Pensata

Kennedy Alencar

11/09/2005

Ruim, reação de Severino agrava crise política

Foi a pior possível a reação do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), às acusações que vem sofrendo. Ao dizer que fica, joga a Câmara num impasse político, que, no limite, facilitará a vida de deputados federais acusados no escândalo do mensalão e que merecem ser cassados.

Em entrevista coletiva hoje (11/09), Severino disse ter sido vítima de chantagem do empresário Sebastião Buani. Ora, por que não denunciou a chantagem de imediato, antes da divulgação de reportagens que o acusavam de cobrar propina? Por que se contentou com a primeira versão do empresário negando ter lhe dado dinheiro e só demonstrou indignação agora?

Severino ainda deixou aberta a possibilidade de ter assinado um "documento fraudulento" no qual o empresário teria recebido garantia da prorrogação de sua concessão de restaurante na Câmara. Severino afirmou que, "de forma consciente", não assinou o documento. Mesmo "fraudulento", esse papel pode ter servido para dar uma satisfação a Buani. Em outras palavras, para enrolar o empresário.

Resumo: foi pouco esclarecedora a entrevista de Severino. Recorreu ao surrado clichê de preconceito contra um nordestino que subiu na vida para tentar se defender. Ora, não se trata de preconceito quando se diz que Severino é atrasado e fisiológico. Seus 42 anos de "vida pública" são exemplos do que há de pior na política brasileira. Apelou à defesa da "família" e jogou baixo contra o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), reduzindo sua proposta de descriminalizar o uso da maconha a um irresponsável incentivo para que a juventude consuma drogas.

Apenas esses absurdos já seriam prova de que Severino não está à altura do cargo ao qual chegou devido à incompetência do governo e irresponsabilidade da oposição.

Além disso, como a maioria dos acusados nessa crise, ele se apegou ao argumento jurídico da falta de provas. Juridicamente, Severino tem o constitucional direito de ampla defesa. A investigação da Polícia Federal e um conseqüente processo judicial esclarecerão esse aspecto.

O processo político, porém, tem outra natureza. É mais rápido e sujeito ao julgamento da opinião pública e dos atores políticos. A suspeição sobre a conduta de Severino é suficiente para que renuncie à presidência da Câmara e defenda o seu mandato no Conselho de Ética.

Severino está morto politicamente. Perdeu a condição de presidir a Câmara. Mesmo assim, insistirá em comandar sessões a partir de segunda-feira. O resultado deverá ser um baita impasse político, o que só fará piorar a crise.

Começar de novo

A oposição já disse que manterá a reunião da terça-feira para discutir os termos de um pedido de abertura de processo de cassação.

Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se sente amarrado para atuar politicamente numa delicada questão do Legislativo, o PT não tem motivo para ficar em cima do muro. O Partido dos Trabalhadores deveria engrossar o movimento da oposição para pedir a cassação de Severino. Os demais partidos aliados ao governo Lula deveriam seguir o mesmo caminho.

Um rápido acordo entre as forças do governo e da oposição em torno de uma agenda comum para a Câmara seria uma boa tentativa de resgate da imagem da Casa.

O presidente do PSB, Eduardo Campos (PE), tem defendido uma "repactuação" entre governo e oposição na Câmara. Ele tem razão. Se essa chance for perdida, o abismo que já existe entre a opinião pública e a classe política crescerá ainda mais. A crise do mensalão acertou Lula em cheio, enfraquecendo-o, mas pode ter acertado mais fatalmente o Legislativo brasileiro, Senado incluído.

Começaram articulações a respeito de deputados federais que poderiam substituir Severino. No entanto, antes da necessária "fulanização" (conversa sobre nomes), seria conveniente que governistas e oposicionistas discutissem um conjunto de medidas para tirar a Câmara do fundo do poço. Ela chegou lá faz tempo. A continuar assim, a crise política corre o risco de virar crise institucional. Severino já deu a sua contribuição nesse sentido.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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