Pensata

Lúcio Ribeiro

20/05/2004

O pop e a vida real

"Although my lover lives
In a place that I can't live
I kinda find I like a life
This lonely"
Franz Ferdinand, em "Come on Home"

"Bezzi
Eu já catei o Bezzi
Eu também"
Cansei de Ser Sexy, em Bezzi

"The Water´s at your neck
There´s lightning in your teeth
Your body's over me"
TV on the Radio, em "Staring at the Sun"


Divulgação

Logo mais, tudo sobre Franz Ferdinand


Então. Pega aí.
* Número 1, ano 5. Onde isso vai parar?

* O disco do Morrissey saiu lá, o do Franz Ferdinand saiu aqui, Pixies já passou, o Lemonheads está passando (mal) e Massive Attack e Walkmen (láááá em Natal) vão passar. O bicho ainda está pegando forte no nosso mundinho pop, este que toma seu rumo à margem da turbulência econômica, da problemática olímpica, do delicioso inverno importado do festival de Curitiba, das finais da Libertadores e da Copa do Brasil e do Orkut, lugar virtual para reencontrar ou arrumar amiguinhos, que dada a velocidade da coisa parece impor o lema "ou você já entrou ou é mulher do padre". Portanto, lá vamos nós com um olho no pop e outro na "vida real". Tomando o cuidado isso não confundir.

* Confunde tanto que nem sei para onde leva essa minha filosofada rápida acima. Mas ontem estava lendo um artigo xarope em algum lugar sobre a desimportância pop diante dos problemas "maiores" do dia-a-dia e xinguei mentalmente a pessoa que escreveu um absurdo desses, porque ela partia do pressuposto que essas coisas caminham descoladas. E não caminham. E saber disso é muito mais velho do que o lançamento de "Alta Fidelidade", do Nick Hornby. Aí, tempos depois do artigo, tinha me esquecido completamente da história quando me deparei com os olhos na TV em um daqueles noticiários sobre a tortura de presos no Iraque. Na hora, estava com os ouvidos no álbum do soturno grupo nova-iorquino TV on the Radio. E aquele som e visão juntos causaram uma sensação beeem esquisita. E ficou provado mais uma vez que o pop anda de mãos dadas com a vida real. Interfere, mesmo. Aplaca e perturba.

* Sobre isso, e preocupado com isso, e falando do pop e as durezas da vida real, esta coluna avisa sobre a proximidade do... Dia dos Namorados. Para muita gente, é uma data bem complicada. Ainda mais em um tempo que o maior sucesso pop dos últimos tempos ("Hey Ya!") prega o fim do amor. Que o fabuloso The Streets manda secar os olhos, porque está tudo acabado, mesmo. Que o conteúdo do próximo livro da agitada escritora indie gaúcha Clarah Averbuck, "Vida de Gato", que está sendo lançado por editora internacional, é sobre desilusão amorosa. E que na última "Veja" as páginas amarelas foram dadas para uma pesquisadora americana que lançou o livro "Contra o Amor", dizendo que a obrigação de se apaixonar tornou as pessoas mais infelizes.

* Nestes tempos difíceis do amor, com a proximidade da data citada e botando o pop nessa história toda, esta coluna preparou abaixo uma listinha das dez músicas "românticas" mais legais hoje, para você preparar aquele CD-R de presente para o seu... par. Bote ser muito útil para você fazer uma presença, mas também pode jogar tudo para o ralo, porque tem umas canções que não aliviam. Pensando bem, ouve primeiro e resolva se vai dar ou não. Para quem está sozinho ou sozinha, a lista serve também. O pop é seu companheiro das horas introspectivas.

* A coluna agradece e retribui de coração (por email ou por... pensamento) a enxurrada de missivas recebida por conta do aniversário de 4 anos deste blablablá semanal. E as enviadas por causa do Astor. E as pelo show do Cure não assistido. E as relativa à semana Teenage Fanclub + Pixies. Ao Morrissey. E a mandada por causa do adjetivo "chocho" dado ao chocho Paraná 2 x 0 Cruzeiro. Valeu.

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INVASÃO BRITÂNICA

O eixo do novo rock voltou a girar em torno da Inglaterra, nessa alternância normal de cenas. O Franz Ferdinand não está sozinho e você sabe disso há tempos por aqui. E pelas comunidades de MP3, é claro. Bandas muito boas pipocam pela ilha e vão dar o tom dos festivais de verão por lá, disso ouviremos muito falar nos próximos meses. Mas o bacana é que grupos e artistas amigos de outros tempos estão saindo agora com discos bem bacanas. Direcione seu mouse para a caça dos novos CDs do Ash, Graham Coxon (ex-Blur), Charlatans, PJ Harvey, Supergrass, este último uma coletânea com inéditas. Pelo menos do que eu ouvi até agora, a satisfação é garantida.

Ash
CD: "Meltdown"
Faixa recomendada: "Starcrossed"

Graham Coxon
CD: "Happiness in Magazines"
Faixa recomendada: "Bittersweet Bundle of Misery"

>i:Charlatans
CD: "Up at Lake"
Faixa recomendada: "Watch You in Disbelief"

PJ Harvey
CD: "Uh Huh Her"
Faixa recomendada: "The Desperate Kingdom of Love"

>i:Supergrass
CD: "Supergrass Is 10"
Faixa recomendada: "Kiss of Life"

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DROGAS

* Na ladeira abaixo do processo de desconstrução do mito que ela mesma criou para si, a ex-megapudica virgem e pura Britney Spears, a Sandy americana, deve estar causando inveja na Paris Hilton. Saiu agora em uma revista americana, a "In Touch", que a menina que o mundo conheceu dançando de roupinha colegial foi pega dia destes fumando maconha numa dessas "coffee shop" de Amsterdã, onde o consumo de marijuana é legal. "Eu adoro o cheiro disso, é realmente incrível", teria dito a baby durante seu tempo no café, segundo a revista.

* Falando em Paris Hilton, esteja avisado que ela participa de episódio desta semana (no Brasil) da série cool "O.C.". O seriado é aquele que põe para tocar, durante cena romântica, a versão que o Ryan Adams fez para "Wonderwall", do Oasis.

* Falando em drogas, a tríade "sexo, drogas e rock´n´roll" há mais de 50 anos povoa o imaginário jovem rebelde e coisa e tal. Mas o lema não precisa estar tão explícito em outras colunas pop amigas por aí, a não ser que se queira mesmo pagar o preço que for para se fabricar a versão brasileira do grande Hunter Thompson.

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DANDO ERRADO

Causou um misto de vergonha e pena o show que a banda Lemonheads fez em São Paulo. O distinto grupo americano tocou sem seu melhor componente, que é a voz fofa e própria do líder Evan Dando. O cara cantou sem voz, veja você. Quando saia algo nos microfones, era um barulho rouco das cavernas. Fiasco total.
O pique da banda, tirando um certo descontrole do dândi Dando, estava bom. O show tinha cara de ensaio. Estava pesado, cru. Seria uma roupagem moderna interessante para o caminhão de baladinhas legais que ele compôs na era grunge. Mas quá.
Muito se fala sobre as razões que levaram Dando a aquele estado deplorável.
De todos, o mais legal de acreditar é que o cara está paranóico com sua hipocondria, por causa dos remédios pesados que vem tomando. E que teria "imaginado" que sua voz estava prejudicada e não conseguiria cantar. Mas foi mesmo assim só para não cancelar o show. Louco.
Fui embora na quinta ou sexta música, quando Dando assassinou sua "Big Gay Heart", acho. Imaginando como o cara podia cantar daquele jeito para quem desembolsou R$ 60 para ver aquele show num domingo gelado.

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MASSIVE ATTACK

São Paulo vai ter a chance de reencontrar ao vivo a bandaça inglesa Massive Attack, expressivo projeto dance comandado pelo rapper, artista gráfico e agitador Robert Del Naja, conhecido como 3D. E, nos shows que acontecem segunda e terça-feira que vem no bacanudo Via Funchal, oferecer a devida atenção que não foi dada à banda em sua primeira passagem pelo Brasil, em 1998.
O Massive Attack fez uma excelente apresentação no Free Jazz daquele ano, com um show baseado no repertório do fantástico "Mezzanine", CD que botou o pop em transe (trip hop) quando foi lançado, por aqueles dias.
O problema é que a performance do grupo de Bristol no Jockey Club (teve no Rio também) foi realizada logo após o acachapante show dos magos veteranos do Krafwerk, que promoveram uma hipnose coletiva na platéia paulistana de tal forma que, parecia, nem se os Beatles se juntassem ali no palco e começassem a tocar o público ia mostrar muita reação.
De lá para cá, o Massive Attack ficou um pouco em um exílio particular, mudou a formação, lançou o tímido mas ótimo "100th Window", mas chega aqui longe de ter aquele incômodo caráter de banda em desatividade. O grupo está escalado para pelo menos três grandes festivais europeus. Incluindo o V Festival, dividindo o topo das atrações do primeiro dia com Strokes e Pixies.

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OS MAIORES SHOWS DE TODOS OS TEMPOS

Falando em show de 98 do Kraftwerk e Massive Attack e ainda tendo na lembrança a recente apresentação histórica dos Pixies em Curitiba, foi bacana receber a última edição da revista britânica "Q". A publicação realizou uma votação com leitores para apurar os 100 melhores shows vistos no país deles. Essas listas são sempre engraçadas e seus resultados, polêmicos. Não levam a lugar algum e, se fosse feita daqui a um ano, teria uma classificação final totalmente diferente. De todo modo, a lista é bem boa e conta a história de traz testemunhos, fotos, setlists de boa parte dos shows escolhidos. Eis, então, alguns dos maiores shows da Terra, segundo os leitores da "Q" hoje.

1. Radiohead
* Festival Glastonbury de 1997, o primeiro show na Inglaterra depois do lançamento do álbum "OK Computer".

2. Nirvana
* Reading Festival de 1992. O primeiro show depois do estouro do "Nevermind". E o último da banda em solo inglês. No Reading de 1991, que eu tive a sorte e oportunidade de ver, eles tocaram para 5 mil pessoas, no máximo. No ano seguinte, o da lista, foram assistidos por 100 mil.

3. Oasis
* Knebworth, 1996. Era o auge do britpop. Em dois shows, 250 mil pessoas, acho que o recorde na história da Inglaterra. Nunca uma música foi cantada por tantos de uma vez só como "Wonderall".

4. Coldplay - 2003
5. Brian Wilson - 2004 (???)
6. Madonna - 2001
7. Beattles - 1969 (no telhado da Apple)
8. REM - 2001
9. Queen - 1985
10. Pink Floyd - 1980

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MORRISSEY VIVE

Finalmente. Está nas lojas de boa parte do mundo (Brasil em junho, é o prometido) o álbum "You Are the Quarry", o primeiro disco em sete anos do ser divino que um dia comandou os Smiths.
Leitores de vários cantos do globo escreveram para a coluna para comentar que já puseram as mãos no disco do Morrissey: vieram e-mails da Inglaterra, da Suécia, do Canadá e do Japão, narrando a "aventura" de já ter comprado o CD do astro inglês.
O engraçado é que o rapaz do Japão, o Nelson Oliveira, pegou o Morrissey novo que nem é japonês. O de lá só sai no começo de junho. Ele comprou num esquema tipo Amazon. E mando fotos do CD adquirido e do single.

Reprodução



* Na última terça-feira, um dia depois de "You Are the Quarry" ter sido lançado no Reino Unido, o jornalaço "The Guardian" publicou (mais um) texto a respeito da Morrissey Mania. Listou tudo o que foi dito em vários jornais britânicos sobre a volta de uma obra morrisseyana às prateleiras.

* As primeiras críticas negativas, ou não tão positivas, tardaram mais não faltaram. O "Independent", diário inglês poderoso, não gostou muito do CD por causa dos "clichês críticos rotineiros". A "Q" deu duas estrelas para o disco do Morrissey (e cinco para o álbum do Streets, por exemplo), porque achou um CD cheio de som e fúria, mas que não ia muito além disso.

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QUANDO O RAP DESCAMBA

* 50 BROWN - Ou Carlinhos Cent. Diz que o pau comeu solto em show do rapper bamba 50 Cent em Springfield (Simpsons?), nos EUA. Tudo começou quando uns caras da platéia começaram a jogar garrafas de água na cabeça do rapper, tal qual aconteceu no histórico dia em que choveu garrafa na cabeça do nosso Carlinhos no Rock in Rio 3.
Quando uma das garrafas acertou a cara do 50 Cent, o rapper soltou no meio do público e foi atrás de quem jogou, seguido de seus "poucos" seguranças. Uma briga generalizada fechou o tempo no clube e continuou na rua. Feio.

* RAP DO... "POO" - Falando em coisa em rap e falando em coisa feia, se você for até o site oficial da megabanda inglesa Coldplay, poderá ver o modo, hã, gozado que o vocalista Chris Martin escolheu para comemorar o nascimento de Apple Blythe, filha do músico com a atriz Gwyneth Paltrow.
Batizado de Nappies (Fraldas), o grupo se vestiu de Darkness (?), pôs peruca e tudo, para cantar um rap (??) cuja letra tem a singela frase "I'm going to clean up all the poo and the sick" (eu vou limpar todo o cocô e o vômito", cantada com a alegria típica de papai feliz.
Corre lá para ver. Ou não, melhor dizendo.

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O TOP TEN DO AMOR

Velha tática de atingir direto o coração alheio era juntar uns discos bala, selecionar umas canções matadoras e depois chegar com uma fita cassete e, literalmente, dar a fita para a pessoa: "Gravei umas músicas aí para você, nesta fita. Coisa à toa".
Hoje, vivendo as facilidades da era digital e as dificuldades da vida econômica, o xaveco da gravação pode aparecer quando você liga o computador, pega um CD-R de R$ 1, com músicas novíssimas que não necessariamente tenha em disco (MP3) e diz: "Queimei um CD com umas músicas aí para você..."
E, para facilitar ainda mais sua já fácil vida digital, esta coluna, sensível como ela só, faz uma lista do que mais dói no pop atual, para você preparar aquele CD de músicas românticas. Lista útil para o vindouro Dia dos Namorados. Para que os têm e os que não.
A relação tem canções românticas para cima, românticas deprê, românticas agitadas. É baixar, queimar e correr para o abraço. Tome nota

1. The Streets, "Dry Your Eyes"
Essa não é certo se devia ser gravada no começo, no final ou nem estar em um CD para a amada (o). É, fácil, a música mais triste do pop atual. Está no recentíssimo album do grupo inglês de um cara só, o Mike Skinner. O maravilhoso disco inteiro, "A Grand Don´t Come for Free", é uma história só. E "Dry Your Eyes" está quase no final. Na letra, um amigo diz para o outro, depois de um momento de lamúrias: "Enxugue as lágrimas, meu amigo/Eu sei que você gostaria de fazê-la sentir a dor que está te machucando/Mas você tem que ir embora daqui agora/Acabou."

2. Snow Patrol, "Chocolate"
Música mais ensolarada, desta bela banda escocesa. Marcada por uma batida repetitiva, que faz a música marchar, enquanto é floreada por guitarrinhas doces, pianos e uma voz britpop sofrida. "Você é a única coisa que eu amo/E isso me assusta mais e mais todos os dias"

3. Muse, "Sing for Absolution"
Uma das bandas inglesas mais legais já tem uns quatro anos, o Muse lembra muito o Radiohead dos tempos crus, longe dos computadores OK. Nesta baladaça em particular, a voz do talentoso Matt Bellamy vai da ópera ao desespero pop. Muse é barroco.

4. Morrissey, "Come Back to Camden"
Não sei se você já leu em algum lugar, o mestre dos corações miseráveis voltou. Balada rompante, hollywoodiana, cheia de fases, com a voz do sujeito indo do sublime ao mais sublime. O costumeiro. E quando ele canta pedindo para a pessoa voltar para Camden, onde vai encontrar ele e o desespero dele, e que cada polegada dele pertence a tal pessoa? "Every last inch of me is yours, YOURS, for evermore". Pum!

5. Killers, "Mr Brightside"
Banda indie americana de Las Vegas, veja você. Já tocou até no seriado "O.C.", um sério atestado de índole musical hoje em dia. Se você fechar os olhos, é o Cure.

6. Cansei de Ser Sexy, "Meeting Paris Hilton"
Tecnopop descarado que vai dar o tom fanfarrão ao seu CD-R romântico. As meninas do CSS adoram a Paris Hilton. Ela é um amor. E como essa lista é sobre o amor... "The bitch said yeah yeah yeah yeah". Amor mais puro que esse não tem.

7. Walkmen, "The Rat"
Ótima banda nova-iorquina de art-rock, os Walkmen (que pisam em Natal neste sábado) começam com o desespero lá em cima, nesta "The Rat", uma das únicas músicas acima da média do disco novo deles. Se fossem umas 12 como "The Rat", seria o disco do ano.

8. Keane. "Everybody´s Changing
O rock britânico no que tem mais de singelo. Já que o Travis não carrega mais tanto essa bandeira e o Starsailor tem cruzado a eletrônica, o Keane surge com destaque na nova leva de bandas inglesas queridinhas, fazendo rock melódico sem usar guitarras. Fofice do começo ao fim.

9. Franz Ferdinand, "Come on Home"
Suplica punk cantada como se a banda fosse o Pulp. O grupo mais quente do rock hoje rasga o coração com guitarrinha tosca e charme como se fosse 1979. Demais.

10. TV on the Radio, "Dreams"
Antes de a música começar, uma voz confortável fica sussurrando no ouvido que "todos os seus sonhos já não existem mais" por alguns segundos. Aí, quando você está totalmente envolvido, entra um calmo pesadelo sonoro feito pela banda americana mais interessante a surgir nos últimos tempos. Claustrofóbica, densa, tensa, única. Estilosa banda do Brooklyn que tocava nas mesmas festinhas que o o Liars e Yeah Yeah Yeahs até o ano passado, é o grupo novo favorito do Álvaro Pereira Junior. Perdi uma apresentação deles numa festa pós-Coachella porque o lugar lotou muito mais do que esperado e já não deixavam entrar mesmo quem tinha convite. O álbum deles, "Desperate Youth, Blood Thirsty Babes", é um absurdo de bom. E de esquisito. O clipe de "Dreams" é lindo e cavernoso.

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FRANZ FERDINAND, O FENÔMENO

Eles são o grande nome da música pop em 2004. Rock retrô-moderno que lembra anos 70, 80 e 90 ao mesmo tempo, nome tirado das aulas de história, atitude fashion, grupo com fama de encrenqueiro, queridinhos do Morrissey. A banda escocesa Franz Ferdinand chega agora às lojas brasileiras através de seu disco de estréia, .homônimo, explosivo e que fez boa parte da geração internet ir até o Google para saber que o tal FF foi o arqueduque do império austro-húngaro cujo assassinato deu início à Primeira Guerra Mundial.
Liderada pelo carismático Alex Kapranos, o Franz Ferdinand foi durante um bom período daqueles fenômenos meteóricos mais falados que ouvidos e é considerado desde o começo do ano, quando o primeiro álbum saiu na Inglaterra, a banda farol de uma nova geração de grupos britânicos a entusiasmar o rock. Banda-guia de uma espécie de retomada inglesa pós-Strokes.
Uma bem acabada simbiose da new wave americana, do pós-punk inglês, de influências descaradas de Talking Heads a Pulp, o Franz Ferdinand surgiu em Glasgow, mas podia muito bem ser da Nova York punk-funk atual, que em um pulo foi das festinhas em apartamentos a shows em festivais gigantes. Franz Ferdinand dialoga mais com o Rapture do que com os compatriotas do Belle & Sebastian, por exemplo.
Entre ser formada na escola de arte de Glasgow às festinhas em prédios e raves, até a "façanha" de sair já em disco no Brasil (via Trama), tudo aconteceu muito rápido na vida de Bob Hardy (baixo), Nick McCarthy (guitarra), Paul Thomson (bateria) e Alex Kapranos (vocal, guitarra).
Da ótima escola escocesa de letras fortes e espertas sobre a vida comum, o amor, aulas, o dia-a-dia, o Franz Ferdinand surgiu no finalzinho de 2001, lançaram um EP, tocaram em flats de amigos, foram presos por arruaça depois de um show na faculdade e aí começaram a fazer circular o que seriam seus dois singles: a multifases "Take Me Out" e a deliciosa "The Dark of Matinée", cuja letra tinha algo como "Você teria uma vida feliz se fizesse o que gosta/Então venha me encontrar e siga-me pelos corredores,
refeitórios e biblioteca./ Você precisa me seguir e deixar de lado essa vida acadêmica". Frase singela e comum que vira soneto complexo shakespeariano quando casado com o ótimo instrumental pop do Franz Ferdinand.
Antes de as músicas saírem em single e bombarem clubes pequenos e lojas de disco inglesas com shows comentadíssimos, a banda já estava na internet. E o fenômeno do grupo de rock obcecado em fazer as pessoas dançarem começava a chacoalhar as caixinhas de computador do mundo independente.
"É verdade. A banda nasceu, dentre outras coisas, porque a gente não aguentava ver em shows de rock um monte de garotas bonitas que não dançavam. É tão bom ver garotas dançarem em shows de rock", explica o líder do Franz Ferdinand, Alex Kapranos, em entrevista a este colunista, por telefone, direto da Alemanha, país que está em sua vez de ser varrido pela febre FF.
O bastidor pop que levou o Franz Ferdinand ao topo das paradas teve tamanha dimensão que foi bater nos ouvidos do cantor inglês exilado (de tudo) Morrissey, que enviou de Los Angeles um fax elogiando a banda. O Franz Ferdinand estava, então, adotado pelo ex-líder dos Smiths, que costuma não gostar de nada feito depois de sua ex-banda. De tal modo que o grupo de Alex Kapranos foi convidado por Morrissey para abrir seu megashow amanhã em Manchester, a primeira e por enquanto única aparição ao vivo do cantor na Inglaterra depois de deflagrada sua grande volta ao pop.
"Está decidido que a partir do show deste sábado o Franz Ferdinand nunca mais vai abrir apresentação de nenhum outro artista na vida. Isso perde todo o sentido depois que você é o show de aquecimento para alguém como o Morrissey. Qual a graça agora de abrir para qualquer outro?"
Vamos à entrevista completa.

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FRANZ FERDINAND - A ENTREVISTA

Popload - O que o Franz Ferdinand está fazendo na Alemanha?
Alex Kapranos
- Estamos em nova etapa deste turbilhão esquisito que nos metemos depois que o álbum saiu, no começo deste ano. A banda está percorrendo o país com concertos, programas de rádio, entrevistas em talk shows de TV, fotos para revistas. Na verdade não sei direito o que está acontecendo. É como se eu acordasse a cada flash das máquinas fotográficas e me perguntasse: "Como eu vim parar aqui, mesmo?". Ou "Então essa é a vida de pop star". Está bem engraçado.

Popload - Causa estranheza estar na Alemanha, hoje, uma banda com um nome de um personagem da Primeira Guerra Mundial?
Kapranos
- Não. A garotada parece nem ligar para isso.

Popload - Por que foi esse o nome escolhido para a banda?
Kapranos
- Estávamos já tocando há algum tempo e sem nome, porque não chegávamos a nenhum. Um dia, vendo uma corrida de turfe na TV, o cavalo que ganhou se chamava Arqueduque (Archduke). Começamos a pensar nele com um nome da banda e por alguma razão chegamos a Franz Ferdinand, por causa da sonoridade gostosa, da aliteração, da musicalidade. Acho a fonética mais importante para dar nome a uma banda, mesmo que isso não represente muito de você. Não pensamos em pedras rolando toca vez que alguém toca no nome dos Rolling Stones, por exemplo. Nem em Palmeiras e lagos quando o Oasis é citado. E são dois nomes fortes, bonitos, sonoros. Além do mais, é engraçado pensar que quando Franz Ferdinand morreu, o mundo inteiro mudou. É um bom nome.

Popload - Vê-se que a vida de vocês mudou muito desde o começo do ano, quando o single "Take Me Out" e depois o álbum foram lançados.
Kapranos
- É. De repente ficamos muito ocupados, muito solicitados, eu passei a conversar com pessoas que antes eu só via na TV. É estranho, mas também não dá para reclamar de viajar por vários lugares que antes não conhecia. É tudo corrido, mas excitante.
As vezes eu preciso parar para pensar que há um ano atrás eu tocava em apartamentos de amigos e hoje converso até com pessoas do Brasil.

Popload - Vocês são considerados a banda nova mais interessante da atual safra da música pop? Em que isso é bom ou ruim?
Kapranos
- A história é a de sempre. Procuramos não dar muita atenção a isso, para mantermos nosso pé no chão. O que sentimos é que vamos manter nossa integridade, nossa identidade onde quer que essa tal fama por causa do disco nos levar. Vamos escrever e criar música do mesmo jeito que fazíamos quando ninguém nos conhecia e mesmo assim achávamos muito divertido o que estávamos fazendo. Isso não deve ser difícil, porque éramos quatro bons amigos antes mesmo de criar a banda e de toda essa loucura acontecer. Essa amizade vai manter nossa identidade

Popload - Vocês costumavam tocar em raves, é verdade?
Kapranos
- Quando começamos, a idéia era tocar em festas, prédios, lojas de amigos. Não imaginava tocar em lugares grandes porque isso me assustava um pouco. E nem tinha essa pretensão. Como temos grande influência de dance music e gostamos de música eletrônica, nos enfiávamos em raves, para acompanhar os amigos e também para tocar lá, em um canto que fosse. Foi um intercâmbio cultural muito bom, porque sempre gostei da dinâmica da dance music, mais do que o aspecto técnico. Não estamos interessados em usar essas tecnologias como sequenciadores, samplers, sintetizadores e coisas assim. Sempre quisemos trazer a dinâmica da dance music para o Franz Ferdinand.

Popload - "Franz Ferdinand", o álbum, está sendo lançado agora no Brasil. Como você o descreveria, letra e música?
Kapranos
- Para mim, o disco representa o mais próximo que conseguimos chegar da idéia inicial da banda, que era a de fazer músicas com melodias fortes que fizessem as pessoas balançarem quando as ouvissem. Não como uma coisa intelectual, cerebral, mas que naturalmente fizessem os músculos delas se mexerem. "Body moving", sabe? Jogamos muita música fora por achar não estávamos conseguindo. Sobraram essas do disco.
Quanto às letras, estamos sempre tentando escrever sobre os eventos reais da vida de pessoas à nossa volta. Sobre a felicidade, tristeza, emoções quaisquer que podemos presenciar, sentir e botar numa música. Numa linguagem que usamos na nossa vida cotidiana. Sem clichês do rock que não dizem nada ou dizem pouco para quem ouve nossa música. Não vou nunca cantar "Baby, eu vou catar você e fazer você voar", merdas desse tipo. Quero usar minhas letras para falar das experiências de vida das pessoas, das minhas experiências, sejam elas chocantes, maravilhosas, normais, trágicas. Coisas reais. Gosto de poesia, mas não tenho talento para isso, para metáforas.

Popload - Vocês são uma banda única que também parece soar com muitas outras bandas. Quais são suas grandes influências?
Kapranos
- Sempre ouvimos tudo, de todas as fases da música, então é natural que eu tenhamos sido influenciados por Morrissey e os Smiths, muito. Acho que também naturalmente temos muito de Kinks, Talking Heads e Clash. Bob Dylan. Wedding Present, Stone Roses. Noel Gallagher, Damon Albarn e Jarvis Cocker. São infinitas as citações. Repare que todos eles sempre procuraram fazer melodias diferentes, únicas, contando suas experiências sobre o mundo, cada um a seu jeito, com seu sotaque. São músicas reais. É o que eu tento seguir. Mostrar como é a vida de um jovem na Escócia, o que ele sente, o que ele pensa. Baseio-me também por escritores da literatura que mudaram minha vida escrevendo coisas reais e simples, sem floreios, mas que suscitavam análises complexas, emoções complexas, como Graham Greene e Charles Bukowski, que para mim têm o melhor e mais direto texto em língua inglesa.

Popload - O que levou o Morrissey a se aproximar do Franz Ferdinand?
Kapranos
- Alguém mostrou algumas músicas nossas para ele. Ele conseguiu nossos contatos e nos enviou um fax, dizendo que adorou a banda e gostaria de nos conhecer. Agora veio o convite de abrir o show dele em Manchester. Estou nervoso para conhecê-lo pessoalmente.

Popload - O que você acha da cena de novas bandas hoje no rock, da qual o Franz Ferdinand faz parte?
Kapranos
- Tem surgido muita banda boa de uns anos para cá. Adoro bandas americanas como o Interpol e o Fuery Furnaces, com quem tocamos recentemente. Strokes e Rapture também são ótimos. A cena inglesa, com o Razorlight, também está aquecida. Mesmo na Escócia tem muito grupo que vale ouvir, tanto mais antigos como Belle & Sebastian até novos, tipo Sons & Daughters, que é brilhante. A música pop vive um grande momento. Há um sentimento positivo na aceitação de grupos novos. Tem poucas boys band e girls band hoje em dia. E uma das principais razões para se ouvir música hoje: até o Morrissey e os Pixies voltaram.

Popload - O grande teste para bandas novas muito comentadas, como o Franz Ferdinand, é receberem muitos convites e realizarem grandes performances nos famosos festivais de verão do Reino Unido e Europa, em geral. E eles começam no mês que vem. Em quais deles o Franz Ferdinand vai tocar.
Kapranos
- Vamos tocar no Reading/Leeds, o que me dá frio na espinha só de pensar. Estamos no T in the Park, o ótimo e principal festival escocês. O Oxygen, na Irlanda. E um pouco antes de você telefonar recebi uma ligação confirmamos que vamos tocar no Glastonbury. É assustador pensarmos que até o ano passado tocávamos em apartamentos...

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FRANZ FRANKENSTEIN - O MONSTRINHO DO POP

Ouvir o Franz Ferdinand é estar ouvindo boa parte da história do rock:

Blondie: banda da new wave nova-iorquina do final dos 70, que empresta ao Franz Ferdinand o proto-hip hop que ajuda no caráter dance do grupo escocês

Talking Heads: grupo de art-rock, também de Nova York, que apesar da pomposidade lírica e "teatral" teve bom trânsito na cena punk.

Pulp: Alex Kapranos carrega o fabuloso dom de Jarvis Cocker em contar historinhas adolescentes ternas. A oratória vocal, às vezes, é praticamente idêntica.

Smiths: O caráter letra-real-sobre-relacionamentos-complicados que Morrissey exaltou e pautou grande parte do rock inglês, principalmente o escocês, é presença forte na letra do Franz Ferdinand. E há algo de Johnny Marr nas guitarras dançantes do jovem grupo.

Kinks: As letras certeiras de Ray Davies e o caráter extrabritânico dos Kinks se fazem ouvir no som bastardo do Franz Ferdinand. E também a guitarra suingada que uma banda de rock provocar batidas de pé.

Strokes: A fúria emergencial que leva Julian Casablancas berrar dá o tom no microfone de Kapranos. Os Strokes, tal qual o Franz Ferdinand, é também uma das bandas frankenstein do novo rock.

Rapture: Quando o Franz Ferdinand não é britpop cru, ele vira irmão da banda nova-iorquina Rapture. Seja na veia "banda de festinhas de apartamento", seja no som punk funk de tocar tanto em pistas de rock quando nas de eletrônico.

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FRANZ FERDINAND - A BOIADA

Parte da estratégia de lançamento do primeiro disco do Franz Ferdinand no Brasil, a gravadora Trama montou na internet (www.trama.com.br) um minisite em português dedicada à banda escocesa, com vários conteúdos excelentes e inéditos.
Além de fotos e o videoclipe lúdico da ótima "Take Me Out", o hotsite Franz Ferdinand, como é chamado, põe à disposição o MP3 da música "Shopping for Pleasure", que não está no disco do grupo, mas é das mais pedidas em shows ao vivo.
"Shopping for Pleasure", liberada com exclusividade para o Brasil, anuncia a Trama, é faixa que saiu no EP americano "Darts of Pleasure" e está no single da mesma música na versão inglesa. Ambos estão esgotados e fora de catálogo.
Ainda no site "quente" do Franz Ferdinand, há a possibilidade de serem ouvidas as dez músicas de uma apresentação da banda em Amsterdã, Holanda, em novembro do ano passado.
As faixas ao vivo, de ótima qualidade, fazem parte de um disco extra que constou de uma edição limitada do álbum. E está devidamente esgotada. É a chance de conferir porque o Franz Ferdinand fez tanta fama também por suas performances no palco.

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PROMOÇÃO FRANZ FERDINAND

Vai, promoção dupla do FF. O email lucio@uol.com.br está liberado para quem quiser concorrer a um CD original do discaço nacional da banda escocesa. Há também a chance de faturar uma cópia CD-R esperta do FF ao vivo em Amsterdã, com dez músicas. Um para um, outro para outro.

MAIS PROMO: Para manter o altíssimo nível dos prêmios desta semana, a coluna faz uma cópia bonitinha do álbum de estréia do TV on the Radio, o ótimo "Desperate Youth, Blood Thirsty Babes", e põe para sorteio, no endereço de sempre. É pedir e concorrer.pre.

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MADA - Automatics

Longe demais das capitais, está sendo realizado em Natal (RN) o festival Mada, evento que vai até este sábado mostrando de importante duas coisas: mais de vinte bandas da produção independente nacional, especialmente a feita da Bahia para cima; e a atração estrangeira Walkmen, esperta banda da cena nova-iorquina.
Mas um grupo que toca no mesmo dia do Walkmen e não pode ser perdido de vista é o Automatics, potiguar, que se apresenta "em casa".
Banda de uma verve indie muito boa, dotada de uma simplicidade cool que remonta a grupos ingleses como Felt e Durutti Column, o Automatics é de quebra a formação brasileira mais ousada da cena underground.
Os caras (na verdade é uma dupla) lançaram há pouco tempo um caprichadíssimo álbum TRIPLO, bem prensado e de encarte bem cuidado. Não é CD-R.
Cada disco tem nome e um estilo. O primeiro, o Felt deles, chama Semi Electric. O outro, mais rock, foi batizado de Electric. O terceiro, indie-indie, é o Electro Electric.
A julgar pelas cinco faixas ao vivo que estão no disco triplo, que carrega no total 33 músicas, o Automatics é show para não se perder, no Mada.

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JAZZIE

O bastidor indie indica o caminho para a próxima terça-feira: a Funhouse. No mesmo dia em que o Massive Attack encerra sua visita a SP (Via Funchal), a banda "da casa" Jazzie e os Vendidos se apresenta naquele que vai ser o último show do grupo tal qual o conhecia. Vai haver mudanças na formação. O Jazzie e os Vendidos tem no vocal a escritora Clarah Averbuck. Babado.

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RESULTADO DA PROMOÇÃO

Pá-pum, os ganhadores da semana passada são:

* Morrissey - cópia caseira de "You Are the Quarry"
Juliano Cunha
Recife, PE

* CD da "Filter", especial Coachella Festival
Renê Seixas Ribeiro
Campinas, SP

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FIM DE JOGO

Priiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

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Lúcio Ribeiro, 41, é colunista da Folha especializado em música pop e cinema. Também é DJ, edita a revista "Capricho" e tem uma coluna na "Bizz". Escreve para a Folha Online às quartas.

E-mail: lucio@uol.com.br

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