Pensata

Carlos Heitor Cony

28/02/2006

Morcegos

Lugar comum de conversas durante o Carnaval, independentemente de faixas etárias, é a constatação de como e tanto o Carnaval mudou. Não falo das colombinas de saiotes e corpetes com pompons grená nem de pierrôs de rostos pálidos de luar. Nem da turma da meia-idade, que curtiu a mulata bossa-nova, a máscara negra, a cabeleira do Zezé.

Falo da turma chegada ainda às fraldas compradas na Coréia, que são as mais baratas. Gente que não conheceu colombinas e pierrôs, que sente saudade do Joãozinho Trinta, do Natal, da Gigi da Mangueira. Cresceu vendo desfile de escolas, mesmo assim acha que os tempos são outros.

Coisas da vida, em geral, e do carnaval, em particular. É a forma de ter saudades de nós mesmos sob o pretexto da saudade dos carnavais que passaram. Compreendo a expressão: "Fulano tem 40 carnavais nas costas e na memória."

Daqui a dez anos, o carnaval de hoje será lembrado, pela turma que chegar aos 30, 40, como a expressão mais completa de uma festa popular. Desprezará o que estará sendo feito. Quem viver, verá.

Feitas as considerações de ordem geral, volto-me para mim mesmo e lembro não o carnaval das colombinas e do pierrôs, mas dos morcegos. Era a fantasia oficial dos meninos de Paquetá, onde passei parte de minha infância.

Tinha a vantagem de valer para os três dias, era usada tanto para o carnaval de rua como para o carnaval de salão. E era barata. Um camisolão preto e a máscara enorme, fedendo a papelão e cola.

Todos ficavam parecidos. Podia-se chorar dentro das máscaras. Por fora parecíamos foliões. Tenho saudades desses morcegos. Meu problema era esbarrar com os desvairados que, trocando o morcego pela fantasia da caveira, cismavam de correr atrás de mim. Estou fugindo até hoje.
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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