Pensata

Carlos Heitor Cony

31/05/2005

Tempos idos

Passaram de moda, as misses. Não lamento nem folgo com isso. Ontem, houve a final não sei onde, nem tomei conhecimento da vencedora, que devia ser parecida com a dos anos anteriores. Sou de um tempo em que o concurso de miss parava as cidades, os campos, os bares, as repartições públicas. Mal comparando, era uma Copa do Mundo paralela, a gente perdia a copa mas ficava com a esperança de ganhar a miss.

As misses e o concurso envelheceram. A mesmice talvez, os maiôs que usavam, discretos, concorrendo hoje com os biquínis e os fios-dentais das praias e casas de show.

Como disse acima, não lamento nem tenho saudade daquelas misses. Mas admirava o subproduto que elas traziam embutido: as mães de misses. Eram senhoras que ainda davam bom caldo, na faixa dos 40 anos, algumas delas até que mais bonitas do que as filhas, não podiam concorrer porque o regulamento exigia que a candidata fosse virgem --até hoje ignoro o processo que usavam para garantir que a candidata tal era ou não era virgem. Algumas pareciam realmente, outras não.

De qualquer forma, as mães da misses ficavam de fora, obviamente, não cumpriam a exigência da virgindade. Mas na realidade, mereciam mais o cetro do que a filha, não tanto pela beleza, pelas medidas da cintura e das coxas, mas pelo afã, pelo entusiasmo, pela briga de bastidores, pelas fofocas que produziam contra as candidatas rivais, pelo lobby feroz que faziam junto aos juízes, imprensa e anunciantes.

Também elas saíram de moda. Davam um espetáculo alternativo aos concursos e, após os resultados, ainda ficavam dias e dias chorando pelo leite derramado nos jornais e nas TVs. Mereciam o poema de François Villon, a balada das damas dos tempos idos.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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