Pensata

Carlos Heitor Cony

30/04/2002

Pagando o mico

De certa forma, sou um profissional do livro, tanto na mão como na contramão, na voz ativa e passiva. Acho que passei a maior parte do meu tempo lendo ou escrevendo -e confesso que, embora não me justifique, o contato com o livro tem sido o melhor da minha vida- ao lado de outros prazeres, poucos e não bastantes.

Mesmo assim, não gosto da palavra "bienal" usada pelas feiras de livros que, felizmente, se realizam anualmente. Mas considero o evento necessário para a promoção do livro como um todo, e não da literatura em si.

Sempre ouvi dizer que há duas maneiras de ser escritor. A primeira, a mais tradicional, é a do refúgio na chamada torre de marfim, em que o autor se isola para não se promiscuir com o mercado. A segunda considera o livro como um elo entre o autor e o leitor, não diviniza nem demoniza a praxe, aceita a regra do jogo e dá o seu recado.

Há gênios e imbecis nas duas categorias. Gênios que se isolam e imbecis que também cultivam a torre que eles julgam ser de marfim.

Não é por aí que a literatura sobrevive como arte e como uma das vias mais importantes da cultura universal. É difícil admitir a existência de gênios inéditos, mas pode haver algum a ser descoberto pela posteridade.

No geral, o gênio pode tardar a ser reconhecido, mas ele tem de pagar um preço: tirante a própria vida, nada é gratuito na vida. Como gênio é coisa rara, quem não é gênio tem de pagar o mico e, mais por humildade do que por vaidade, se submeter à sua circunstância. Viva a Bienal!
Carlos Heitor Cony, 80, é membro do Conselho Editorial da Folha. Romancista e cronista, Cony foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000. Escreve para a Folha Online às terças.

E-mail: cony@uol.com.br

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