Pensata

Kennedy Alencar

12/03/2004

Governo sangra de CPI em CPI

Um mês após a explosão do caso Waldomiro Diniz, o governo continua a sangrar. A cada CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que abafa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT pagam um preço alto, correndo o risco de perder credibilidade perante a população e aumentando perigosamente a dependência de aliados fisiológicos. Hoje está claro que o governo não deveria ter se apressado tanto na operação abafa patrocinada com entusiasmado e interessado apoio de José Sarney (PMDB-AP), presidente do Senado, e do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).

Primeiro, deveria ter feito uma melhor avaliação sobre a conveniência para Lula e o PT de abafar a CPI ou de controlá-la.

Uma investigação congressual sobre Waldomiro seria um procedimento que faria mais bem ao governo e ao país do que imaginam Lula, Dirceu e o PT.

Uma CPI não é o fim do mundo. Não há uma regra geral que valha para todo o tipo de problema. Não dá para Paulo Maluf, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva tratarem crises políticas com os mesmos remédios. Difícil engolir essa história de que uma CPI afetaria a economia. O que está afetando a economia é a percepção de que o governo não sabe lidar com a crise, não sabe contorná-la a contento.

Em segundo lugar, parece que teria sido conveniente politicamente um afastamento temporário do ministro José Dirceu (Casa Civil) até o fim de investigações da Polícia Federal ou mesmo de eventual CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito).

Abalado e querendo se salvar, Dirceu correu para conversas reservadas com Sarney e ACM assim que surgiu a denúncia contra o ex-subchefe de Assuntos Parlamentares. Nessa empreitada que transformou Sarney e ACM em heróis do PT, Dirceu contou com o apoio do presidente da Câmara, João Paulo Cunha, político muito mais interessado em ver se sobra para ele a candidatura do PT ao governo de São Paulo em 2006 do que propriamente em salvar a pele do governo e do ministro da Casa Civil.

O presidente Lula, que, bem início do caso Waldomiro, chegou a flertar com a idéia de CPI e, dias depois, com o afastamento temporário de Dirceu, vê hoje a sua governabilidade depender de ACM e Sarney.

O PT, que sempre se destacou pelo padrão moral acima da média, vive a explicar que não é desonesto. O partido, sem o costume de ser vidraça, agiu de modo ingênuo. Teve arroubos de quem não parece ser o partido do governo. E atirou no próprio pé, ao divulgar, por exemplo, nota contra a política econômica como quem acha que pode superar uma crise criando outra.

Esse descompasso voltou a colocar na ordem do dia uma inusitada CPI para investigar as circunstâncias da morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel, em 2002.

Parece brincadeira. Ora, se a oposição tem 27 assinaturas para pedir a CPI de Santo André, deveria ter o mesmo número para apresentar o requerimento de CPI do caso Waldomiro. A não ser que não queira investigar a sério, mas apenas fazer barulho em ano eleitoral.

A oposição atira para o lado de Santo André porque adora ver o governo sangrar todos os dias, com uma ruim notícia aqui, outra desconfortável ali, desgastando o ministro da Casa Civil e transformando-o, para usar expressão da política americana, num "pato manco".

Dinastia política

Em tese, tem razão o ministro Dirceu ao dizer que familiares devem ser preservados pela imprensa e seus nomes trazidos a público em assuntos desgastantes somente mediante evidências justificáveis.

É uma evidência justificável a levantada pelos repórteres Eduardo Scolese, Rubens Valente e Julia Duailibi no caso de José Carlos Becker.

Filho do ministro da Casa Civil, ele é conhecido como Zeca Dirceu. Funcionário público de terceiro escalão no Paraná e candidato derrotado a deputado federal, Zeca Dirceu teve mais força do que experientes parlamentares na negociação de verbas da União para seus redutos eleitorais.

Não há nada de ilegal nisso. Mas há, no mínimo, mais um triste episódio que não combina com a história do PT.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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