Pensata

Lúcio Ribeiro

30/05/2001

Guerra no rock

Tempo bom, sujeito a trovoadas.

Atestado de que o cenário independente anda gigante aqui no nosso quintal, com bandas a rodo, shows aos montes, festivais bacanas de Natal a SP e, principalmente, muita gente pensando a tal cena, começou a rolar de uns tempos para cá um conflito de gerações.

Natural: a ceninha precisa discutir. E, grande como está, vai formando seus pontos "nervosos". Penso eu, todo mundo sai ganhando.

De um canto do ringue está uma "velha geração" de jornalistas musicais, estes "bem situados" na imprensa mainstream, tipo "Folha", "Globo" entre outros, na qual me incluo.

O Álvaro Pereira Júnior e seus textos no "Folhateen" mais André Barcinski e Paulo César Martin, do programa de rádio paulistano "Garagem", são a representação mais reluzente do grupo acima.

Do outro lado se situa uma camada nova e atuante de "novos jornalistas" egressos de fanzines e e-zines, gente que cresceu e apareceu junto com esse número grande de bandas de rock nacionais que compõem a tal mencionada cena indie atuante.

O segundo grupo, que até um tempo atrás admirava e se espelhava no primeiro time, o dos "mais velhos", agora está em posição de confronto.

O Álvaro fala que o novo disco do Radiohead não dá para ouvir de tão ruim. Listas de e-zines chamam o colunista do "Folhateen" de maluco e ranzinza (Álvaro já virou chacota permanente em notas de rodapé indie, essas de botar uma frase no final de e-mail, por exemplo.)

Mas a banda texana At the Drive-in para o Álvaro é boa. Então na revista "Bizz", defensora da cena indie brasileira e proclamadora do rock gaúcho, sai que a banda não presta. "Vai berrar assim lá em San Francisco", mandou o recado a revista diretamente para o Álvaro, que mora lá na Califórnia.

Por sua vez, o "Garagem" resolve fazer um especial "a explosão do rock gaúcho" e explode literalmente os discos de grupos como Bidê ou Balde, Video Hits e outros. "O Humberto Gessinger é mais engraçado que esses" e "Eles não têm uma música que presta" são opiniões correntes do programa, já execrado e "boicotado" pelo "new journalism" brazuca.

A coisa sobra para o meu lado também. Alguns já olham de esgueio para a banda nova-iorquina The Strokes, só porque eu dei capa da Ilustrada para a banda e falo deles direto aqui na coluna.

Dizem que eu babo ovo com banda nova-iorquina e não faço a mesma coisa com banda nacional, que são tão boas ou melhores que o Strokes...

Que eu sou daqueles caras da "grande mídia" em busca de assunto, atrás de inventar a "next big thing" e outras bobagens.

Falar é fácil. Hoje em dia, com a facilidade moderna da comunicação, todo mundo fala.

Isso é bom. Discutir é bom. Eu até acredito que esse posicionamento díspare em torno, no fim, da mesma coisa vai desembocar em revistas de músicas melhores, páginas de música melhores nos jornais, mais programas decentes nas rádios etc. Pelo menos eu espero.

É útil lidar com isso. Há quem prove por a + b que o guerreiro grupo brasileiro Blemish é melhor que o bravo grupo escocês Travis. Há quem não ache que a canção "Pattern against User", do At the Drive-in, não valha a existência. A vida é assim, fazer o quê.

As posições, hoje, são facilmente colocadas. Cabe a você concordar ou não com elas.

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NÃO DÁ

O que não pode acontecer foi o que rolou no último sábado, no DJ Club, um dos pontos mais legais de São Paulo para ouvir música boa. O DJ convidado era exatamente o Paulo César Martin, o Paulão do "Garagem".

No meio de seu set, Paulão recebeu a visita nada amistosa de um integrante da banda gaúcha Bidê ou Balde, o guitarrista Rossato, que foi tirar satisfação com o DJ por causa da quebradeira dos CDs de seu grupo no programa de rádio.

Rossato foi reclamar de uma música tocada por Paulão (Weezer) e aproveitou para protestar em tom "brigão" sobre o tratamento sofrido por sua banda no "Garagem".

Mancada do Rossato. Paulão toca o que quiser e fala o que quiser no programa, assim como o Bidê faz a música que quiser e vai no programa do Fábio Jr. se quiser.

O Bidê, ou no caso o Rossato, não pode querer brigar com todo mundo por causa de uma crítica negativa da banda.

Se eu, por exemplo, fosse brigar com todo mundo que faz críticas ao meu trabalho na Folha ou nesta coluna...

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EU SOU CONTRA. EU SOU A FAVOR

Polêmica é polêmica. Tem gente contra e tem gente a favor na guerra de posicionamento da cena indie.

