Pensata

Carlos Heitor Cony

02/08/2005

Caras pintadas

As duas CPIs em processo, a dos Correios e a do Mensalão, começam a dar sinais de fadiga. Pior do que a fadiga, percebe-se uma certa falta rumo diante do oceano de documentos, alguns importantes, outros nem tanto, que congestionam não apenas os integrantes das comissões, mas seus técnicos e funcionários.

A dificuldade material soma-se às articulações subterrâneas para que tudo termine em monumental pizza. E surge então a pergunta, fruto da perplexidade nacional: "Onde estão os caras pintadas, a pressão da sociedade expressa nas ruas, cobrando a punição dos culpados?".

A referência deve-se ao processo de impeachment de Collor, quando a sociedade se manifestou de forma militante. Entretanto, criou-se o equívoco de atribuir aos caras pintadas o mérito da reação que depôs um presidente corrupto. Não se pode negar que jovens da classe média aproveitaram o clima e carnavalizaram os protestos, havia gente fantasiada, pulando nas ruas, sem saber ao certo o que estava havendo, aproveitando a onda e a exposição na mídia.

Lembro de um grupo de jovens, por sinal muito bonitas, que faziam um cordão na praia do Arpoador. Os cinegrafistas não perderam a deixa e registraram seus pulos e gritos. Ao serem indagadas pelo repórter, uma delas disse que estava dando uma força para o Brasil ganhar mais uma Copa Mundo.

A reação da sociedade, que realmente valeu, veio de duas entidades, a OAB e a ABI, presididas na época por Marcelo Lavanère e Barbosa Lima Sobrinho. Foram eles que, como cidadãos comuns, deram entrada ao pedido de impeachment. E lideraram o primeiro movimento de rua. O resto veio depois, na base de um colorido oba-oba.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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