Pensata

Kennedy Alencar

07/04/2006

Lições do caso Francenildo

Apesar do clima de guerra entre governo e oposição, que produz uma sensação enganosa de que o Brasil vai acabar, as instituições do país têm dado conta da crise. O desfecho do episódio de violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa é evidência disso: o ministro mais poderoso do governo Lula caiu porque abusou do seu poder.

Antonio Palocci Filho foi a maior revelação da política brasileira nos últimos anos. Com habilidade política e maturidade, mudou a visão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre economia e bancou uma acertada política para o momento histórico de chegada do PT ao poder federal.

O Brasil quebrou em 2002. Palocci restaurou a sua credibilidade externa e começou a construir as condições que darão ao próximo presidente da República a chance de surfar numa onda de forte crescimento econômico.

Palocci nunca foi o bonzinho dos sorrisos fartos das aparições públicas. Atuou com excelência no jogo político, quando bombardeou fortemente adversários internos. Superou José Dirceu, o ex-todo poderoso chefe da Casa Civil e dirigente do PT responsável pela inflexão ao centro que resultou na moderação política (alianças à direta) e econômica (o paloccismo da política econômica).

Palocci enganou Lula algumas vezes, sonegando-lhe notícias ruins na economia até que se tornassem de conhecimento público. Resistiu muito para quem tinha um Buratti no meio do caminho. Mas, tão forte, tão hábil, perdeu-se num abuso de poder inaceitável para um partido que lutou contra a ditadura militar de 1964. De certa forma, repetiu Dirceu. Palocci também foi do paraíso ao inferno porque não soube exercer com prudência o seu imenso poder.




Injustiça na mídia

De modo geral, a imprensa tem tido um comportamento louvável no episódio Francenildo. Constatada a violação do sigilo, cobrou fortemente o governo a se explicar. Esse processo resultou na queda de Palocci e na suspeição de que seu assessor de imprensa, Marcelo Netto, tenha vazado o segredo à revista "Época".

Setores da imprensa, porém, cometeram uma injustiça: relacionaram o nome de Matheus Leitão, um dos filhos de Netto e repórter da "Época", ao episódio de violação e vazamento do sigilo do caseiro.

Assessor competente, que na prática virou o número 2 da Fazenda, Netto salvou Palocci e outros membros do governo de muitas enrascadas antes de se meter no atual imbróglio. Tinha boa relação com as cúpulas dos principais veículos de comunicação. Sempre houve uma penca de jornalistas a procurá-lo em busca de informações. Ele não precisava usar o filho para vazar informações.

Matheus participa da cobertura jornalística da CPI dos Bingos. É natural que a revista "Época", de posse de dados de Francenildo que desejava checar, como o número do seu CPF, acionasse o repórter para averiguar a informação com membros da comissão, na qual o caseiro depôs até ser interrompido por ordem judicial.

Daí a relacionar Matheus à violação e ao vazamento do sigilo vai uma distância tremenda. É uma leviandade acusar um pessoa por conta de seus laços sanguíneos.




Conduta correta

Freqüentemente, o ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça) é chamado de advogado do PT e do governo. Ora, subordinado ao presidente, é natural que ajude o chefe a elaborar estratégias de governo. É muita ingenuidade política ou udenismo infantil pensar e querer o contrário.

Nos episódios Francenildo Costa e Larry Rother (tentativa de expulsão do jornalista americano), Thomaz Bastos foi a voz mais sensata da administração petista. Quem acompanhou os bastidores da queda de Palocci sabe que o ministro da Justiça atuou sem hesitação para mostrar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aos membros do governo que ninguém, numa democracia, está acima da lei.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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