Dois exemplos:

Um contra a "velha guarda" e dando um viva ao Bidê ou Balde e à cena indie nacional, de Alexandre Petillo.

"Nunca consegui entender direito a birra que os jornalistas da sua geração tem com o rock nacional. Pensando bem, eu entendo sim: todos quiseram ter a sua bandinha mas não tiveram capacidade, talento ou força de vontade para ir adiante.
Acredito que deve doer em jornalistas gênios da música ver, por exemplo, o Humberto Gessinger gravando discos. Então, é de praxe odiar qualquer manifestação do rock nacional, a não ser o Sepultura. É lindo qualquer mané inglês ou americano que ouve Weezer montar sua banda. Mas brasileiro não pode ouvir e querer ter a sua banda. Ah, sim, precisa passar pelo crivo do 'New Musical Express', senão não presta (by the way, depois que o "NME" passou a ser encontrado facilmente em SP ficou mais difícil copiar os caras sem serem descobertos, né?).
É curioso, será que o 'Garagem' e o povinho 'rock' quer destruir até o rock nacional, que é produzido pelos ouvintes do programa, que também, de alguma forma, são consumidores dos mesmos discos? A norma é: 'Ouçam o que estamos falando que é bom, mas não se atrevam a pegar suas guitarrinhas e entrar na onda. Brasileiro tem é de ficar na sua. No máximo, sendo o Mano Brown'. Triste.
É isso aí, vão ouvir Travis, Coldplay (losers chorões que não têm 5 músicas boas), Strokes (rascunho pós-punk do Velvet Underground), que esses sim, têm o selo NME. Ouçam, e quando crescerem com essa bagagem, vão virar jornalistas e malhar o Tom Petty na Folha.
A Bidê ou Balde não é a salvação do rock, mas tem um dos shows mais divertidos. E rock é diversão. Pergunte a Jerry Lee Lewis e Johnny Rotten.
Mas é legal que esse povo não aprove a Bidê e o rock gaúcho. Intolerância com o rock gaúcho e tolerância com "maravilhas" como At The Drive In (um pouco menos que lixo) e Brassy.
Que detonem o disco da Bidê Ou Balde. Não seria bom para a banda ter o aval desse povo.
Um hehehe indie."

E agora um contra as novas bandas indies, canalizando sua bronca no Bidê ou Balde, de Alexandre Figueiredo (o e-mail, gigante, foi editado).

"Há pelo menos um ano eu ouço falar de um conjunto gaúcho muito elogiado pela grande imprensa, tido como a maior revelação do rock nacional, chamado Bidê Ou Balde. O grupo ganhava cartaz nos cadernos culturais, nos programas televisivos de cultura e arte, nos telejornais e em alguns rincões da cultura alternativa brasileira. Parecia que uma banda surpreendentemente maravilhosa viria para tirar o Rock Brasil do marasmo irrecuperável.
Só que, quando vi o septeto gaúcho dando entrevistas ao Marcos Mion no programa 'Uauá', da MTV, toda a impressão que supunha adquirir quando conhecer o grupo foi por água abaixo. Ao invés daquele grupo 'maravilhoso e revolucionário, que iria abalar as estruturas do Rock brasileiro em geral', mostrou-se mais um ícone do chamado 'rock engraçadinho'.
O vocalista do Bidê ou Balde disse coisas supérfluas, como se quisesse mostrar que a 'porralouquice' (?!) é a 'essência do rock'n'roll'. Há uma ênfase melosa daquele romantismo brega, já a partir do título do álbum 'Se sexo é o que importa, só o rock é sobre amor'. Aqui vale uma análise quase filosófica. O vocalista é aquele tipo que gosta de não levar as coisas a sério. Claro que existe uma caraterística do rock que é não levar as coisas a sério, mas até isso não se pode levar a sério. E o Bidê Ou Balde leva muito a sério essa coisa de nada levar a sério, o que fica muito chato.
No Bidê ou Balde, o que se vê é uma espécie de tendência preguiçosa dominante no rock brasileiro atual. É fazer uma Jovem Guarda 'aguada', banhada por uma muralha de guitarras grunge. Aqui vale uma bronca aos fanáticos do punk rock. Quando o punk surgiu, a idéia era democratizar a música e pôr abaixo aquela idéia de academicismo e ampla bagagem teórico-prática da técnica musical. No entanto, não é desculpa para pessoas se valerem de três acordes distorcidos de guitarra para fazerem música ruim ou para dar um aparato 'roqueiro' a canções possivelmente melosas ou debochadas. Vale lembrar que até aquela música do 'vamo pular' cantada por Sandy & Júnior (música que é a cara do pior dos Raimundos), usa desse recurso. Afinal, mesmo no mundo dos três acordes, não é qualquer Joey Ramone que nasce e morre todo dia, não.
Como catarinense de Florianópolis, ou seja, nascido nas proximidades dos Pampas, eu pergunto: afinal, a que veio o rock gaúcho? Por que entre os roqueiros gaúchos há uma queda frequente pela breguice, pelo kitsch? Ou são bandas predominantemente calcadas na Jovem Guarda - embora citam até o King Crimson (?!) como 'influência', se bem que até os Monkees já são 'sofisticados demais' para influenciar boa parte dessa 'galera' -, ou então são grupos abertamente bregas, mas, oportunistas, usando o rótulo 'rock'n'roll' para tirar vantagem.
No Brasil em geral, o rock vive este problema terrível. Aqui existe tudo, de rock, como 'atitude', drogas, cadáveres, roupas, apetrechos, menos música rock. Todos querem ser ecléticos, porque ecletismo é 'bacana', mas não raro isso acaba dando numa perda de identidade sonora, numa indefinição de estilos, porque as bandas querem fazer de tudo um pouco ao invés de fazer muito de alguma coisa.
O cara quer fazer rock, tem que seguir o estilo rock, atitude rock sem personalidade rock não adianta. Ou então, numa comparação infeliz, aqueles palavrões e adjetivos tipo 'retarded' fariam da Britney Spears um 'p*** clássico do rock'n'roll'.
Entre o bidê ou o balde, sou forçado a optar pela descarga elétrica mesmo."

