Pensata

Kennedy Alencar

27/01/2005

Vale a pena ouvir Porto Alegre

Excesso de "masturbação sociológica" e escassez de "propostas concretas e factíveis" são as críticas mais frequentes ao Fórum Social Mundial. Ainda que Porto Alegre fosse apenas isso, o que não é, já seria muito.

Cobranças para que modelos acabados de políticas econômica e social sejam apresentados pelo Fórum Social beiram o absurdo. Qual a obrigação que o encontro tem de dar respostas que nem os governantes de plantão e as grandes corporações mundiais conseguem dar?

Basta ver o sufoco pelo qual passa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que corre o risco de ser vaiado em Porto Alegre por supostamente ter mudado de lado --injustiça que se alastra como praga pela mídia, inclusive a internacional.

O 5º Fórum Social Mundial, que acontece na capital gaúcha de 26 a 31 de janeiro, cumprirá bem o seu papel se mantiver acesos os debates sobre como tornar este planeta um lugar melhor. É um tremendo mérito reunir gente de todos os lugares do mundo para questionar as correntes de pensamento hegemônicas na política, na economia, na cultura.

Parece vago e nebuloso o que fazem em Porto Alegre? Então vá tentar entender o modelo econométrico que o Banco Central aplica para definir a taxa de juros a fim de cumprir a meta de inflação.

Cada macaco no seu galho. E os participantes de Fórum Social estarão no galho certo enquanto se dispuserem a debater a eficiência da política de combate ao terror de George W. Bush, a cautela excessiva do governo Lula em relação ao mercado, o respeito aos direitos humanos como valor universal e os efeitos negativos da ação humana sobre o meio ambiente.

Questionar Bush não significa conivência com o terrorismo. Cobrar Lula difere de ser um esquerdista incendiário defensor de calote na dívida pública. Falar em direitos humanos não é proteger bandidos. Os danos ao meio ambiente estão longe de ser uma preocupação apenas de "ecochatos".

Não vai aqui uma proposta de interdição do debate sobre as falhas do Fórum Social. Elas devem ser apontadas. Mas parte das críticas vem de pessoas que avaliam que estão lá apenas hippies fora de seu tempo, projetos frustrados de Guevaras, petistas desiludidos com Lula ou jovens ingênuos que um dia cairão na real. Sem generalizar, há muito de uma reação defensiva em tais críticas --mais ou menos na linha "não vi o filme e não gostei".

O Fórum Social exerce uma pressão produtiva sobre governos, grandes empresas e respeitados intelectuais. Balança o galho de quem se contenta com os avanços inegáveis da globalização, mas minimiza os inconvenientes que ela também traz.

Uma autocrítica dos organizadores do Fórum Social diz respeito justamente a tocar adiante propostas decididas nos encontros. Não é fácil, mas a intenção é necessária e muito bem-vinda.

Reconhecer a importância do Fórum Social não significa avalizar tudo o que acontece lá. Essa de o Hugo Chávez, presidente da Venezuela, ser o novo modelo da esquerda latino-americana, é de dar dó.




Concorrência desleal

Para quem gosta de "masturbação sociológica", Porto Alegre está em boa companhia. Preste atenção em Davos, sede do Fórum Econômico Mundial, de 26 a 30 de janeiro. O encerramento dos debates nos Alpes suíços prevê uma palestra do escritor Paulo Coelho numa sessão intitulada "Quando a economia serve ao povo?".
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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