Pensata

Kennedy Alencar

29/04/2005

Imprensa não mordeu Lula, que foi bem

O excelente desempenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na primeira entrevista coletiva clássica que concedeu em 28 meses de governo torna inexplicável o fato de ela não ter acontecido antes.

Os jornalistas não morderam Lula, que foi preparado para o encontro com a imprensa. O próprio presidente permitiu algumas réplicas, derrubando uma restrição sem sentido que constava do roteiro.

Os repórteres cumpriram bem o papel de fazer perguntas pertinentes, dando a Lula uma oportunidade democrática de prestar contas do governo. Democrática e mais eficiente do que os inúmeros discursos em solenidades oficiais. A credibilidade das declarações de políticos é muito maior quando transmitida pela imprensa, instituição que Lula classificou de "bom remédio para consolidar a democracia". Até brincou nessa hora, reconhecendo seu incômodo com os jornalistas, ao dizer que não conhece político, de oposição ou situação, que não tenha reclamações da mídia.

Do ponto de vista noticioso, a economia dominou a coletiva, que teve 14 perguntas. Lula disse que os juros altos não podem ser a única forma de combate à inflação, sinalizando que o assunto o perturba e que busca alternativas.

Tais alternativas, porém, ele não antecipou, recorrendo a uma bem-humorada lição que disse ter recebido de Ulysses Guimarães, o todo-poderoso presidente da Câmara no governo Sarney. Em economia, se você contar antes, não faz o que pretende. Ou seja, vem coisa por aí.

O bom humor foi uma constante na entrevista, que teve um pouquinho de ironia em excesso, especialmente na parte em que se sentiu incomodado quando foi indagado se dormia bem por não ter conseguido cumprir todas as promessas eleitorais em relação aos mais pobres.

Nessa parte, a 11ª pergunta, o presidente ficou um pouco na defensiva, mas tocou num ponto importante. Muitas vezes são feitas críticas ao aumento de gastos para a população mais pobre. Citou, por exemplo, o fato de o Bolsa-Família, o principal programa social do governo, ser dado a 6,7 milhões de famílias atualmente.

Até quando reconheceu três erros do governo, Lula se saiu com uma boa tirada: "É difícil reconhecer o erro num governo que acerta tanto". Os três erros, aliás, foram não ter trabalhado para eleger um aliado confiável para presidente da Câmara, não ter feito obras nas rodovias federais, cujos problemas ele conhece desde as Caravanas da Cidadania (1994), e ficar preso aos juros altos como única forma de combate à inflação.

Deixou claro ainda que o rumo econômico do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda), de quem se disse "unha e carne", será mantido, ainda que o preço seja uma dose conservadorismo.

Resumo da ópera: ficou evidente que Lula, o melhor garoto-propaganda do governo, perdeu por não ter dado uma entrevista coletiva clássica antes. O time ficou escondendo o seu artilheiro, para usar uma metáfora bem ao gosto do presidente, e deixou de marcar gols.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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