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E VOCÊ?

Tem algo a dizer sobre essa pendenga acima? Diz aí, que eu vou selecionar algumas opiniões na próxima coluna.


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RADIOHEAD NOVO

O quarto álbum da banda de Thom Yorke, "Amnesiac", sai semana que vem, inclusive no Brasil.

Eu ouvi o álbum e achei muito bom. "Life in a Glass House", "Pyramid Song" e "You and Whose Army?", para citar três, são lindas de morrer.

Mas isso é só uma opinião minha. Espero que ninguém queira me bater por isso (kidding!).

O Álvaro Pereira Júnior disse que o CD é uma droga. Listas de discussão se dividem nas opiniões.

O álbum há tempos está disponível na Internet. Procura e manda sua opinião.

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TRAVIS E AIR

Britpop dos bons é feito pela banda escocesa Travis. Grupinho cru, honesto, moçada que dá um gás incrível em show ao vivo. Peguei o disco novo deles nesta semana, o "The Invisible Band", e ainda não ouvi decentemente. Pareceu bacaninha, mas ouvi na correria. Acho que eles não superarão nunca a obra-prima pop "Good Feeling", o disco de estréia, de 1997.

O single que já está rolando há muito tempo, a balada "Sing", é bem legal.

O disco novo sai dia 11, na Inglaterra. No site www.travisonline.com, ou no nme.com, você descobre como escutar uma faixa nova por dia. Isso se você já não pegou o disco inteiro por aí, né?



Reprodução

Capa do novo CD da banda Travis


Já sobre a dupla francesa de pop eletrônico Air, eu tenho que confessar. Eu pago um pau para os caras. E o disco novo saiu nesta semana (dia 11, parece, no Brasil).

Chama "10.000 Hz Legend" e tem músicas deliciosas, como o single "Radio nº 1", "Electronic Performers", "The Vagabond" (participação do Beck) e "Wonder Milky Bitch".

A temporada de discões lançados continua.

Reprodução

Capa do novo CD da dupla pop Air


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NICK HORNBY JÁ

Continua a campanha desta coluna para lançarem logo no Brasil o novo livro do escritor inglês Nick Hornby, "How to Be Good", que sai amanhã (quinta, 31) na Inglaterra.

A Rocco tem o livro em tradução, mas só pretende lançar no ano que vem. Não dá. Portanto, e-mail neles pedindo o lançamento já do livro. Mande seu recado no endereço rocco@rocco.com.br.

Li um trecho no livro e traduzi um pedaço para vocês.

