Pensata

Kennedy Alencar

10/12/2004

Lula errou feio com o PMDB

Se quiser alimentar a esperança de formalizar uma aliança com o PMDB para a sua reeleição em 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá de voltar à estaca zero nas negociações com o mais complicado e fragmentado partido brasileiro. Lula errou muito, e errou feio, na relação que estabeleceu com os peemedebistas.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que governou por dois mandatos, teve mais competência para lidar com o PMDB. A relação do tucano FHC com a legenda, que também passou por altos e baixos, foi mais "proveitosa" para os interesses do Palácio do Planalto do que tem sido a do petista.

O primeiro erro aconteceu já na formação do governo, em dezembro de 2002. Naquela época, o futuro ministro da Casa Civil, José Dirceu, tinha um diagnóstico clarividente de como tratar um partido fundamental para consolidar sólida maioria no Congresso. Pragmático, Dirceu negociou e prometeu entregar dois ministérios de peso à sigla, o de Minas e Energia e o da Integração Nacional.

Mas Lula, cacifado por quase 53 milhões de votos no segundo turno, preferiu compor com o PMDB ao longo do governo. Na época, simplesmente desautorizou Dirceu, deixando-o mal perante a a direção peemedebista.

Em 2003, primeiro ano de um novo e forte governo, as coisas transcorreram bem no Congresso. No início de 2004, pouco antes do caso Waldomiro Diniz, que deixaria o chefe da Casa Civil manco, Lula entregou duas pastas de menor importância ao PMDB, Comunicações e Previdência.

Como este ano foi mais difícil --o PT perdeu cidades importantes nas eleições municipais, apesar de ter ido bem nas urnas de modo geral--, as coisas com o PMDB se complicaram. E Lula passou a ter o diagnóstico que Dirceu corretamente fizera em 2002.




Poucos interlocutores

Para complicar, Lula dialogou apenas com alguns grupos do PMDB, achando que os cargos federais seriam suficientes para ter apoio no Congresso e poder suficiente para levar o partido a se aliar a ele em 2006. Mas, diferentemente de ser dividido, o que significaria discordância de opiniões e idéias a respeito dos destinos do país, o PMDB é uma sigla fragmentada. Há vários peemedebês. Ao tratar apenas com alguma partes, o presidente da República errou na política.

Lula e o PT esnobaram o presidente do partido, o deputado federal Michel Temer (SP), e um grupo de políticos hábeis e que tiveram poder no governo FHC. Um desses políticos é o deputado federal Geddel Vieira Lima (BA), líder da bancada na Câmara no governo tucano e craque nas articulações de bastidor.

O resultado da inabilidade de Lula veio à tona com toda a força nesta semana, quando os "governistas" perderam para os "oposicionistas" numa conturbada e tensa reunião da Executiva Nacional.

Nessa reunião, foi aprovado o pedido de entrega de cargos em 48 horas como condição para adiar a convenção deste domingo (12/12/04). Claro que os cargos não serão entregues. E, provavelmente, a convenção vai confirmar a decisão da Executiva e continuar a deixar o cadáver exposto na sala: uma decisão partidária que será veementemente desobedecida.

De pronto, muda pouco a relação de Lula com a ala do PMDB que o apóia. O governo continuará a ter o suporte de pelo menos 20 dos 23 senadores e de 45 dos 76 deputados federais. Isso ficou evidente nas últimas votações do Congresso, principalmente no Senado.

Do ponto de vista político-eleitoral, porém, foi uma derrota significativa por dois motivos: 1) os governistas prometeram a Lula que teriam maioria na Executiva e 2) complicam-se mais os planos do presidente de ter o PMDB como aliado oficial na sua provável candidatura à reeleição em 2006.

Sem ampliar o número de interlocutores no PMDB e sem reatar laços com antigos apoiadores que hoje o hostilizam, Lula terá um PMDB apenas "congressual" e não conseguirá o precioso tempo de TV do partido daqui a dois anos.

Isso aconteceu com FHC no seu primeiro mandato (1995-1998). O PMDB apoiava o governo contra a direção formal do partido e não conseguiu integrar a aliança que resultou na reeleição do tucano em 1998.

Para consolo de Lula e infelicidade dos peemedebistas, que protagonizam cenas de autofagia política, a fragmentação partidária é tão forte que dificilmente os oposicionistas conseguirão levar o partido a apoiar um adversário do petista em 2006.

Para Lula e o PMDB, o melhor caminho é recomeçar do zero.




Ironia do destino

Apesar de o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), ter sido derrotado na reunião da Executiva, nunca o governo precisou tanto dele. Se Renan abandonar o barco de Lula devido aos tiros que recebe de José Dirceu, o presidente voltará a perder a maioria que custou a reconstruir no Senado.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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