Pensata

Lúcio Ribeiro

26/12/2003

2003, o ano em que...

"You make me smile
(Hooooooo!)
You´re the anchor that holds me down
When my ship is sinking
You won´t let me drown and I´m grateful"
Outkast, em "Behold a Lady"

"Sorry
Sorry
I didn´t mean to look so good
I didn´t mean to be so pretty"
Cansei de Ser Sexy, em "Odio Odio Odio Sorry C."

"In and out my brain
running through my veins
cos you're my sunshine
you're my rain"
Oasis, em "The Hindu Times"


Ho-ho-ho.
O Natal já passou. Ainda bem. Ô datinha triste. Agora só falta o Ano Novo xarope e vamos voltar logo aos negócios ("back to business", manja?).
Pensou que não ia ter coluna? Ou que seria apenas um textinho cumpridor da tabela? Vai ser uma das mais extensas e "forradas" colunas ever.
Aqui 2003 não acabou. Ou melhor, 2004 já começou. Entrevistas exclusivíssimas, melhores disso e daquilo, a banda que você quer ver em 2004, a cantora que vai ser engraçado ver em 2004, o Teenage Fanclub que você vai ver em 2004.
Fora "Kill Bill" e a banda-evento indie mais explosiva do Brasil.
Esta coluna é um "especial de fim de ano". Depois desta, outra sóóóóó no dia 7.
Enquanto isso: mi Buenos Aires querida. Los hermanos. Picanha e alfajor. La Boca. River Plate, o time de 2003 (he-hê). Palermo e Recoleta. Não chore por mim, Argentina.

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LUXÚRIAS

É farofa, mas é legal. Esta coluna informa que a multitatuada
Christina Aguilera, a Tati Quebra-Barraco das cantoras estilo Britney, acertou uma turnê no Brasil no final de abril, provavelmente um show em São Paulo e outro no Rio. Agito pop dos bão.

* Uma luxúria mais indie, mas também uma luxúria, é a vinda ao Brasil do cultuado grupo escocês Teenage Fanclub, cuja beleza das canções mellow rock o tempo é incapaz de estragar. As canções simples mais belas do pop foram feitas pelo Fanclub, arrisco dizer. O grupo deve aportar por aqui em maio, é o previsto. Há uma tentativa independente para o lançamento no Brasil da primorosa coletânea "Four Thousand Seven Hundred and Sixty Seconds: A Short Cut to Teenage Fanclub.
Se é que pode interessar a alguém, qualquer hora eu conto uma historinha de como foi que eu vi a banda pela primeira vez, em 1990, sem querer. E sem saber ao menos que a banda que eu estava vendo se chamava Teenage Fanclub.

* O mesmo grupo que vai trazer a Chris Aguilera para a América do Sul está agendando uma turnê do Eminem para outubro. Quase certo.

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MUSIQUINHAS MASTER

* Já perdeu a validade, mas ainda assim merece uma audição a deliciosa "Christmas Time", do Darkness. Parece música de Natal do Queen. Não dá para perder.
* E já que tem gente boa dizendo que o grupo escocês Travis vem ao Brasil no primeiro semestre de 2004, nada mais apropriado que cantarolar "Beautiful Occupation", canção esperta do disco novo deles, que está saindo em single agora.
* Volto a recomendar uma música do Eastern Lane, uma das bandas novas inglesas mais legais destes dias, junto com Razorlight e Franz Ferdinand. Essas três ainda são um pouco complicadas de achar na internet, mas isso deve acabar agora em janeiro, quando seus singles serão lançados. Do Eastern Lane vai vir "Saffron", que já toca bem em rádios inglesas. Muuuuuuuito f**a.

