Pensata

Lúcio Ribeiro

01/07/2004

Diário da corte

"There's colors on the street
Red, white and blue...
There's a lot of people sayin' we'd be better off dead
Don't feel like Satan, but I am to them
So I try to forget it, any way I can'
Neil Young, em "Keep on Rockin' in the Free World"

"We were listening
to Diana Ross
She sang her song
about love hangover"
The Concretes, em "Diana Ross"


* Antes que você aperte o send em um email malcriado, vale a explicação: o título da coluna não serve ao colonialismo explícito. É apenas uma homenagem despretensiosa ao saudoso jornalista Paulo Francis, que escrevia uma coluna de Nova York de mesmo nome. Uma lembrança, só.

* É verão em Manhattan e aqui é só alegria. Parques lotados, bares lotados, ruas intransponíveis. Às 7h já não dá para andar sem trombar nos outros.

* No próximo domingo é o 4 de Julho, o feriadão da independência americana. O guia "Time Out", uma espécie de "Vejinha" multiplicada por mil, saiu nesta quarta com o especial "Independent's Day", mostrando o melhor da cultura indie da cidade. As principais lojas de disco indies, as rádios indies, os bares indies, as melhores livrarias indies.

* Andar por Manhattan, hoje, é ver três coisas, além de um milhares de pessoas e o mesmo tanto de prédios gigantes: gente andando com o fonezinho branco no ouvido (iPod), campanha anti-Bush e Homem-Aranha. Se o Bush não achou as "weapons of mass destruction" lá no Iraque, ele as encontrou aqui nos EUA mesmo. Uma delas foi solta recentemente, nos cinemas. O filme "Fahrenheit 9/11", o famoso vencedor de Cannes deste ano, do "chato" Michael Moore. Já é o documentário mais bem-sucedido da história do cinema. Dá primeira à última cena, não sobra nada do presidente americano. É de chorar de rir e de ficar assustado na mesma medida. A nossa Britney Spears tem uma participação gloriosa no filme. Se Michael Moore fizesse um documentário com o Maluf e a prova nos bancos da Suíça, não seria tão contundente. No último final de semana, Moore apareceu em um cinema do Village para cumprimentar as pessoas na saída do cinema como agradecimento por ter visto o filme dele e aproveitar para pedir para elas não votarem na reeleição do Bush. Adolescentes param os transeuntes para pedir para não votarem em Bush. No show do The Streets/Dizzee Rascal que eu fui, na terça, uma barraquinha pedia assinaturas para o "Rock the Vote", campanha anti-Bush da galera do rock. Você assinava a lista, botava seu e-mail e ganhava um broche, um adesivo e um disquinho três polegadas do Dizzee Rascal.

* Na meia-noite de terça para quarta, estreou em Nova York o número 2 do filme-seqüência "Spider-Man", nosso famoso "Homem-Aranha". Em alguns cinemas, as sessões eram ininterruptas. A qualquer hora da manhã, as filas dobravam a esquina. Nelas, acredite, tinha gente vestida de Homem-Aranha, com a máscara calorenta e tudo. Camiseta do herói, então, era vista na fila tanto quanto as do Iron Maiden na galeria do rock, em São Paulo, num sábado na hora do almoço. O bombardeamento do filme é tanto que dá até medo de olhar para cima, aqui em NYC, e flagrar o Tobby Maguire travestido, pulando de prédio em prédio. Eu, hein? A crítica aqui, até dentre a mais sisuda, aponta o filme, que utiliza o personagem de Stan Lee e é dirigido pelo grande Sam Raimi, como a melhor seqüência de filme de herói já feita.

* Dizzee Rascal e The Streets, no Irving Plaza. A situação é a seguinte: noite em Nova York dedicada ao som sujo britânico, de rua mesmo, com base na mistureba rock e eletrônica e reggae e punk. O vocal é puro rap. A engenhoca sonora é feita por moleques trancados no quarto com os amigos e um computador. Costumava ser chamado de garage inglês, mas já está tudo muito confuso. Para muitos é o futuro da música jovem, hoje. O que mais se aproxima da geração internet do manuseio das possibilidades virtuais. Dizzee Rascal e Streets e essa confusão pop interessam aos americanos? Interessam. Os dois dias da dupla inglesa no Irving Plaza estão esgotados e os cambistas faturando alto com os míseros ingressos que restavam. Na platéia, um atento público teen que tem tipo um "@" junto ao nome, na carteira de identidade. Alguns jornais e revistas já entregam a apropriação americana do que andam fazendo Streets, Rascal, Audio Bullys, Basement Jaxx e companhia: "underground electronica". Mas não estão bem certos do rótulo. Dizzee Rascal e Streets são da mesma praia, mas os shows foram muito iguais e muito diferentes ao mesmo tempo. Os dois, cada qual na sua hora, entraram acompanhados de outro vocalista, negões e de vozes estilosas. Dizzee Rascal foi o que foi no Coachella, em maio: sujo, inaudível e ininteligível em seu sotaque britânico cockney do bairro mais afastado de Londres. Nem um especialista de Cambridge entenderia. Com uma base de baixo e bateria que não era drum'n'bass (entende?), o DJ do menino emplacava um rasta-punk delicioso e de chacoalhar a estátua da liberdade. Por cima, o que seria as músicas de seu disco, "Boy in tha Corner", que está sendo lançado no Brasil pela Sum. Imagine o Mano Brown rapeando em cima de batidas old-school embaralhadas com um barulhinho futurístico de computador. "Esta próxima música vai ser um garage... Quer dizer, nem sei se é mais garage que se fala", entregou Rascal antes de iniciar a bombástica "Fix Up Look Sharp". Sintomático é apelido. Aí depois veio o The Streets, o mais celebrado nome inglês do hip hop. E cultuado por parte das pessoas do rock. E adorado por quem faz e ouve música eletrônica. Mike Skinner, o cara por trás do The Streets, é o cara. Faz do rap uma deliciosa literatura cotidiana inglesa e urbana. Problemas amorosos misturados a problema com o joystick. Encrenca familiar e encrenca com o futebol. No show, suas batidas pulsantes não saíram de DJ: vieram de baterista de verdade, mesmo. O baixo estourado que é a espinha do som de Skinner não era som programado. Tinha um baixista mesmo. O excelente "A Grand Don't Come for Free" foi tocado de cabo a rabo, mas músicas balas do "Original Pirate Material" não faltaram. Os dois shows, Rascal e Streets, cada um a seu modo, foram espetaculares e deu vontade de ficar na porta do Irving Plaza esperando os caras saírem. Para depois segui-los e por fim perguntar: onde é que vocês estão nos levando?

* Nesta semana foi lançado o "álbum indie do ano", tanto lá na Inglaterra, pelo que soube, quanto pela recepção americana, como pude ver com meus próprios olhos e ouvidos. Esteja preparado para o Concretes, o combo sueco de oito componentes que (adoro essa parte) é uma espécie de Belle & Sebastian pela quantidade e qualidade na fofura das músicas, lembra o delicioso Primitives nos rockinhos mais desgarrados e a vocalista, Victoria Bergsman, acalenta ou destrói corações mais fragilizados e tal, mas nada muito diferente do que fez nos anos 90 a deusa Hope Sandoval. The Concretes é de Estocolmo e está na militância indie desde 1995. No final dos 90 foi parar na mão da Sub Pop. Dois singles depois foi cooptado pela major EMI. E cá estamos nós. O disco, que leva o nome da banda, é uma delícia mesmo. Para conhecer o grupo já, baixe "You Can't Hurry Love" e "Say Something New". O Concretes estava naquela lista da revista "Paper", que eu publiquei aqui na semana passada. A que apontava a seleção das cinco bandas que interessam hoje na música. Eram Secret Machines (de NY), The Concretes (Estocolmo), The Hong Kong (NY), Blanche (Detroit) e TV on the Radio (Brooklyn).

* Mais Concretes: a banda tem uma música que se chama... "Chico". Na letra, o cara é um daqueles que lêem a sorte e tal. Outras palavras: trambiqueiro. Não dá para cravar, mas tá na cara que foi escrita por uma das meninas da banda, que deve ter conhecido um brasileiro em algum momento. O pior (melhor) que a música é bem bonita.