Toma uma palhinha do novo Nick Hornby:

"Estou em um estacionamento em Leeds quando resolvo dizer a meu
marido que eu não quero mais estar casada com ele. David nem mesmo es­
tá no estacionamento comigo. Ele está em casa, cuidando das crianças, e eu apenas liguei para lembrá-lo de que ele deveria escrever um bilhete para a professora de Molly. O outro assunto meio que... escapou. Isso é um erro, óbvio. Mesmo que eu seja, aparente­ mente, e para minha imensa surpre­sa, o tipo de pessoa que diz a seu ma­rido que não quer mais estar casada com ele, realmente não acho que eu seja o tipo de pessoa que diz isso em um estacionamento, e através de um telefone celular. Essa auto-avaliação agora terá que ser revista, é claro.
Posso descrever eu mesma como o tipo de pessoa que não esquece nomes, por exemplo, porque eu tenho relembrado nomes milhares de vezes e os esqueci­do uma vez ou duas. Mas para a maioria das pessoas uma conversa sobre final de casamento só acontece uma vez, de qualquer modo. Se você
escolhe conduzir a sua por um telefone celular, dentro de um carro em um
estacionamento em Leeds, então você realmente não pode reivindicar que
isso é algo atípico, da mesma maneira que Lee Harvey Oswald não pode ale­
gar que atirar em presidentes não era muito de seu feitio. Às vezes, temos que ser julgados por nossos repentes."

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LONDON BURNING FESTIVAL

Já um dos mais tradicionais encontro de bandas indies e boa música do circuito Rio_SP, rola neste sábado mais uma festa comandada pelo Luciano Vianna, no Orbital, em São Paulo (Rua Augusta, 2894, Jardins). No palco, show do grupo Vídeo Hits, um dos maiores nomes da famosa cena gaúcha. Mais duas bandas tocam: Vibrosensores e Vermelho 40. DJs convidados são o conhecidíssimo Kid Vinil e o próprio Luciano Vianna. Mais informações no atualizado número da revista virtual London Burning (http://www.londonburning.com.br).

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BARFLY SESSIONS

Quem tem acesso ao canal pago Eurochannel pode conferir a partir de toda segunda-feira, começando da próxima, o The Barfly Sessions, programa que trará sempre às 21h as novidades do pop/rock inglês. O programa de estréia tem como convidado o "polêmico" Coldplay. Nos próximos, entre outros, vão aparecer Muse e Daft Punk.

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O FUNK DO CAETANO

Não vou comentar que o Caetano diz, em uma entrevistona combinada com o "Globo", que ele canta o refrão de "Um tapinha não dói" em show, no final de uma música dele. Nem que ele diz que o mundo fica muito chato quando ele não está cantando, frase proferida na semana passada ao ganhar o prêmio de melhor cantor (?!?) de 2000.

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A TOADA DA MARISA

Essa eu comento. Foi a leitora Marina Della Valle quem contou. "No programa do Ratinho, no SBT tem um quadro sobre paternidade, onde fazem testes de DNA. Todo dia. Aí ele pergunta para a mulher ou para o homem, em geral o incomodado da questão, se a pessoa ainda gosta do pai/mãe da criança. E o BG é invariavelmente 'Amor I Love You', cantado em coro pela platéia. Dia desses ele manda na lata: 'Essa música é brega, hein, Marisa Monte? Depois brega é o Amado Batista... Se ele grava uma coisa dessas...'."

Gênio, o Ratinho.

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PEARL HARBOUR

Pode se preparar. Até você vai ser (já está sendo) bombardeado por "Pearl Harbour", o filmão da hora que estréia na próxima sexta. É um lixo sem tamanho. Para piorar, de três horas de duração. Para piorar, o astro é o picareta-mor Ben Affleck, o pior ator da história de Hollywood. Há uma bela ceninha de bombardeio aqui e ali. A locação é bonita, e tal. A atriz principal, Kate Beckinsale, tem uma beleza anos 50 bem legal, pá. Mas não dá.

Para você ter uma idéia, "Pearl Harbour" é só um pouquinho melhor que a bomba "Armageddon", de mesmo diretor, mesmo ator (Affleck) e mesmo papinho furado amoroso. De amargar. Gaste melhor três horas de sua vida. Como eu não o fiz.

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RESULTADO DA PROMOÇÃO DA SEMANA

Os vencedores e o resultado da música "mais doída" de todos os tempos entra amanhã (quinta), ao meio-dia.

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PROMOÇÃO DA SEMANA

Essa é boa e foi enviada pelo leitor Eduardo Palandi.

Tenho para sortear (em um total de três prêmios) dois álbuns do REM, o "Reveal"; dois do novo do Manic Street Preachers, dois do At the Drive-in, o "Relationship of Command", dois do disco solo do Stephen Malkmus (ex-Pavement) e, atenção, UM "AMNESIAC", o novíssimo do Radiohead.

Diz aí: Se você pudesse ser qualquer rock star, qual você escolheria?

Eu gostaria de ser o Neil Young. E você? E-mail para lucio@uol.com.br. E escolha o seu prêmio preferido, um só.

Valeu aí.
Lúcio Ribeiro, 41, é colunista da Folha especializado em música pop e cinema. Também é DJ, edita a revista "Capricho" e tem uma coluna na "Bizz". Escreve para a Folha Online às quartas.

E-mail: lucio@uol.com.br

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