Pensata

Lúcio Ribeiro

18/12/2003

A música do ano

"I've been caught stealing;
once when I was 5...
I enjoy stealing.
It's just as simple as that.
Well, it's just a simple fact.
When I want something,
I don't want to pay for it"
Jane's Addiction, em "Been Caught Stealing"

"I've got no right to lay claim to her frame
She's not my possession
You cunt
Get your hands off my woman
motherfucker"
Darkness, em "Get Your Hands Off My Woman"

"I live my life in the city
There's no easy way out
The day's moving just too fast for me"
Oasis, em "Rock'n'Roll Star"


Ei.
O que é que há, velhinho?

* Não me faça perguntas, mas gastei exatas 10 horas da minha vida numa delegacia de polícia ao lado de uma cesta dessas de megastore, repleta de CDs de gente como o Mettalica, edição especial para fãs do álbum do AC/DC, DVD do "Trainspotting", livro dos Beatles, do "Matrix", disco do Frank Sinatra.
Não me pergunte o que o Frank Sinatra fazia numa cesta dessas. Não me pergunte o que uma cesta dessas fazia do meu lado, em tal situação.
O escritor inglês Nick Hornby já havia alertado sobre os perigos da música pop, mas isso é um pouco demais.

* Falando nos perigos do pop, aí vai uma fotinho que, confesso, achei divertida. É que um novo integrante acaba de entrar para o Los Hermanos.



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MÚSICA DO ANO - PRÓLOGO

Os leitores desta coluna elegeram as principais músicas de 2003, cujo resultado você vai conferir a seguir.
E uma conjunção de coisas me faz lembrar uma coluna que escrevi em março de 2003, sobre o que uma dessas músicas pop, eleitas de alguma forma a melhor em algum determinado período, pode causar na vida de uma pessoa.
Uma coluna que "eu escrevi" não é a colocação correta. Foi uma coluna que o Nick Hornby (o lá em cima citado) escreveu para mim.
Na verdade reproduzi no começo deste espaço, quase dois anos atrás, um artigo que o autor pop britânico imortalizou primeiro em revista ("Granta") e depois em livro ("31 Songs"), motivado pela paixão arrebatadora pela canção "I´m Like a Bird", da cantora luso-canadense Nelly Furtado.

* Soa picaretagem, mas vou fazer uma segunda utilização do texto de Hornby, por entender que ele cabia tão bem em 2002 quanto cabe agora, no contexto pop atual. Lê (ou relê) aí, que depois eu volto depois.
"É claro que eu entendo as pessoas que desprezam a música pop. Sei que muita coisa do mundo pop, a maior parte até, é lixo, sem imaginação, realizada porcamente, produzida nas coxas, repetitiva e infantilóide (embora pelo menos quatro dos adjetivos acima possam ser usados para descrever os incessantes ataques ao pop que você pode achar em importantes jornais e revistas).
E sei também, acredite, que Cole Porter foi "melhor" que Madonna ou Travis. Que a maioria das canções pop são cinicamente direcionadas para um público-alvo três décadas mais jovens que eu. Que tudo de bom no pop foi feito a 35, 25, 15 anos atrás. E que pouca coisa de valor na pop music foi feita, desde então.
Mas é que de repente tem essa canção que eu ouvi na rádio, e que depois eu comprei o CD, e agora eu tenho de ouvi-la dez ou 15 vezes por dia...
É isso que me intriga sobre os de vocês que acham que o pop atual é uma coisa abaixo de você, atrás de você ou além de você (uso pop aqui para englobar soul, reggae, country, rock... qualquer coisa que você possa achar que é lixo).
Será que você nunca ouviu ou pelo menos nunca se viu atraído por canções novas? Será que tudo o que você cantarola no chuveiro foi feito anos, décadas, séculos atrás?
Você realmente se priva do prazer de se entregar a uma boa nova canção pop porque isso pode manchar sua fama de conhecedor de Foucault?
Então. A canção que tem me enchido de prazer recentemente é "I'm Like a Bird", da Nelly Furtado. Só a história vai dizer se ela irá se transformar em uma cantora famosa. E, embora eu suspeite que ela não vá mudar o jeito de as pessoas olharem o mundo, não posso dizer que eu esteja muito preocupado com isso.
O fato é que eu sempre serei grato a Nelly Furtado por criar em mim esse narcótico efeito de me fazer ouvir sua canção again e again. Não quero criar um caso com essa música, "I'm Like a Bird", nem compará-la com qualquer outra _embora aconteça de eu pensar que ela é uma canção pop muito boa, que transmite uma sensação gostosa de sonho, vem marcada por um certo otimismo que, quando tocada em rádio, por exemplo, a diferencia imediatamente das músicas anêmicas que possam vir antes ou depois.
O ponto é que há poucos meses a canção não existia e agora ela está aí. E que ela, em um mundo delimitado, é um pequeno milagre.
Algumas vezes no ano, eu gravo uma fita para tocar no carro. Uma fita cheia com essas novas canções que eu fui amando nos meses que antecederam a gravação. Toda vez que eu terminava uma fita, nunca acreditei que fosse gravar uma outra. Mas sempre vai existir a próxima, e mal posso esperar por ela. Um punhado de canções novas como "I'm Like a Bird" e você terá uma vida que valha a pena ser vivida."

