Pensata

Kennedy Alencar

16/03/2007

Lula comeu mosca

Com quatro anos e meio de atraso, Luiz Inácio Lula da Silva se rendeu ao óbvio: precisa de uma aliança com um partido do tamanho do PMDB no Congresso, que possui as maiores bancadas na Câmara e no Senado, para assegurar a chamada governabilidade. O partido tem hoje 91 deputados e 20 senadores.

Em outubro de 2002, o então coordenador político da transição do governo de FHC para o de Lula, José Dirceu, amarrou o apoio institucional peemedebista em troca de dois ministérios.

Lula desautorizou aquele que seria o futuro ministro-chefe da Casa Civil e fez aliança apenas com uma parcela do PMDB. As CPIs que enfrentaria no Congresso seriam reflexo do descaso com o modelo de articulação política imaginado por Dirceu.

O tucano Fernando Henrique Cardoso, que desde o início da campanha em 1994 sabia da necessidade estratégica de aliança com o PFL, então uma legenda de peso, conseguiu abafar investigações de corrupção porque construiu uma maioria sólida no Legislativo.

Lula acordou, algo tarde, mas acordou. Mesmo assim, andou comendo mosca. Quando passou o aperto do dossiegate, pouco antes do primeiro turno da eleição em outubro passado, dizia que faria uma rápida composição com os aliados e realizaria já em novembro a reforma ministerial do segundo mandato.

Sua idéia era não perder tempo. E trazer nomes de peso da sociedade para dar respeitabilidade à equipe. Estamos em meados de março e Lula ainda não concluiu a sua reforma.

Diz que é senhor do tempo, que é quem manda, como se alguém questionasse isso. Ninguém questiona a atribuição de escolha de ministros num regime presidencialista. No nosso presidencialismo meio parlamentarista, é inevitável a consulta aos partidos.

Mas Lula dormiu no ponto. Mais uma vez, foi mal aconselhado. E está pagando em março por mercadoria que poderia ter recebido no ano passado, em novembro ou dezembro.

Além da paralisia de setores do governo, a leniência presidencial resultou na possibilidade, cada dia mais concreta, de realização de uma CPI do Apagão Aéreo logo no início do segundo mandato. O requerimento de criação da Comissão Parlamentar de Inquérito teve apoio de muitos deputados dos 12 partidos que integram a chamada "coalizão de governo".

Enquanto adiava a reforma, a oposição tirou proveito do vácuo político. O Palácio do Planalto tenta enterrar a CPI. Missão difícil. A Justiça tende a assegurar a sua instalação. Ainda que tenha êxito, o custo será perda de tempo e de energia política.

O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) foi lançado em 22 de janeiro. Daqui a uma semana completará dois meses. Nenhuma medida do plano foi votada pelo Congresso. Por quê? Porque Lula não concluiu a reforma ministerial que reorganizaria sua tropa no Congresso e a colocaria em movimento. É um general que colheu uma grande vitória (reeleição após tremenda crise) e que mantém o Exército parado, com medo da próxima batalha ou pouco zeloso em relação à necessidade de continuar a conquistar terreno.

A demora da reforma ministerial está longe de ser sabedoria política. É inabilidade pura e simples, aliada a um salto alto que, sempre que calçado por Lula, não deu em boa coisa.




Escorregada feia

A menção ao "ponto G" na coletiva com George Bush foi dose para leão. Agora, Lula disse que utilizou os critérios de "competência" e de "capacidade" para definir os ministros da Saúde, que será José Gomes Temporão, e o da Educação _manterá Fernando Haddad.

"Eu acho que tem duas coisas que são fundamentais no Brasil: educação e saúde. A gente não brinca, a gente não partidariza, e a gente monta o governo com as pessoas que têm competência, com as pessoas que têm capacidade de montar um bom governo. Porque, na saúde, se você brincar, é morte. Na educação, se você brincar, é analfabeto", afirmou Lula.

Ora, os demais ministros não foram indicados pelos critérios de "competência" e "capacidade"? Parece confissão de que indicação política é ceder ao puro fisiologismo, o que é incorreto. Depois, disse que não brincaria com Educação e Saúde. E com as demais áreas, pode brincar?




Capivara

Antes de levar o deputado federal Odílio Balbinotti (PR) para se reunir com Lula, o presidente do PMDB, Michel Temer (SP), disse que havia ainda tempo de ele desistir, caso fosse muito feio o processo no STF (Supremo Tribunal Federal). O deputado federal pelo Paraná, maior produtor de sementes de soja do Brasil, disse que estava tranqüilo para assumir o Ministério da Agricultura.

Na reunião com Lula, ouviu do presidente que, sempre que ele indicava ministro, aparecia alguma "capivara" (problema na Justiça ou com a polícia). Balbinotti deu a mesma resposta, dizendo-se tranqüilo. O presidente, então, disse que ele estava confirmado no cargo. Mas tem gente no Palácio do Planalto muito preocupada com a tranquilidade do novo ministro.




Conversa furada

Essa história de que o PMDB terá cinco pastas é conversa furada. Temporão virou ministro contra a vontade da cúpula peemedebista. Não parece disposto a ficar recebendo congressista e atendendo a pleitos miúdos. O PMDB terá quatro pastas, o que é bastante e justo para seu tamanho na coalizão. A bancada da Câmara contará com Integração Nacional e Agricultura. A do Senado manterá Comunicações e Minas e Energia.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca