Pensata

Carlos Heitor Cony

25/10/2005

O grande silêncio

O assunto da semana ainda é o referendo do último domingo. Ao encampar a consulta popular, o governo conseguiu uma cortina de fumaça para a crise que está atravessando, desviando as atenções do país para uma questão que aparentemente tem a ver com a onda de crimes que se abate sobre nós, mas distorcendo o problema, atribuindo a violência às armas e não aos violentos, que continuam a existir e a agir com ou sem armas de fogo.

Paralelamente, tivemos o previsível desfile de opiniões, a turma do Bem, dos politicamente corretos, apoiando a proibição das armas, responsáveis pelas desgraças da humanidade. Do lado contrário, os Maus, os violentos, os sem-entranhas que defendem o comércio das armas para dar vazão aos bestiais instintos que cultivam com a habitual ferocidade.

Como são manjados, os Bons e os Maus, nem se precisa ver ou ouvir o desfile. Sabemos de que lado estão Agnaldo Timóteo, o coronel Erasmo Dias, o Bolsonaro, o Severino, o Maluf, o povo do Mal em peso, berrando por armas, clamando por fogo e ranger de dentes.

De outro, os Puros, os de coração limpo e sem mácula, as Vestais de sempre que elegeram Lula e acreditam que o PT é a salvação da lavoura e do povo.

Nas últimas eleições presidenciais, a atriz Regina Duarte foi crucificada pela mídia e pelos colegas de profissão, discriminada como a ovelha negra do rebanho, condenada e sacrificada em nome do Bem e do Lula --que pareciam a mesma coisa.

Nos dias de hoje, a mesma turma do Bem, que tanto se esbofou pela proibição das armas, evita se comprometer com o Mal, preferindo o silêncio sobre a corrupção daqueles que ajudou a eleger.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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