* Pois o tempo passou e Nelly Furtado acaba de lançar seu segundo álbum, "Folklore", disco que pode ser uma delícia para quem conseguir atravessar um oceano turbulento de chatice que cerca a cantora.
Nelly não é só um rostinho bonito na música jovem. Ela, por exemplo, poderia estar fazendo o que Britney Spears faz, garotas de (quase a) mesma idade. Mas a julgar pelo sempre complicado segundo álbum, este " Folklore", Furtado optou por assumir muitos riscos. E isso a torna especial.
A cantora luso-canadense tem um trânsito engraçado dentro do pop. Ela é capaz de manter boas relações com gente como a rapper suprema americana Missy Elliot e com o compositor brasileiro Caetano Veloso. Faz sua música dialogar com um grupo como o Kronos Quartet e encara megafestivais de rock na Inglaterra, já dividindo palco com o Coldplay.
Talvez por alguma culpa deste texto do Nick Hornby acima e muito por causa de seu primeiro disco, "Whoa, Nelly!", seu segundo disco tenha vindo com uma carga de expectativa difícil de sustentar.
O escritor britânico em 2002 empregou todos seus celebrados dotes pop-literários para mostrar como uma canção simples tal qual "I´m Like a Bird", o grande hit do primeiro CD de Furtado, podiam fazer pequenos milagres dentro de um determinado contexto, o do pop a serviço de uma existência mais digna. E de uma vida que valha a pena ser vivida. Palavras dele.
"Folklore" mostra a mesma Nelly Furtado aventureira como sempre. Em 12 faixas, a cantora transcorre entre o hip hop americano e o folk português. Fez uso do banjo de Béla Fleck assim como em certos momentos parecia estar cantando, em português, como vocalista do 10CC, grupo de rock da Manchester dos anos 70.
A "I´m Like a Bird" do novo disco é a deliciosa balada "The Grass is Green", a faixa 7. Consegue ser simples e mágica na mesma intensidade, diria Nick Hornby.
A canção na qual Furtado "duela" com Caetano Veloso é "Island of Wonder", inspirada nos Açores e que não só tem partes sampleadas do álbum "Fina Estampa" como Caetano ainda emprestou nova voz para a música. É dessas que só não vai estar no próximo filme de Pedro Almodóvar se o cineasta espanhol não quiser.
A diversidade deste "Folklore" dilui o conjunto da obra. Começa pop juvenil e termina pop adulto. Mas é o risco que Nelly Furtado quis correr. Deixa ela.

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MÚSICA DO ANO

Não teve para ninguém. Para nenhuma. A principal música de 2003 para quem interage com este espaço é "Seven Nation Army", do White Stripes.
Foi um inferno apurar os votos, porque foram muitas e muitas as músicas votadas. No final, o top 5, que na real é Top 6, ficou assim:

1. "Seven Nation Army", White Stripes, 84 votos
2. "House of Jealous Lovers", Rapture, 53 votos
3. "There There", Radiohead, 39 votos
4. "12:51", Strokes, 32 votos
5. "That Great Love Sound", Raveonettes e
"Molly´s Chambers", Kings of Leon, 19 votos

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SHOWS NO BRASIL

* Não fique em pânico, mas deve ser anunciado logo no começo do ano a vinda do superstar DJ Fatboy Slim para dois shows em praias brasileiras, em março. Será um na praia do Flamengo, no Rio, e outra na Enseada, do Guarujá, São Paulo. O set do Rio pode render imagens para um DVD de Norman Cook. A idéia é fazer aqui o Big Beach Brazil, uma alusão ao Big Beach Boutique, a famosa e tumultuada apresentação do Fatboy Slim em Brighton, Inglaterra.

* Então fica assim. Está confirmado oficialmente o show-performance do excelente FISCHERSPOONER em São Paulo, no dia 24 de abril. Um dos principais atos do electro, o grupo é a primeira atração do Skol Beats 2004, que ocorrerá novamente no Sambódromo. O site oficial da dupla Fischer e Spooner divulga a vinda deles ao Brasil, o que já tinha sido ventilado pelo site da Erika Palomino.

* Está quase acertada a vinda da banda escocesa Travis ao país, no primeiro semestre. Seria um show em São Paulo e outro no Rio.

* E o ótimo Kings of Leon também é esperado para março. Talvez só São Paulo. Talvez só showcase.