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OUTRA MUSIQUINHA MASTER

O papel de uma rádio na movimentação da cultura pop é inacreditável. E por isso há tanto entusiasmo quando uma rádio como a Brasil 2000 muda (para o bem) a sua programação mofada (tipo 89FM e Rádio Mix), o agitado Garagem volta ao dial ou um livro como o do Fábio Massari é lançado.
Uma música bem colocada, na hora certa, é capaz de transformar um dia inteiro de qualquer um. Muda a vida de uma pessoa.
Essas coisas, de ouvir uma música bacana e alterar o clima interno, vivem acontecendo comigo. Aconteceu no caso das novidades di Darkness e do Eastern Lane, que ganharam as citações acima.
E aconteceu no dia de Natal, pós almoço, na preguiça. Quando o rádio estava ligado na Brasil 2000 e começou, bem despretensiosamente, a tocar a esquecida "The Hindu Times", do Oasis, do disco "Heathen Chemistry".
"God give me a soul in your rock´n´roll band
And I get so high I just can´t feel it"
O Natal, pelo menos no meu caso, ficou mais legal. Desculpe a rima pobre.

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CANSEI DE SER SEXY

Uau! O derradeiro agito da cena indie nacional em 2003 vem de um "combo" de meninas "indóceis" que prestam tributo a Madonna e Paris Hilton (aquela trilionária do vídeo pornô), promovem uma algazarra sonora de fazer a Peaches tampar os ouvidos e, modernetes, se autodivulgam através de fotolog. Fora o nome bacana.
Quem frequenta clubes e blogs de rock em São Paulo e ainda não (pelo menos) ouviu falar da "instituição" Cansei de Ser Sexy corre o risco de ficar preso em 2003.
Recém-formada (outubro/novembro) na Torre, antro roqueiro da Vila Madalena e lugar de meninas levadas, a Cansei de Ser Sexy é uma reunião de cinco garotas lideradas pela vocalista Luiza Lovefoxxx e conduzidas para o mal pelo baterista Adriano Butcher, da Thee Butcher´s Orchestra, uma das mais atuantes bandas do underground brasileiro.
O Cansei de Ser Sexy é muito mais do que o som hard-rock-eletrônico-qualquer-coisa que é toscamente produzido nas já famosas apresentações ao vivo do sexteto. O grupo é um evento, por tudo que seu nome abarca. Seus shows são divulgados por flyers eletrônicos bacanas, atraem desde curiosos a descolados, criam expectativas de um boca-a-boca incessante dentro do rock e da moda.



Lovefoxxx, a vocalista, é um furacão. Canta, grita, sussura, pula, agita, bebe, joga água e desfila letras engraçadas/improváveis/ininteligíveis. E usa a luva do Michael Jackson. Só isso.
O Cansei de Ser Sexy tem uma "música de trabalho" instalada no espaço Trama Virtual (.com.br), que a gravadora Trama abre para novas bandas postarem informações, fotos e mp3.
A música é a "Ódio Ódio Ódio Sorry C", em que Luiza grita, em inglês, se desculpando que não tem culpa por se vestir tão bem e serr tão bonita. Até mais tarde usar com todas as quatro letras e muita autoridade a palavra "F".
2004 promete mais da badalada turnê "I Wannabe Ur J.Lo", série de shows bombásticos/avacalhantes que homenageia a popozuda de Hollywood. Vá de shortinhos e requebre até o chão, é o recado do Cansei de Ser Sexy. Ou vá de cueca limpa (para os meninos).

