Pensata

Carlos Heitor Cony

14/06/2005

Água com açúcar

Não dá mesmo para entender a política que aqui se pratica. São três os elementos que a compõem: o governo, a oposição e a mídia, esta última fazendo de conta que é a opinião pública.

Toda vez que se abre uma crise, mesmo de menor proporção do que a atual, os três grupos funcionam sempre da mesma maneira: o governo nega a existência da crise, a oposição exige a saída de dois ou três ministros e a mídia entra no brinquedo, esbofando-se para derrubar alguns nomes e promover outros.

Está ocorrendo exatamente isso. Há pesadas, ultrajantes acusações de corrupção dentro do governo. Forma-se uma CPI que dificilmente chegará a qualquer conclusão, a não ser a de escolher um bode expiatório, que já tem um candidato sério para o posto. No mais, as discussões internas, nos socavões do poder, é saber se tira o ministro tal, se desloca fulano para isso e traz sicrano para fazer aquilo ou nada fazer.

Chegam a pensar numa reforma do ministério, como se a medida resolvesse qualquer problema, sobretudo o da corrupção, que já vive fase de metástase. Todos fingem acreditar que mudando um ministro de uma pasta para outra, trocando um líder de bancada ou de partido ou simplesmente demitindo alguns diretores de estatais --o sol da liberdade e da decência iluminará o Brasil.

Que o governo enfrente o terremoto com este tipo de água com açúcar, faz parte do jogo do poder, dar os anéis para salvar os dedos. Que a oposição exija a sua parte, é compreensível. Difícil é entender a posição da mídia, que torce descaradamente por uns e combate histericamente outros.

Numa crise como a atual, não há inocentes. Nem no governo, nem na oposição nem entre os investigativos da mídia.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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