Pensata

Kennedy Alencar

08/12/2006

Presidente, a receita é nova

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito que os economistas com os quais discute como fazer a economia crescer 5% ao ano só lhe apresentam uma receita velha: controlar os gastos públicos, reformar mais uma vez a Previdência, flexibilizar a legislação trabalhista etc.

Alguém precisa dizer ao presidente que essa agenda é nova. Praticamente inédita por essas paragens. Ou melhor: falam dela faz tempo, mas nunca a aplicaram para valer. Alguns passos foram dados, deve-se reconhecer, nos governos Collor, FHC e Lula. Houve uma abertura da economia, privatizações e duas reformas da Previdência.

Essa agenda, no entanto, nunca foi implementada para valer no Brasil. Sempre esbarrou em obstáculos legítimos, mas também em puro corporativismo.

Essa agenda pode até ser equivocada. Algo neoliberal, como gostam de dizer petistas. No entanto, não é velha. É nova em se falando de Brasil, que nunca a experimentou de verdade. Nossos capitalistas são pródigos em mamar nas tetas do Estado. Adoram privatizar os lucros e socializar os prejuízos. Alguns de nossos esquerdistas adoram uma aposentadoria especial e vivem numa espécie de névoa ideológica, sem contato com o mundo real, na qual bastaria vontade política para derrubar os juros.

Ora, o Estado brasileiro consome um terço do PIB (Produto Interno Bruto) e entrega os serviços básicos que todos conhecem. Ruins para chuchu. A saída é aumentar os gastos públicos ou tentar descobrir as razões que levam a um retorno tão baixo por um conta tão alta? Talvez as duas.

Recém-reeleito, Lula está numa encruzilhada. Seus discursos têm sido contraditórios. Falam em manutenção do rigor fiscal e do controle da inflação. Descartam "gestos de irresponsabilidade". Mas suas palavras também dão a entender que a política econômica que aplicou a partir de 2003 foi resultado de uma situação emergencial, de uma estado de crise. Logo, não caberia mais na atual dosagem. Ele deseja mudá-la. E aí reside o perigo. Mudar é bom. Mas como? Para onde?

A economia deve crescer uns 3% neste ano. O consumo das famílias, com o perdão da generalização, gira num patamar mais alto (5%). Logo, são 3% de crescimento do PIB com uma sensação de maior robustez econômica, sobretudo para os mais pobres. São 3% diferentes de um cenário de forte retração econômica, dizem analistas de banco estrangeiros que ganham a vida analisando esses números. Logo, são uns bons 3%. Lula teria esses 3% se tivesse aplicado outra política econômica?

Mais: há uma discrepância nas análises que os investidores externos fazem do cenário econômico futuro. Suas equipes nos EUA e na Europa ainda dão crédito ao petista que chegou ao poder em 2003 e que se mostrou confiável. Lula também se beneficia, perante esse público, do efeito comparação com Hugo Chávez (Venezuela) e Evo Moralez (Bolívia) e outros líderes latino-americanos.

Já os analistas baseados no Brasil acompanham com certa preocupação os sinais que Lula tem emitido sobre economia. Acham que há espaço para o presidente cometer pequenos erros e não gerar uma grande crise no curto prazo.

Trocando em miúdos: Lula poderia errar agora sem risco. Mas colheria lá por 2008 ou 2009 uma crise fiscal séria. Então, teria de adotar medidas impopulares, como fez em 2003, e retornaria a um patamar pior do que o atual.

Esses analistas avaliam que perseverar numa política de controle de gastos públicos, sinalizar algumas mudanças futuras na Previdência e se dispor a discutir uma agenda de modernização capitalista gerarão bons resultados econômicos já em 2007. O mercado costuma "precificar" antecipadamente as medidas futuras ruins e também as boas.

Não é fácil encontrar a receita para um crescimento vigoroso. Lula vive um momento decisivo. Talvez valha a pena refletir se a agenda que julga velha não seria novíssima.



Líder

Nos últimos 30 anos, o país não produziu uma liderança tão apta quanto Lula a tentar modernizar economicamente o Brasil. Ele é um político que reúne as condições simbólicas de dizer aos mais pobres quais seriam os sacrifícios necessários e, ao mesmo tempo, exigir uma contrapartida dos mais ricos em benefício dessa fatia da população.

Obviamente, não é tarefa fácil. Todo mundo sabe. Mas talvez o país não produza também nos próximos 30 anos alguém que possua as condições que o atual presidente possui para bancar uma agenda de "ruptura" e modernizar o Brasil do ponto de vista capitalista. Lula tem, portanto, uma oportunidade histórica.



Governo parado

Com exceção das discussões sobre economia, o governo está praticamente parado. Todos os outros ministérios e seus titulares aguardam a decisão do presidente a respeito da equipe do segundo mandato.



Governo envelhecido

Reeleito em 29 de outubro, Lula enfrenta uma grave crise no setor de avião civil que já dura mais de dois meses. A demora em encontrar a solução passa a imagem de um governo envelhecido, daqueles que chegam ao final sem energia para resolver os grandes problemas. E Lula ainda tem mais de quatro anos de administração.



Habilidade

Com a sumida de cena de Aloizio Mercadante (PT-SP) devido ao dossiegate, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) tem sido o sustentáculo do governo no Senado. Bom operador, caiu nas graças de Lula e da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil).



O atraso

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que considerou inconstitucional a chamada "cláusula de barreira" não protege as minorias. Pelo contrário. Permite que legendas de aluguel continuem a infestar a política. Todos os partidos tiveram tempo para se preparar para a nova regra. Foi a vontade do eleitor que tirou de algumas legendas benefícios desproporcionais ao seu peso político.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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