Pensata

Carlos Heitor Cony

07/02/2006

Parábola do papagaio

Não sei se é piada já em forma de piada mesmo, ou se limita à citação de uma crônica de Humberto de Campos, na minha opinião, ainda o maior cronista da literatura brasileira.

Um sujeito queria comprar um papagaio, entre outras coisas, para ensinar-lhe a dizer todos os dias: "Deus seja louvado!", frase machadiana que durante algum tempo figurava nas cédulas do dinheiro em circulação. Um vendedor de papagaios ofereceu-lhe um espécime raro, belo e brilhante em sua plumagem verde e amarela, com alguns toques de azul, uma síntese animal das cores da nossa bandeira, salve, salve.

O comprador perguntou:
- Ele fala?

O vendedor respondeu:
- Não. Mas ele pensa.

Lembro a anedota às avessas, quando vejo e ouço certos governantes e políticos, o mais notório deles sendo o próprio presidente da República, que é uma mistura de político e governante.

Ao contrário do papagaio da anedota, eles falam, falam muito, falam demais, a qualquer hora e por qualquer motivo. Bem ou mal não importa para eles. O que importa é falar.

E ainda ao contrário do papagaio citado aí em cima, não pensam. Ou pior, só pensam naquilo. Como o Juquinha de outra anedota, que só pensava em sacanagem e coisas afins.

A nossa classe política, com as exceções de praxe e circunstância, que felizmente são muitas, está repleta de papagaios emplumados, patrióticos, alguns deles chegam a estar a venda. Falam, falam, mas não pensam no compromisso que assumiram nas campanhas eleitorais, quando juraram trabalho, honestidade e dedicação à causa do povo que os elegeu.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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