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OUTKAST ENTREVISTA

Segue, na íntegra e sem cortes, texto que publiquei na Ilustrada, agora no final de dezembro. Foi uma das únicas duas entrevistas que o difícil e genial rapper Andre 3000 concedeu ao Brasil. Toma aí.
Quando a revista americana "Spin"elegeu o insólito novo álbum do grupo de hip hop Outkast como um dos principais discos do ano e escreveu que ele era o "Sandinista" do gênero, a vontade foi de rir.
Rir de nervoso. "Speakerboxx/Love Below", álbum duplo da dupla de Atlanta, tem, sim, o efeito bombástico de ruptura que teve o famoso álbum triplo da banda inglesa The Clash, que esfacelou o punk em sua essência e o costurou com os mais diversos estilos, primeiro chocando e depois dando à música jovem uma nova direção.
"Speakerboxx/Love Below", que a BMG lança no Brasil, é na verdade a junção de dois álbuns solos, "Speakerboxx" e "Love Below", o primeiro feito inteirinho e individualmente pelo irado gangsta Big Boi (Antwan Patton) e o segundo pelo gênio "pensador" Andre 3000 (Andre Benjamin).
O disco dois-em-um teve uma performance devastadora assim que saiu às lojas nos EUA, no final de setembro.
O CD que chegava era o sucessor do disco "Stankonia", grammyiado álbum que bagunçou a cena hip hop e eletrificou o gueto em 2002.
Dre e Big Boi pegaram toda a expectativa criada por um novo trabalho da dupla e devolveram em troca um absurdo CD duplo de rap lotado de psicodelia, soul, rock indie e free jazz. E poesia.
"Speakerboxx/Love Below" entrou em primeiro na "Billboard", bateu a marca de um milhão de cópias vendidas em três semanas (é um disco duplo, veja bem) e botou o grupo na liderança das indicações ao próximo Grammy, com seis menções, e deu ao mundo o explosivo hit "Hey Ya!".
Mas chacoalhar o hip hop, estourar em vendas, bombar no Grammy, chapar nas paradas e compor um dos singles de 2003 não é o suficiente para acabar com o mau humor de Andre 3000, como você pode conferir em rara entrevista, por telefone, em Los Angeles.
*
Popload - O Outkast talvez seja o principal nome do hip hop americano, mas você vem dizendo que esse mesmo hip hop está morto. O que acontece?
Andre 3000
- Eu também gostaria de saber o que acontece. Eu me sinto desistimulado em estar fazendo hip hop, hoje. Eu não vejo mais graça no movimento desde 96, 97. O hip hop não tem mais para onde ir, acredito. Existem grandes músicas, grandes caras produzindo. O problema é que não dá mais para acreditar nele. É tudo muito falso. Não dá para acreditar em uma arte movida pelo dinheiro. Pelo menos eu não acredito mais.

Popload - Quando o "Speakerboxxx/Love Below" foi lançado, as críticas do disco foram excessivamente elogiosas, mesmo por gente que assumia que não tinha "entendido" o disco. O que você achou das coisas que foram faladas sobre o álbum?
Andre 3000
- Eu não sei como responder essa questão, "man". A crítica mais gratificante que eu li sobre o CD, pelo menos na parte em que sou responsável ("Love Below"), foi de um cara que falou que eu quero parecer o Prince. Não sei se ele acha isso bom ou ruim, mas eu quero mesmo parecer o Prince.

Popload - Foi esse desapontamento contra o hip hop que o fez decidir que você não vai fazer shows para mostrar ao vivo as músicas de "Speakerboxxx/Love Below"?
Andre 3000
- É isso. O álbum está nas lojas e é isso. Quero ir atrás de coisas novas, agora. Preciso encontrar novas motivações, resgatar aquele amor que eu tinha em compor. Big Boi vai excursionar com o novo CD. Ele adora contato com o público.

Popload - Qual é a idéia por trás dessa "Speakerboxxx/Love Below"? Por que ele foi feito separado?
Andre 3000
- "Love Below" ia ser originalmente um disco solo que eu ia lançar. Estávamos dando um tempo do Outkast e fazendo cada um seu trabalho. Na hora em que nos reunimos para ver o que íamos fazer como Outkast, para apresentarmos para a gravadora, eu mostrei o "Love Below" e disse que essa era a minha parte. Falei para o Big Boi fazer um dele, para lançarmos como álbum duplo. Ele gostou da idéia e fez o "Speakerboxxx".

