Pensata

Kennedy Alencar

03/06/2005

Lula, Chirac, privatização e Correios

A cúpula do PT gostaria que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acordasse invocado e desse uma ligada para o colega francês, Jacques Chirac. O conservador Chirac poderia dar uma dicas de combate à crise.

No domingo (29/05), quando a maioria dos eleitores franceses disse não à Constituição européia, uma senhora derrota política da gestão Chirac, o presidente não perdeu tempo. Articulou rapidamente a troca do premiê, mudando o foco da mídia e reconhecendo que a derrota era um recado para mudar sua administração.

Ou seja, entendeu que a inação, regra do governo Lula, seria a pior solução. Em menos de 48 horas, Chirac trocou o então primeiro-ministro Jean-Pierre Raffarin pelo ministro do Interior, Dominique de Villlepin.

A primeira vez em que prometeu a membros petistas do governo deslocar Aldo Rebelo da Coordenação Política para a Defesa foi em maio de 2004.

A reforma ministerial engaveta em março deste ano começou a ser debatida em novembro. A eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE), corolário da desorganização política crônica da gestão Lula, aconteceu em meados de fevereiro.

Maio já se foi. Agora, em conversas reservadas, Lula promete desencadear mudanças significativas a partir do dia 15 de junho, data na qual o governo planeja enterrar a CPI dos Correios em votação na Câmara. Será?

Bem que Lula podia dar mesmo um telefonema para Chirac.




A voz dos funcionários dos Correios

Em carta, o presidente da Adcap (Associação dos Profissionais de Nível Superior e Técnicos) dos Correios, rebate pontos da coluna da semana passada. Segue a correspondência:

"Brasília-DF, 31 de maio de 2005

Senhor Kennedy,

A respeito da matéria intitulada "Privatização Diminuiria Ladroagem Política", publicado em 20/5/2005, a ADCAP, Associação dos Profissionais de Nível Superior e Técnicos da ECT, vem prestar os esclarecimentos e ressalvas a algumas afirmações realizadas por V.S.ª:

a)"Não faz sentido, por exemplo, que a ECT (Empresa de Correios e Telégrafos) seja estatal. É questionável o argumento de que a iniciativa privada fecharia agências em pequenas localidades de baixa lucratividade. Uma legislação bem feita, que obrigasse a realização de uma cobertura a mais ampla possível do território nacional, poderia resolver o problema. Nos EUA, esse mercado é competitivo e lucrativo."

De acordo com o Índice TARGET de Potencial de Consumo, em 2004, as 14 cidades com mais de um milhão de habitantes representavam 20,7% da população brasileira e quase 33% do total do consumo nacional. Os 58 primeiros municípios classificados no ranking concentram 50% do total de consumo. Analisando-se o outro extremo, observa-se que as 2.678 cidades com população inferior a 10.000 habitantes, representando 48,2% dos municípios brasileiros, concentram apenas 4% do total do consumo nacional.

Os citados números, por si só, já demonstram a concentração de interesses econômicos nos principais mercados do país. Isso não difere na exploração dos serviços de correios: apenas a ECT está presente nesses pequenos municípios, em virtude da sua natureza estatal e das obrigações de universalização dos serviços. Na maioria dos casos, nenhuma outra empresa, pública ou privada, de qualquer ramo de atividade econômica, está presente nos citados municípios.

Não há nenhum bom exemplo de privatização dos serviços de correios a ser seguido. Na maioria absoluta dos países, os principais operadores de correios são empresas estatais. Nos EUA, a USPS é estatal e aparece como a maior empresa de correios do mundo. No entanto, não consideramos adequada a comparação entre a realidade daquele país e a do Brasil, no que se refere ao potencial econômico dos municípios.

O "Correo Argentino", experiência de privatização mais próxima na década de 90, foi então convertido em sociedade anônima, controlada por um consórcio formado pela Sideco Americana, pelo Banco de Galícia y Buenos Aires e pelo correio britânico. Como conseqüências, o aumento de tarifas, a queda da qualidade de serviços e o não-cumprimento de metas levaram o governo do país vizinho a reestatizar a empresa.

b)"É furado o argumento de que planos de carreira diminuiriam a corrupção nas estatais ao reduzir o número de cargos de indicação política. O Sr. Maurício Marinho, funcionário de carreira dos Correios havia mais de 20 anos, foi alçado ao comando de um departamento por indicação política. A suspeita é que esperava um novo governo para trocar de bando."

Nesse ponto, entendemos que os planos de carreira são instrumentos de controle da interferência política, desde que sejam efetivamente cumpridos, o que não vem acontecendo, desde 2003, quando o PCCS (Plano de Carreiras, Cargos e Salários) da ECT foi modificado para atender a interesses político-partidários. Mesmo assim, continua sendo desrespeitado. As indicações políticas se multiplicam em todos os níveis, de carteiros a engenheiros, de operadores a administradores, todos têm sido designados por motivação política.

As ações da imprensa, dos órgãos de controle e do judiciário são os mecanismos legítimos de defesa contra esses interesses escusos. Mas privatizar a ECT, empresa reconhecida como um dos mais eficientes correios do mundo e como a instituição de maior confiança dos brasileiros, atestada em várias pesquisas de opinião, não vai resolver o problema. O problema não está na ECT, mas no uso que estão fazendo dela.

Genilton Macedo Ribeiro

presidente da ADCAP (Associação dos Profissionais de Nível Superior e Técnicos) dos Correios




Comentários do colunista

Agradeço a gentil correspondência do sr. Ribeiro e de sua associação. O argumento de que "a concentração de interesses econômicos nos principais mercados do país" inviabiliza uma eventual privatização foi abordado na coluna, no ponto em que é feita menção a uma legislação que obrigue a uma cobertura a mais ampla possível de todo o território nacional. Uma vez que o serviço é lucrativo, cobra-se tal contrapartida.

As afirmações de que a privatização fracassou na Argentina e de que, "na maioria absoluta dos países, os principais operadores de correios são empresas estatais" não invalidam uma eventual privatização no Brasil. Elas não são provas de que isso daria errado, mas alertas que podem nortear a formatação legal da eventual venda ao setor privado. A privatização da telefonia no Brasil, com todos os seus problemas, foi e é um sucesso, basta lembrar quando custava comprar um telefone e quantas pessoas de baixa renda tinham acesso a esse bem.

A respeito do ponto "b", que aborda os funcionários de carreira, registro que tenho o maior respeito pelos servidores públicos. Uma forma de valorizá-los é reformar o Estado brasileiro, diminuindo o seu tamanho. Sobrariam mais recursos para pagar melhores salários e concentrar energia em áreas que realmente interessam num país tão pobre e injusto (saúde, educação e segurança pública, por exemplo).

O próprio missivista reconhece que há desvios políticos que interferem nos planos de carreira, inclusive com nomeações em áreas nas quais não seriam cabíveis. Destaco a seguinte frase do sr. Ribeiro: "As indicações políticas se multiplicam em todos os níveis, de carteiros a engenheiros, de operadores a administradores, todos têm sido designados por motivação política".

Com a eventual privatização, essa interferência deixaria de ser uma preocupação do governo, diminuindo o nascimento de "Maurícios Marinhos", que não considero a regra no serviço público, e evitando sangrias dos cofres públicos.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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