um guarda pede sua identidade, ela diz que será deputada pelo Colorado; a imagem congela e aparecem as palavras "The End".
Nos diálogos, citações de Churchill, Sartre, John Wayne, Freud, Tommy Dorsey e Santo Agostinho. Com filmes assim, vou aderir compactamente à internet.
Cinema e internet
Vi um filme na TV, desses de linha. Peguei-o pela metade, não tive acesso à ficha técnica, nem mesmo ao diretor, atores e até mesmo ao nome. Os "takes" duravam 15 segundos, em ritmo de clipe com Michael Jackson.Os "takes" se sucediam, alucinados. Mocinha bonita, de 29 anos, sempre sorrindo, secretária de alguém do baixo clero do Pentágono. Transa com ele três vezes e a história tem os seguintes cenários: salão oval da Casa Branca; uma escola onde as alunas estão brincando numa cápsula espacial de mentirinha; uma festa onde a mocinha declara a um segurança que não gosta de queijo de cabra e o segurança diz que também não gosta; a piscina exclusiva do presidente da República, onde um auxiliar fica bestificado com as instalações e o presidente pede que um assistente lhe dê um calção de banho; aqueles corredores imensos do Pentágono onde nada acontece; a redação de um jornal onde o redator-chefe interrompe um jornalista que está fazendo matéria sobre as plantações de coca na Colômbia; uma cena na garagem onde a mocinha dá um papel que não chegou a ler a um sujeito misterioso que lhe pergunta se ela é a Garganta Profunda; numa lanchonete, um outro cara dá a mocinha um outro papel e pede que ela só leia depois que ele estiver longe; no papel, o resultado da eleição entre Nixon e McGovern; em casa, o presidente da República assiste a um jogo de futebol, um almirante, a seu lado, faz um relatório mas o presidente dá um pulo reclamando de uma jogada do time pelo qual está torcendo; a moça sai à rua, um guarda pede sua identidade, ela diz que será deputada pelo Colorado; a imagem congela e aparecem as palavras "The End".
Nos diálogos, citações de Churchill, Sartre, John Wayne, Freud, Tommy Dorsey e Santo Agostinho. Com filmes assim, vou aderir compactamente à internet.
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Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças. E-mail: cony@uol.com.br |