Popload - Isso sinaliza que o Outkast acabou, vai acabar ou agora é uma banda de duas partes?
Andre 3000
- O Outkast será sempre uma banda de dois. É que tem momentos que nós dois nos separamos, porque temos trabalhos paralelos importantes para fazer.

Popload - Um chegou a dar palpite no trabalho do outro, ter alguma participação? Afinal, o Outkast é uma banda de dois...
Andre 3000
- Os discos foram feitos praticamente ao mesmo tempo. Quer dizer, o "Love Below" não estava completo quando eu o apresentei. Não tinha os vocais, eu mexi em algumas coisas. Big Boi fez "Speakerboxx" muito rápido. Claro, eu dei minhas opiniões sobre alguns andamentos no disco dele, ele fez o mesmo no meu. Inclusive eu produzi algumas músicas no "Speakerboxx".

A princípio, quando fiz o "Love Below", ele serviria de trilha sonora para um filme em vídeo que eu estava dirigindo. Vou retomar esse projeto agora, um dos motivos também porque eu não quero sair em turnê.

E agora acabamos de acertar uma produção para a HBO, um filme que vai se chamar "Speakerboxx".

Popload - Você gostou do resultado final do disco do Big Boi?
Andre 3000
- Claro, achei fantástico. Ele conseguiu dar um passo a frente no que vínhamos fazendo. "Speakerboxx" tem um balanço de enlouquecer.

Popload - Se você não se satisfaz mais com o hip hop, tem algum tipo de música que o agrada?
Andre 3000
- Eu gosto de muitas coisas. De techno a punk. Adoraria saber tocar guitarra. Gosto dessas bandas jovens como os Strokes. Recentemente fui a um show deles e levei meu DJ, que nunca tinha visto uma apresentação de rock na vida. Ele amou os Strokes. Uma das coisas que eu me vejo fazendo, no futuro, é subir no palco com uma banda cheia de músicos.

Popload - Você já teve algum contato com algum tipo de música brasileira como o funk ou o rap?
Andre 3000
- Ouvi funk brasileiro uma vez. O Brasil é o tipo do país que eu imagino que deva haver muito funk. Sobre o rap daí, nunca ouvi nada a respeito. É bom?

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ISTO É OUTKAST

Badalo - A famosa dupla de eletrônico Chemical Brothers queria a participação do Outkast em seu último disco, "Come with Us". Fez vários convites, enviou remixes, mas não recebeu resposta. O grupo australiano The Vines, destaque do novo rock, gravou "Ms. Jackson", do premiado CD "Stankonia", em versão roqueira.

Polaroid - A HP comemora o gás na venda de máquina Polaroid depois que o hit "Hey Ya!" frequentou os topos da "Billboard". Na música, Andre 3000 canta " Shake it, shake it, Sssshake it, shake it like a polaroid picture"

Beatles - No clipe de "Hey Ya!", em altíssima rotação nas MTVs, Andre 3000 canta em um auditório de programa dos anos 60, como se estivesse no "Ed Sullivan Show". Enquanto Dre canta, uma platéia enlouquecida grita desesperada, balançando os cabelos. Dre canta com uma superbanda de oito músicos, todos interpretados por ele.

Errado - Em boa parte da tiragem da edição nacional, os selos do disco do novo CD do Outkast saíram trocados. No disco "Love Below", o conteúdo é o de "Speakerboxxx" e vice-versa.

Smiths - Andre 3000 disse à MTV americana que trocaria todas as letras que compos pela autoria de "Last Night I Dreamt that Somebody Loved Me", letra que Morrissey fez para os Smiths nos anos 80.

Grammy - "Speakerboxx/Love Below" está indicado como álbum do ano, gravação do ano ("Hey Ya!"), melhor performance de urban/alternative, melhor álbum de rap, melhor videoclipe ("Hey Ya!"), produtor do ano. O Grammy não é lá grandes coisas, mas em todo caso a indicação é pomposa para a indústria.

