Pensata

Kennedy Alencar

12/05/2006

Chávez e Morales abusam de Lula

A "reação prudente" do Brasil à nacionalização dos hidrocarbonetos (petróleo e gás), como disse o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia, é defensável. Demonstra maturidade para lidar com uma complicada realidade que pode afetar a indústria brasileira e consumidores residenciais de gás natural. Qual seria a alternativa? Mandar as Forças Armadas para a fronteira? Dar uma blitz à la Bush nos bolivianos ilegais no Brasil? Ou colocar os diplomatas para falar como militares?

Parece que a prudência, no caso, era mesmo o melhor caminho. No entanto, Evo Morales, presidente da Bolívia, não demonstra a mesma prudência e maturidade ao tratar da questão do gás.

Em entrevista coletiva na quinta-feira (11/05), ao chegar à Viena (Áustria) para a 4ª Conferência de Cúpula União Européia-América Latina/Caribe, Morales simplesmente disse que a Petrobras-Bolívia é "contrabandista" em seu país, entre otras cositas más. Ele falou sério ou fez bravata para o público interno porque precisará eleger maioria nas eleições legislativas de julho?

Morales cumpriu a conhecida promessa de campanha de que nacionalizaria as reservas de hidrocarbonetos. Todos os candidatos, inclusive o da direita boliviana, defendiam a medida. Nesse sentido, ela não foi surpresa. E é sensato o argumento de que a soberania da Bolívia lhe permite ter o controle dessas reservas.

Até esse ponto, Morales tem as suas razões. Cumpriu promessa de campanha. Se não o fizesse poderia sofrer desestabilização política precoce. Deu algumas tintas de heroísmo bolivariano à medida para faturar na política interna.

O presidente boliviano erra, porém, ao elevar o tom, como fez ao chegar em Viena. No mínimo, foi deselegante com Lula, que tem lhe dedicado imensa paciência. Também foi inábil, pois o fez na hora em que uma missão da Petrobras e do governo brasileiro negociava com seus auxiliares em La Paz. Suas palavras atrapalham entendimentos.

Não se trata de demonizar Morales ou Hugo Chávez, presidente da Venezuela que, nas palavras do amigo Marco Aurélio Garcia é "voluntarioso". Mas é fato que Morales passou a adotar um discurso anti-Brasil muito similar à pregação anti-EUA de Chávez.

Lula ajudou Chávez a superar a oposição interna, criando o "Grupo de Amigos" da Venezuela em 2003. Foi uma medida acertada. A retribuição do venezuelano, entretanto, é incentivar Morales a agir com muita estridência e pouca inteligência.

A continuar nesse rumo, Lula terá de endurecer discurso e prática. Chávez, com seu estilo "voluntarioso", atua para dividir a América Latina. Sua visão de democracia e do mundo globalizado é um exemplo de esquerdismo infantil.

O Brasil não tem razões para fazer bravatas na atual crise com a Bolívia. Mas Lula tem razões de sobra para ir se afastando ainda mais da companhia de Chávez e também da de Morales.

Não precisa ser de uma hora para outra. Não se recomenda que seja aos solavancos. Mas está evidente que será um erro planejar uma integração latino-americana de longo prazo com parceiros desse tipo --ainda mais com a previsão de uso extensivo de recursos do Brasil para projetos de infra-estrutura.

Simpatia ideológica e prudência política também têm os seus limites.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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