Pensata

Kennedy Alencar

24/03/2006

"Caso Francenildo": da violência à farsa

Algo vai muito mal no governo do ex-operário Luiz Inácio Lula da Silva. Mesmo que o caseiro Francenildo Costa tenha sido "instrumentalizado" e "treinado" pela oposição, como acusam autoridades federais, a forma como ele passou de testemunha contra um poderoso ministro a investigado pela Polícia Federal é mais uma violência aos seus direitos individuais.

Lula pode estar criando o fato político mais importante contra a sua candidatura à reeleição. Está deixando que a força das instituições do Estado, inclusive de parcela de seu aparato repressivo, seja usada de forma desproporcional contra um cidadão cuja única e vigorosa defesa é dizer que se encontra na situação de investigado pela PF porque resolveu dizer a verdade a respeito do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho.

Lula se elegeu para tolerar esse tipo de comportamento em seu governo? Sua história de vida e sua carreira política viraram apenas fotografias na parede?

Na terça-feira (21/03), a edição impressa da Folha revelou que a quebra ilegal do sigilo bancário de Francenildo acontecera dentro da Caixa Econômica Federal, a mando de uma pessoa com posição de chefia. Ontem, quinta-feira (23/03), o caseiro depôs na Polícia Federal na condição de investigado.

Por quê? Ora, o Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras), subordinado ao Ministério da Fazenda, achou atípica uma movimentação de R$ 25 mil na conta de Francenildo. Quando investigados pelas CPIs dos Correios e dos Bingos movimentaram milhões em espécie, o Coaf não demonstrou o mesmo zelo.

Mas bastou um caseiro acusar Palocci de ter mentido à CPI dos Bingos para que a instituição passasse a monitorar todas as movimentações atípicas da ordem de 25 mil reais no país? É lícito desconfiar que não e que tenha sido montada uma farsa para suavizar a gravidade da quebra ilegal do sigilo do caseiro.

Essa farsa se transformará num novo bumerangue, que vai voltar diretamente contra o governo Lula. Se há suspeitas a respeito das intenções e ações de Francenildo, o caminho para o governo e o PT o investigarem é a CPI dos Bingos, a arena política. Na CPI, há instrumentos para saber se Francenildo está a soldo da oposição. Se estiver, é grave. Mesmo assim, seus direitos individuais não podem ser violados. Não será usando a Polícia Federal e a Caixa contra o caseiro que Palocci se safará da enrascada em que ele próprio se meteu.

Mais: tende a sobrar para Luiz Inácio Lula da Silva, aquele que já se apresenta candidato à reeleição como o presidente que procurou fazer mais para os mais pobres. O "caso Francenildo" poderá entrar para a história do governo petista como um de seus maiores erros.




Relembrando

Francenildo diz que o ministro da Fazenda freqüentou uma casa alugada em área nobre de Brasília por ex-auxiliares para fazer lobby no início do governo Lula. Palocci nega de público, mas já admitiu em conversas no Palácio do Planalto que esteve na casa para atividade de caráter privado e não para participar de supostos planos de corrupção.




O próprio veneno

Integrantes da cúpula do governo se queixam da imprensa. Dizem que ela protege o caseiro e a oposição porque não fez alarde quando petistas tiveram seus sigilos fiscal e bancário vazados. Têm alguma dose de razão. Há abuso da imprensa, que, na busca da notícia em primeira mão, faz alianças perigosas e corre risco de ser instrumento do jogo político.

No entanto, os sigilos que vazaram na CPI dos Bingos e dos Correios foram quebrados legalmente. Eram sigilos de investigados. No caso de Francenildo, ele não era investigado e não houve ordem judicial.

Um erro não justifica o outro, para usar um clichê necessário. O PT vazou e abusou de sigilos quando era oposição em CPIs nos outros governos.

Mais: se o PT e Lula acham que chegaram à Presidência da República para usar instrumentos típicos de regimes autoritários, é melhor que devolvam o poder àqueles que tanto criticavam. Ficam bem melhor na oposição, no papel de mocinhos contra bandidos.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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