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PROMOÇÃO SHOWS NO BRASIL

Esta coluna quer saber qual o sonho de consumo pop dos seus leitores. O negócio é responder qual a banda ou artista que você gostaria de ver ao vivo no Brasil em 2004. Para a coisa não perder a graça, NÃO vale votar no Radiohead. E leve seu voto a sério. Muito festival bom já foi buscar as bandas votadas nesta coluna.
Ao enviar seu voto para lucio@uol.com.br, você concorre aos seguintes prêmios:
* Um disco "Speakerboxxx/Love Below", do Outkast, sinalizado como CD do ano por vários lugares para onde você olhe.
* Um sensacional calendário rock 2004 da "NME", com pôsters de Libertines, Kings of Leon, Strokes, Stripes, Nirvana, Oasis e mais.
* Um DVD do Depeche Mode, o histórico 101, um filme de D.A. Pennebaker feito durante o show do Rose Bowl, em Los Angeles, no ano de 1988.

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CANÇÃO DA SEMANA

"Feed Your Addiction", Eastern Lane
Uma das três melhores bandas novas do Reino Unido, o Eastern Lane é rock simples e direto. Para as pistas. O vocal é um dos mais bacanas da cena atual.

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O BALANÇO DA "SPIN"

Momento retrospectiva. A revista americana "Spin", com seu número especial The Year in Music 2003, elegeu o Coldplay como a banda do ano. Outro destaque de 2003, segundo a revista, é a banda Distillers. Mais precisamente a bonitaça Brody Dalle (ela arrancou o Armstrong do sobrenome definitivamente). O álbum do ano para a "Spin" foi o "Elephant", do White Stripes. Em segundo lugar aparece o discaço do Outkast. Em terceiro vem eles, os Strokes. A lista de principais canções de 2003 mostra quatro hip hop no top 5. Em primeiro está "In da Club", do 50 Cent. Na sequência tem "Lose Yourself" , do Eminem. Aí pinta "Seven Nation Army", para representar o rock. Na seção O Melhor do Resto, detaque para o filme do ano: "A Escola do Rock", celebrado aqui na coluna na semana passada. DJ do ano: você, que tem um iPod. Entendeu?

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O BALANÇO DA "FACE"

A revista dividiu sua lista de melhores entre os "winners" e os "losers". Os mais destacados foram:

Winner - White Stripes
"Underground? Comercial? Real? Mentira? Velharia? Modernidade? O White Stripes nos dá tudo isso."

Loser - The Strokes
"O disco novo é puro desapontamento. E não é porque ele não contém músicas como ´Last Nite´. É que a banda soa muito depressiva. A energia transgressora do primeiro álbum foi suficiente para levar o Julian Casablancas a cantar como um homem que finalmente encontrou seu sonho de se tornar rock star, apenas para descobrir agora que na verdade essa não era a vida que ele queria."

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2004 É AGORA

O ano de 2003 foi legal, tudo mais, mas se foi já era, como diria o gênio Chorão. Vamos já começar 2004. E o toque desta coluna é apontar a antena para o Reino Unido, botando três bandas barulhentas em foco. E que já frequentam estas plagas há algum tempo. Vai catando tudo de três bandas: Razorlight, Eastern Lane (está na canção da semana, lá em cima) e Franz Ferdinand.
Esta última, de nome bizarro, é o melhor produto escocês de tempos recentes, sem contar o álbum novo do Belle & Sebastian (tá bom, tá bom) e a linda música nova do Snow Patrol ("Run").
Franz Ferdinand, que dá nome ao grupo britânico, foi o arqueduque o império austro-húngaro cujo assassinato foi o estopim da Primeira Guerra Mundial.
A música " Take Me Out", já bastante recomendada aqui e que toca muito nas rádios pop inglesas, deve ser o primeiro grande single a ser lançado no rock independente em 2004. Sai dia 12 de janeiro na Inglaterra.
Em uma entrevista recente, um integrante do Franz Ferdinand definiu assim o som deles: "Pop cru. Música para as meninas dançarem".
Essa é a banda.


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FALHEI

Por um gravíssimo problema de saúde na família, não pude comparecer à festa Natal Indie, na qual eu era um dos DJs escalados. Ficam minhas desculpas. Já recebo pedras ingratas pela ausência, de gente que eu não esperaria nunca que fizesse isso. Paciência. Vamos aprendendo a conhecer as pessoas.


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VENCEDORES DA SEMANA PASSADA

Vê aí quem faturou as belezuras oferecidas pela segunda coluna pop mais legal da internet.


* um DVD do Coldplay, o ao vivo, que vem com o disco de áudio junto.
Monica Sokura
São Paulo, SP

* um "Let It Be... Naked", Beatles
Sérgio Torres
Porto Alegre, RS
.
* o "En Una Onda Neo-Punque", do Los Pirata.
Daniel Fenuchiaro
São Paulo, SP

* o Strokes raro, de cinco faixas.
Lola
Santos, SP

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TCHAUZINHO

A coluna vem modesta, mas não pára no final do ano. Serve como terapia ocupacional para mim, já que odeio Natal e festas de fim de ano em geral. Teenage Fanclub em maio, em São Paulo? Me belisca.
Lúcio Ribeiro, 41, é colunista da Folha especializado em música pop e cinema. Também é DJ, edita a revista "Capricho" e tem uma coluna na "Bizz". Escreve para a Folha Online às quartas.

E-mail: lucio@uol.com.br

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