Pensata

Kennedy Alencar

25/11/2005

Lula não entende razões da crise

Uma coisa é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizer em discurso e em entrevistas recentes que a atual crise política é coisa da oposição, denuncismo vazio etc. e tal. São respostas públicas esperadas, pois é inegável que existe interesse da oposição em explorar politicamente os fatos que geraram a crise do governo Lula.

Outra coisa, porém, é o presidente da República achar em suas conversas reservadas que a luta política é a principal razão para a gravidade da crise. Revela uma visão distorcida da realidade e induz a um diagnóstico errado das causas do problema. E diagnóstico errado leva à adoção de medidas equivocadas e ineficazes para resolver ou minimizar a crise.

Na segunda-feira (21/11), Lula disse que a "pequenez eleitoral" não vai tirar a "seriedade" de sua administração. Ele se referia à tremenda "celeuma" entre os ministros Antonio Palocci Filho (Fazenda) e Dilma Rousseff (Casa Civil). Disse que há um "denuncismo até agora não provado".

Ora, parecem frases de quem está no mundo da Lua. Enxergar o dedo da oposição na guerra Dilma-Palocci é miopia política. A oposição se comportou responsavelmente no episódio. Não tentou agravar o momento que poderia ter resultado na saída do ministro da Fazenda, algo que esteve perto de acontecer e que poderia custar a estabilidade econômica do país.

Nas conversas reservadas, Lula repete a avaliação de que o grosso da crise é luta desleal de uma oposição que estaria passando dos limites, que o PT tem de ir para a guerra e que não adianta ele tentar fazer acordos de cavalheiros com adversários nos bastidores. O presidente parece ter se esquecido de como agiu o PT quando ainda não havia conquistado o Palácio do Planalto.

A forma como a oposição se comportou nos depoimentos de Palocci no Congresso é sinal de que há, sim, possibilidade de acordos de cavalheiros. Exige-se, porém, competência para fazê-los.

É inegável que a oposição tenta desgastar Lula, busca enfraquecê-lo eleitoralmente e avança sinais em sua estratégia nas CPIs do Congresso, especialmente na dos Bingos.

No entanto, Lula deve ter claro que não foi a oposição que inventou a dupla Marcos Valério-Delúbio Soares nem o caminhão de provas do valerioduto. Não foi a oposição que levou o deputado federal José Dirceu a agir com uma tara pelo poder que o cegou quando ministro da Casa Civil, deixando-o hoje na humilhante situação de virtual cassado. Não foi a oposição que resolveu partir para o ataque quando obteve respiros ao longo de uma crise de seis meses.

Com um diagnóstico equivocado, Lula só vai acirrar ainda mais os ânimos, dividir o país, perder popularidade e conviver mais longamente com a crise. O presidente precisa abrir os olhos, enxergar a realidade, ter comportamento mais sereno, mostrar maior indignação em relação aos erros do PT e do governo.

Do contrário, Lula vai continuar a errar politicamente --a eleição de Aldo Rebelo (PC do B-SP) para presidente da Câmara, que seria a salvação da lavoura, não trouxe uma reorganização política capaz de levar o governo a vencer uma simples batalha para evitar a prorrogação da CPI dos Correios até abril de 2006. Talvez tenham faltados os votos da ala do PMDB que Lula esnobou achando que estava fazendo um grande negócio.

Se Lula persistir nos equívocos, será maior a chance de o país caminhar para um 2006 no qual sangue jorrará na campanha eleitoral. E todo mundo sabe quem pagará o pato caso a política brasileira vire uma guerra entre partidos que tentarão destruir um ao outro durante anos. PT e PSDB são ou deveriam ser melhores e maiores do que isso.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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