Pensata

Carlos Heitor Cony

23/08/2005

A chatice de ser sozinho

Fazendo parte do bloco "eu sozinho", sem religião, sem partido político, sem qualquer tipo de ideologia, nem mais torcendo por qualquer time de futebol, tenho todos os direitos para me considerar um chato. Consigo a proeza de chatear petistas e tucanos, que me acusam de ser viúva de uns ou de outros. Quando faço críticas ao atual governo, sou viúva de FHC. Durante oito anos critiquei FHC quase que diariamente na Pág. 2 da Folha, recebia mensagens desaforadas, chegaram a me atribuir lugar de destaque na hierarquia petista infiltrada na mídia.

Até hoje, o pessoal da linha dura dos anos de chumbo volta e meia me arrola entre os comunistas mais atuantes do Cone Sul. E a turma do partidão, que estabelecia quem devia trabalhar na mídia ou não devia, acha que sou um vendido ao capitalismo internacional. Agora, que sou chato, sou mesmo. Tenho certeza de que, ao deixar este mundo igualmente chato, irei para o inferno. Ao me apresentar a Satanás, o Imperador das Chamas, ele ficará alarmado. "Você aqui?" E embora tenha toda a eternidade para decidir sobre o meu destino, ele pensará um bom tempo para saber o que fazer comigo. Gênio do Mal, ele é gênio também em encontrar soluções desesperadas, tem know how secular para se livrar de chato. Depois de coçar o queixo, procurando um jeito de se livrar de mim, terá uma idéia brilhante:

"Olha, apanha aí alguns gravetinhos e faça você mesmo uma fogueirinha, mas do lado de fora. Meta-se nela e fique se assando por toda a eternidade. Pelo amor de Deus, não tente entrar aqui dentro, somos condenados ao fogo eterno mas não à chatice eterna".

Não estranharei o fato do diabo invocar o amor de Deus. Vale tudo para se livrar de um chato.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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