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CARAMBA, JACK

Babado feio do novo rock, o guitar-hero Jack White, do White Stripes, se apresentou ontem à polícia de Detroit.
Foi fichado, teve suas impressões digitais recolhidas e pagou uma fiança de US$ 100 por ter se envolvido em uma briga com o vocalista Jason Stollsteimer, do grupo Von Bondies. Uma audiência vai acontecer em janeiro.
Também de Detroit, o Von Bondies era apadrinhado por Jack White, que produziu o primeiro disco deles. O guitarrista e Jason teriam se desentendido durante um concerto ao qual os dois estavam assistindo.
O site do Detroit Free Press (www.freep.com) mostra com todas as cores como o tímido e genioso guitarrista do White Stripes deixou a cara do amigo (?) Jason.
A treta não é de hoje. Parece que os caras já se pegaram no ano passado, segundo Jason contou uma vez para uma revista alemã (o que teria deixado o Jack White mais bravo).
Segundo saiu na revista, em dezembro de 2002 o von bondie ligou para o 911 e deu queixa que o Jack foi ao seu apartamento e quebrou seu nariz.

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KILL BILL - A TRILHA

Três meses antes do lançamento do filme de Tarantino no Brasil, porque quem fica parado é poste, saiu a trilha de "Kill Bill", via Warner. Bem-vindo ao mundo sonoro de Quentin Tarantino, tão oito ou 80, do kitsch ao descolado, do infantil ao violento como seus filmes. Irregularidade é o que move 97% das trilhas, mas esta de "Kill Bill" faz um caótico sentido, sendo Tarantino o diretor.
Tal qual na tela, o sangue escorre logo no começo. Nancy Sinatra "mata" na abertura do disco, com a classuda "Bang Bang (My Baby Shot Me Down)" (que nome legal), de Sonny Bono.
Mais para a frente, vem parte falada por Lucy Liu, um pronunciamento onde se supõe que ela esteja muito brava com um monte de gente. No final de tal pronunciamento, ouve-se um barulho seco. Para os que não viram o filme, permita-me entregar a cena: o barulho é a de uma cabeça sendo cortada por um punhal e caindo ao chão. Passa o rapper RZA, passa Isaac Hayes, passa um jazz punk levado por um trompete (Al Hirt) e chega-se às três melhores faixas.
"Battle without Honor or Humanity", instrumental de levada retrô do guitarrista japonês Tomoyasu Hotei; "Don't Let Me Be Misunderstood", aquela, do Santa Esmeralda, megahit do final dos 70, que soa datada, mas combina bem com Tarantino. E a ótima "Woo Hoo", do grupo japonês 5.6.7.8'S, de groove rockabilly, banda japonesa que está numa das cenas mais legais de "Kill Bill" e já foi mostrada (a banda) aqui na coluna com foto e tudo.
Para quem assistiu ao filme, a trilha de "Kill Bill" faz um sentido enorme. Para os que ainda não viram, é, no mínimo, um divertido disco bizarro. Bem Tarantino.

