Pensata

Kennedy Alencar

21/05/2004

Ainda o efeito "New York Times"

Se o governo tiver juízo, vai dar uma olhada no noticiário internacional a respeito do Brasil. Houve uma mudança de humor para pior em relação ao país após o inacreditável episódio "New York Times".

Até pouco tempo atrás, o Brasil era elogiado por programas sociais inovadores, como o "Fome Zero". Falava-se da surpresa positiva com a responsabilidade fiscal demonstrada por Lula.

O país era visto como uma espécie de querido dos mercados e do FMI (Fundo Monetário Internacional). No que pese muito disso não ser verdade ou meia-verdade (o que aconteceu com o Fome Zero ninguém sabe, ninguém viu!), essa era a percepção externa. Por mais que não faltem razões para contestá-la, o fato é que a tal percepção externa é capaz de provocar prejuízos e lucros enormes e fugazes na economia de um país emergente como o Brasil.

Pouco antes de assumir o governo, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva disse a este jornalista: "Estou convencido de que não podemos errar na política". Pois é, presidente, o senhor errou na política ao cancelar o visto de um jornalista que fez uma reportagem inconsistente. A decisão, que não tinha amparo jurídico no ordenamento brasileiro, equivalia a uma tentativa de expulsão.

E os números de uma pesquisa que chegou ao conhecimento do governo atestaram isso.

De 1.400 pessoas entrevistadas por telefone, 70% disseram que esse episódio prejudicou a imagem do Brasil no exterior. Uma parcela de apenas 26% julgou que não houve prejuízo ao país.

Três por cento não souberam opinar ou não responderam.

Mais: 79% aprovaram o desfecho do caso (o recuo de Lula, que anulou a decisão de cancelar o visto do jornalista Larry Rohter). Somente 18% acharam que Lula errou ao "perdoar" o correspondente do "New York Times" que fez uma reportagem na qual dizia que o presidente supostamente abusava ao consumir álcool.

Aparentemente contraditória com os dados anteriores, as respostas à indagação se Lula reagira corretamente a uma reportagem que ofendera sua honra mostraram que 51% aprovaram a decisão de cancelar o visto. Mas a significativa parcela de 44% desaprovou a retaliação _6% não souberam opinar ou não responderam.

A leitura da pesquisa mostra o seguinte: a população achou que Lula devia ter mesmo reagido, aprovou quando ele recuou mediante uma carta em que Rohter lamentava os constrangimentos provocados por sua reportagem e viu no episódio prejuízo à imagem do país. O levantamento mostrou o bom senso da população.

Bom senso que faltou ao governo ao criar um fato negativo que mudou a percepção externa a seu respeito (investidores passaram a perguntar se na economia poderia acontecer medida tão destemperada assim) e que arranhou a biografia do presidente Lula. Na hora em que o Brasil atravessa uma turbulência financeira internacional, foi um péssimo e inconveniente sinal. O governo errou na política.

A voz da sensatez

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o principal responsável pelo desfecho "menos ruim" do caso "New York Times", prepara uma proposta de uma nova lei do estrangeiro.

Sabiamente, vai revogar o artigo do tempo da ditadura militar de 1964 que permitiu a Lula cancelar o visto de Rohter.

Um rasgo de insensatez

Apesar de o porta-voz da Presidência, André Singer, ter ficado com ônus de principal pai da retaliação a Rohter, merece registro a participação do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. Foi ele quem informou que Rohter pedira renovação do visto e que uma negativa podia ser uma medida contra a reportagem que o governo julgou difamatória.

Cada um faça o juízo que achar mais apropriado a respeito dessa "sugestão", ainda mais partindo de quem ocupa o posto que ocupa.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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