Pensata

Kennedy Alencar

06/04/2007

Lula começa a superar crise

Apesar da série de equívocos nos últimos seis meses de crise da aviação civil, Lula parou de errar. Parece que a ficha caiu.

Na noite da sexta-feira 30 de março, o presidente não tinha alternativa. Tecnicamente, houve um derrota militar da Aeronáutica. A cúpula começou a punir os líderes dos controladores nas semanas anteriores, mas não se preparou para um contra-ataque. Não tinha um plano de contingência, um plano B, uma alternativa. Não pensou que os controladores fariam a greve que ameaçavam fazer havia meses.

Quem admitiu que não tinha saída foi o próprio comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, em conversa com Lula, enquanto o presidente sobrevoava o Atlântico para encontrar o colega dos Estados Unidos, George W. Bush. Restava apenas a rendição. E foi o que aconteceu.

É fácil falar hoje que a Aeronáutica tinha de ter prendido todos os grevistas. Apenas umas poucas horas de paralisação afetaram todos os aeroportos do país e 18 mil passageiros. As quatro companhias americanas que voam para o Brasil cancelaram suas viagens. Se a crise durasse dias, o mundo cairia na cabeça do presidente. Foi ruim, mas poderia ter sido pior.

A hierarquia militar já havia sido quebrada, e o próprio Saito admitira a derrota quando disse a Lula que não tinha como controlar o tráfego aéreo se prendesse os controladores.

No sábado, magoada, a Aeronáutica falou que não queria mais brincar de controle aéreo porque o presidente a desautorizara e decidira pela desmilitarização do serviço. Oficiais da Aeronáutica deixaram seus postos. Isso também não é motim? Não é quebra de hierarquia? E o profissionalismo de nossas Forças Armadas?

Ora, se há uma decisão do poder civil de desmilitarizar o controle, correta ou não, o mérito não importa, cabe à Aeronáutica continuar a desempenhar suas funções no período de transição. Lula fingiu que não viu para fazer uma média com Saito.

Na segunda-feira, Lula endureceu com os controladores porque eles tripudiaram após a vitória de sexta. No final de semana, ameaçaram fazer um inferno na Páscoa se o governo não honrasse o acordo. Enfim, erraram feio.

O presidente voltou a agir certo ao pedir que o ministro Paulo Bernardo (Planejamento) dissesse na terça aos controladores que a continuidade das negociações dependeria da normalização do tráfego aéreo. Ou seja, era hora de eles cederem _a Semana Santa será uma espécie de teste.

Enquanto isso, o governo preparou um "Plano B" caso haja novo motim. Agora a Aeronáutica diz possuir um plano de contingência que não possuía em 30 de março. O presidente continua a julgar correta, portanto, aquela decisão tomada no pico da crise. Reconhece que foi pego de surpresa.

Como o Brasil é uma democracia com instituições sólidas, a Justiça Militar se encarregará das eventuais punições. Uma eventual anistia dependerá de aprovação do Congresso. No cenário em que a necessária e acertada desmilitarização do controle aéreo civil ocorra sem sobressaltos, Lula poderá apoiar uma anistia aos amotinados de 30 de março.

O presidente, porém, não deseja usar o termo anistia nem acenar publicamente com tal possibilidade no momento. Não deseja acirrar ânimos. Deseja ver os próximos capítulos da crise. Exemplo: o pedido de perdão pelo motim, tornado público na quinta-feira (05/04) pelos controladores, foi recebido no governo como um sinal muito positivo. Poderá facilitar a pacificação militar. É ainda sinal claro de que os controladores se esforçarão para encontrar uma saída.

Um pedido de desculpa tão forte merece ser levado em consideração pelo governo, pela Aeronáutica e pela sociedade. A crise começa a ser superada.

Agora, Lula pretende tocar a desmilitarização do tráfego aéreo, mas com os militares cumprindo suas funções no período de transição _como deve ser. E sem a pressão de ter de editar uma medida provisória às pressas. A desmilitarização poderá, enfim, ser tocada com planejamento e ponderação.




Pequeno detalhe

O discurso do comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, nas reuniões com seus pares e nas conversas reservadas com jornalistas é muito diferente do que ele adota nos encontros com o presidente. Os comandantes das outras Forças também cantam de galo no seus galinheiros, mas chegam ao Palácio do Planalto e viram gatinhos.
Kennedy Alencar, 39, é colunista da Folha Online e repórter especial da Folha em Brasília. Escreve para Pensata às sextas e para a coluna Brasília Online, sobre os bastidores da política federal, aos domingos.

E-mail: kennedy.alencar@grupofolha.com.br

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