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RETROSPECTIVA 2003

Canal bacana de cultura pop, mesmo visando adolescentes no primeiro plano, o Folhateen (da Folha de S.Paulo) fez em edição recente um balanço geral do que aconteceu em 2003. Colaborei com a parada, fazendo um retrato rápido do que foi o ano rock. E o polêmico Álvaro Pereira Junior também fez seu balanço, que destoa do que defende esta coluna, mas que vale dar uma olhada. Está tudo aí embaixo, em repeteco do jornal.
Este 2003 foi o ano em que ninguém entendeu nada nos balcões das lojas de discos brasileiras. Tinha clubber procurando o CD do White Stripes, roqueiro atrás de discos do Rapture. O ano da mistureba geral e irrestrita começou pop e esquisito. Dois pilares da música jovem britânica foram assunto nos primeiros meses do ano. O Blur chegou do Marrocos com um disco misterioso de influências árabe. Era o ótimo "Think Tank", que produziu os hits "Out of Time" e "Crazy Beat".
O Radiohead continuou fazendo disco para roqueiros de outro planeta. Quando o sexto álbum do grupo, "Hail to the Thief", foi lançado, já era um dos discos mais ouvidos no mundo (neste), graças a um megavazamento da internet. Mesmo assim, o CD vendeu bastante.
Outro disco que nesse ano circulou bem pelas caixas registradoras das lojas foi o do Coldplay. Não este "Live 2003", disco ao vivo recém-lançado. Graças ao enorme cartaz alcançado durante a turnê americana, aparições de destaque na MTV e, principalmente, ao fuzuê dos ingressos causado pelo show da banda no Brasil, o Coldplay foi por meses a maior banda de rock do mundo.
"A Rush of Blood to the Head", editado em 2002, talvez tenha sido o disco internacional que mais tenha vendido em 2003.
A cena pop ainda discute se o excelente segundo álbum do grupo nova-iorquino Strokes, o "Room on Fire", decepcionou muito ou agradou demais. Não há meio-termo para a banda indie mais badalada dos últimos tempos.
Já o disco do White Stripes, "Elephant", parece que foi unanimidade. É o número um na lista dos melhores de 2003 em (quase) todas as publicações pop do planeta, muito por causa do megahit "Seven Nation Army". A música sacudiu as pistas de rock quase com o mesmo furor que foi mixada nas picapes dos DJs de eletrônica. Só teve como "adversária" à altura na bombástica "House of Jealous Lovers", hino punk-funk dos nova-iorquinos do Rapture.
A música é do ano passado, o disco ("Echoes") é de 2003. "HOJL" foi outra contribuinte na comunhão de estilos, na irmandade rock/eletrônica, que jogou roqueiros nas raves e levou clubbers às pistas de rock.
Se você estiver em uma balada e de repente começar a tocar a house-punk do Audio Bullys, um rap do 50 Cent, o country-pop do Kings of Leon e o heavy-glam do Darkness, não se assuste. Isso é 2003.

* 2003, segundo Álvaro Pereira Junior
Melhor disco do ano: "Welcome to the Monkey House", Dandy Warhols
A produção, do Duran Duran Nick Rhodes, é clara como um lago transparente, os arranjos mostram sensibilidade sem excessos, as canções são bem estruturadas, a banda (um quarteto, de Portland, Oregon, oeste dos EUA) está mais madura. O CD deixou "Escuta Aqui" arrastando a língua no chão porque se sustenta por méritos estritamente musicais. Não faz parte de uma "cena" ou de uma "tendência". Não caiu nas graças da cada vez mais vampiresca imprensa britânica. Os Dandy Warhols têm o que se chamava antigamente de "luz própria". Construíram e iluminam seu próprio caminho.

Melhores canções do ano: "Sumday", Grandaddy
Aqui, o índice de glamour é zero. O Grandaddy --quinteto liderado pelo inventor da coisa toda, Jason Lytle-- vem de Modesto, Califórnia central, região agrícola às margens de uma das rodovias que cruzam o Estado de norte a sul. O isolamento geográfico, no entanto, não impede Lytle de compor canções de uma beleza quase sinfônica, sobre temas tão incomuns quanto computadores quebrados e executivos de vendas que passam alguns dias de descanso no campo. "Sumday" não é tão estiloso e marrento quanto o disco dos Dandy Warhols. Mas tem o mesmo espírito --uma espécie de desenvolvimento musical auto-sustentado.

