Pensata

Kennedy Alencar

02/06/2006

A arrogância e a dissimulação de Lula

Após um período de humildade, no qual articulou bem nos bastidores a sua campanha à reeleição, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cometeu nesta semana dois erros graves. Na quarta-feira (31/05), desmoralizou de vez a encenação sobre ter dúvida em ser candidato. Na quinta-feira (01/06), fez o que o tucano Geraldo Alckmin aguardava com ansiedade: desafiou a oposição a colocar o 'mensalão' na TV, falando de corrupção.

Na quarta, Lula recebeu o ex-governador Orestes Quércia no Palácio do Planalto para tratar de alianças na eleição presidencial e na paulista, na qual apóia o ex-líder do governo no Senado Aloizio Mercadante (PT).

Conversou apenas sobre eleição. Na saída, Quércia revelou em entrevista algo já sabido, que o presidente oferecera a vice ao PMDB. Mais tarde, o sempre cordato ministro Tarso Genro (Relações Institucionais) cometeu uma indelicadeza. Desmentiu o convidado do presidente para tentar esconder o que já está mais à mostra do que umbigo de vedete. Lula é candidatíssimo e só fala disso.

Essa encenação é perigosa. O presidente a faz para não ser acusado de uso da máquina em benefício eleitoral nas viagens e solenidades pelo Brasil.

Detalhe: não precisa exagerar. A lei permite que um presidente seja candidato à reeleição no cargo. Permite, portanto, inaugurações e solenidades dentro de limites razoáveis. Insistir numa mentira (dúvida em relação a ser candidato) mina a credibilidade. Como a população vai acreditar que Lula não sabia do mensalão se ele está dissimulando sobre a candidatura?

Ressalva: a dissimulação, indesejada nas relações privadas, é aceitável na política. Na maioria das vezes, o segredo é a chave do sucesso das articulações. Mas há limites para a dissimulação. De repente, ela vira cinismo.

O segundo erro de Lula na semana se deveu à arrogância pelo favoritismo nas pesquisas sobre sucessão. Ele já está achando que ganhou a eleição de Alckmin. Ledo engano. Esse jogo não está jogado. No início do ano, o petista morria de medo da imprevisibilidade do tucano numa campanha. Agora, equivoca-se, dando-o como morto. Erro, aliás, que setores tucanos e pefelistas também cometem.

Em viagem na quinta, atacou a oposição, dizendo que deseja que ela exiba na TV as cenas das CPIs que investigaram o escândalo do mensalão. Sentindo-se forte, Lula falou em corda na casa de enforcado.

Marqueteiros não se cansam de repetir que ditar a agenda da eleição é um pré-requisito importante para vencê-la. Desafios no tema corrupção não são o forte do governo Lula. Alckmin recebeu a chance que queria para debater com o presidente. Em vez dos bons números da economia e das realizações sociais, que vitaminam o petista nas pesquisas, o presidente preferiu debater o tema que jogou seu governo numa crise tremenda. Errou feio.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca