Pensata

Kennedy Alencar

09/02/2007

O futuro do PT

Desde 1995, quando os moderados retomaram dos radicais o controle sobre o PT, não havia disputa tão eletrizante a respeito dos destinos do partido político mais importante da história recente do país. Naquele ano, José Dirceu de Oliveira e Silva fechou aliança com Luiz Inácio Lula da Silva para montar um projeto eleitoral com chance real de chegar ao poder. Ambos haviam perdido no ano anterior, respectivamente, as eleições para os governos de São Paulo e para a Presidência.

No caso de Lula, uma dúvida o angustiava. Teria ele possibilidade concreta de conquistar a Presidência ou "o preconceito contra um operário nordestino" o impediria de atingir tal objetivo? Não foram poucos os momentos em que pensou em passar o bastão a outro: Aloizio Mercadante, José Genoino, Tarso Genro, Sepúlveda Pertence e até Roberto Requião foram nomes cogitados para assumir uma postulação que ele imaginava não ter condições de levar mais adiante.

Entretanto, o disciplinado Dirceu montou uma máquina partidária que entregaria ao carismático Lula a moderação política e econômica que viabilizaria o projeto presidencial. Hoje, o primeiro está na planície, lutando para reaver seus direitos políticos. O segundo, no Palácio do Planalto, com a responsabilidade de tentar quebrar um ciclo de crescimento econômico medíocre que dura duas décadas.

Marcado para julho em Brasília, o 3º Congresso do PT discutirá mais do que a tese (conjunto de diretrizes) que prevalecerá no partido nos próximos anos. Terá a missão de começar a debater como será o futuro do PT pós-Lula. Essa história de re-reeleição não é cogitada pelo petista, apesar do viés chavista da proposta de alguns setores do partido de conferir ao presidente poder de convocar plebiscitos sem autorização do Congresso. O presidente não deseja concorrer em 2010, mas não descarta 2014, o que é outro assunto.

O PT deve ao país uma resposta a respeito da maior crise de sua história (a do mensalão e o seu segundo tempo, o dossiegate). A legenda, que comemora seus 27 anos neste final de semana com festa e reunião do Diretório Nacional em Salvador, cometerá um erro se jogar a poeira para baixo do tapete. Plantará a semente de nova crise.

Um bom começo não seria apenas a implosão do Campo Majoritário ainda assombrado pelo fantasma de Dirceu, mas também uma revisão do sistema de tendências. Todos os partidos possuem seus subgrupos. Há as alas tucanas serrista, aecista e fernandista. O PFL tem o grupo carlista, hoje em franca decadência, mas que já deu muito trabalho à turma de Jorge Bornhausen. Logo, a divisão petista em tendências não é exclusividade do partido.

Mas esses grupos passaram a agir como partidos dentro do partido. Está coberto de razão o governador da Bahia, Jaques Wagner, quando diz que no começo do PT se prestava mais atenção aos argumentos do que ao orador. Hoje, não importa o que é dito, mas quem fala.

O governador de Sergipe, Marcelo Déda, diz ser precondição pertencer a uma tendência para militar no PT, o que dificulta a participação de quadros novos. A grande frente com as mais variadas matizes de esquerda de 1980 dava sentido a essa organização de partidos dentro do partido. Hoje, é um fiel retrato de exércitos em guerra fratricida.

As reuniões do PT sob a hegemonia do Campo Majoritário ficaram chatas. Mais interessante era cobrir a reunião da véspera do grupo de Dirceu. A decisão tomada ali sairia vitoriosa no dia seguinte, na reunião do Diretório Nacional. Era só levantar o crachá. Grupos radicais do PT que formaram maiorias absolutas em direções estaduais e municipais padeceram do mesmo pecado. A prática do rolo compressor se tornou a regra nas instâncias da sigla.

A atual crise, que tornou relativa a maioria do Campo Majoritário, é uma oportunidade para a reforma do sistema de tendências. Com exceção da Articulação de Esquerda, ala radical que apresentou a tese mais socialista, detalhada e extensa (150 mil caracteres que precisarão ser reduzidos para 80 mil), os outros grupos do PT parecem ter menos certezas sobre o futuro. Há abertura para revisão de conceitos e métodos.




Simplificando

Grosso modo, existem hoje no PT duas grandes divisões. Uma ala radical que crê sinceramente na construção de um socialismo democrático, apesar da dificuldade para uma definição concreta do que seja. E moderados que usam a utopia socialista apenas no discurso, mas que acreditam mesmo numa modernização capitalista do Brasil --tarefa infelizmente inconclusa nestas paragens em pleno século 21. O governo Lula é uma tentativa, bem-sucedida para uns, malsucedida para outros, de realizar tal modernização.


A outra divisão no partido se refere ao atual grupo dirigente. A maioria quer diminuir seu mandato e eleger nova cúpula partidária no final deste ano. Alguns dirigentes atuais até topam, desde que não sejam escorraçados. Lula teme que tal encurtamento propicie um ano de guerra interna, mas acha que a atual direção caiu de podre e atua discretamente por mudança na cúpula sem grandes traumas. Está mais preocupado com o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), com medo de que seja mutilado pelos juros e o câmbio.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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