Disco genial de um cara que todo mundo sabe que é gênio: "Hail to the Thief", Radiohead
"Kid A" foi assustador. "Amnesiac" talvez seja melhor esquecer. Mas "Hail to the Thief", o sucessor desses dois álbuns, reinstala Thom Yorke, o líder do Radiohead, no panteão dos deuses dos rock. Ele já pode se aposentar e, ainda assim, sua missão no século 21 estará cumprida.

Disco que divide o mundo: "Room on Fire", Strokes
Você vai ler de tudo sobre o segundo álbum dos Strokes. Que é ótimo porque é idêntico ao primeiro. Que é péssimo porque é idêntico ao primeiro. Que é ótimo porque é totalmente diferente do primeiro. Que é péssimo porque é totalmente diferente do primeiro. Melhor do que ler, no entanto, é ouvir o novo trabalho desses cinco moleques nova-iorquinos que não precisam seguir a moda --porque eles fazem a moda.

Disco ótimo que você não vai ver em nenhuma outra lista: "100th Window", Massive Attack
Mantendo a escrita, os dois componentes do núcleo central do Massive Attack, Robert del Naja e Daddy G, brigaram feio. Como resultado, o disco novo é na verdade um trabalho solo de Del Naja, adepto de texturas sombrias e climas idem. É um álbum menos reggae e menos black music em geral, já que essa é a praia do ausente Daddy G. Tirando os excessos de Sinead O'Connor, vocalista convidada, é um grande disco.

Discos que você vai ver em várias listas de melhores, menos nesta aqui:
"Up the Bracket", Libertines
O mundo não precisa de um Strokes cover. Ainda.
"Youth and Young Man-hood", Kings of Leon
O pessoal de banda tem 16, 17 anos. Dá para perceber.
"Echoes", The Rapture
Só Preta Gil impede este de ser o pior lançamento do ano.
"Elephant", White Stripes
Não é ruim, mas o excesso de hype incomoda.

Melhor show do ano: Stereo Total no Sesc Pompéia (SP)
Dupla franco-germânica, que não junta mais do que 300 pessoas em sua Berlim natal, atraiu cinco vezes mais gente do que isso em São Paulo. Todo mundo canta e dança junto. Mais alto-astral impossível.

Pior show que a platéia adorou: Coldplay em São Paulo
Sucessão de lugares-comuns e tosqueira mental, a apresentação dos britânicos cativou o público brasileiro com suas baladas xerocadas do Radiohead de dez anos atrás.

Melhor show que a platéia adorou: White Stripes no Tim Festival
O show é como a banda: original, mas bem mais ou menos. O público amou. Meg White, a baterista, fez caras meigas. Fofura total.

Pesadelos do ano
Preta Gil existe.
Os Tribalistas ainda existem.
O Rapture veio tocar no Brasil.
Caê canta Nirvana.

Imagens do ano
Michael Jackson entra algemado na delegacia de polícia de Santa Bárbara, Califórnia.
Saddam Hussein é encontrado pelos americanos num buraco, com visual Los Hermanos

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2003, 2004

Tchauzinho, 2003. Valeu pela força e prestígio, moçada.
Em 2004 tem mais. Popload ano 4.
Sem prêmios suculentos, desta vez. Ainda preciso pôr em dia os atrasados.
Se quiser escrever só para bater papo, o lucio@uol.com.br está à disposição.
Na próxima coluna, a primeira do ano, no dia 7, o resultado da última promoção. E o que deu na enquete da banda que todo mundo quer ver no Brasil no ano novo.
Logo no dia 5, na segunda, tem discotecagem minha com o Paulão do Garagem na bombada noite On the Rocks, no D-Edge. Aparece lá.
Vai nessa. Beba com moderação.
E vamos caminhar juntos em 2004. A coisa parece que vai ser boa.
Stay cool!
Lúcio Ribeiro, 41, é colunista da Folha especializado em música pop e cinema. Também é DJ, edita a revista "Capricho" e tem uma coluna na "Bizz". Escreve para a Folha Online às quartas.

E-mail: lucio@uol.com.br

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