* Outro grupo "must" que você deve conhecer é o Secret Machines, do circuito Texas-Nova York e que foi citado aqui em colunas passadas, por causa da arrebatadora música "Sad and Lonely". Em sua coluna no Folhateen desta semana, o chapa Álvaro Pereira Junior relata sua presença em show do Secret Machines e demonstra o quanto ficou maravilhado. Como o Álvaro, também não fui tão fisgado pelo elogiado disco "Now Here Is Nowhere" (nome ótimo). O disco da banda dos irmãos Brandon e Benjamin Curtis é meio indie-cabeça. Mas dá pinta de que o show é algo épico, mesmo. Além do quê, "Sad and Lonely" é tudo. Curtindo dias gloriosos, Álvaro não só viu o Secret Machines em ação como foi citado como destaque na coluna Zap'n'Roll, do dear friend Humberto Finatti, gênio.

* Estive bem afastado das coisas inglesas nestes últimos dias. Também, depois daquele pênalti do Beckham... Sobre o Glastonbury, então, não soube de nada, a não ser a tragédia com o Muse e o "caso Oasis". Parece que o jornal brasileiro "O Globo", o único que estava no megafestival britânico, teria apontado o show dos irmãos Gallagher como fiasco, desastre. Mas relatos de leitores e uma fuçada rápida nos meios britânicos não consegui ver outro adjetivo para o show do que "épico". Hum! Assim que botar os pés em São Paulo, vou correr atrás do prejuízo. O Glastonbury deve estar todo na internet. De todo modo, o leitor Luigi Bertolucci esteve no Glasto 2004 e postou muitas fotos no site dele, www.luiginet.tk.

* O amigo Marco Lockmann fala de Londres que foi ver o Morrissey no Meltdown, no final de semana. O curto comentário sobre o inglês mais importante que o Rooney é que ele está "absolutamente gordo e bicha. E a minha impressão foi a de que o Morrissey trocou todo o sentimentalismo sério anterior pelo lado irônico. Mas pelo menos ele tocou 'Shakespeare Sister'...".

* A gravadora brasileira Trama põe à disposição a partir deste primeiro de julho, em seu site, uma versão rara de "Take Me Out", do espetacular Franz Ferdinand. É uma pequena maravilha remixada pelo cultuado duo francês Daft Punk, sucesso na internet há algumas semanas. A música é o primeiro remix do Daft Punk em seis anos e acabou sendo lançada em CD single apenas na França. "Take Me Out" tem outros remixes por aí, todos ótimos. Outra música do grupo escocês, "Matinee", também.

* Se depender do músico canadense Neil Young, o rock nunca morrerá. Mas, se morrer, será enterrado vestido de camisa xadrez, jeans surrado e o coturno puído. Neil Young e a conexão rock-moda são destaque na segunda edição do Filme Fashion, festival de longas-metragens que lança seu olhar sobre o encontro da moda e cinema. E que na versão 2004 bota para desfilar nas telas do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) e no MIS (Museu da Imagem e do Som) os musicais ou em produções protagonizadas por ídolos da música que de alguma forma atingiram a importância de ícones da moda.

O Filme Fashion 2004, que engrossa a temporada de modelos e roupas a partir de segunda-feira que vem e por duas semanas, trará ao Brasil o inédito "Greendale", filme de 2003 que tem a assinatura de Neil Young na direção. O filme é uma ópera-rock grunge, filmado em Super 8 com a mesma câmera de US$ 500 que o diretor Jim Jarmusch comprou para filmar o documentário "Year of the Horse".

Este "Greendale", que também rendeu um disco homônimo com canções que tocam do início ao fim do longa, está escalado para ser exibido na próxima segunda-feira, abertura do Filme Fashion para convidados, e na terça-feira, quando o festival começa para o público. Conta a história da seqüência de eventos que transforma a pacata e rural família Green, do vovô à filhinha Green, depois que o primo Jed atira e mata um policial.

"Goste ou não de ser chamado de 'padrinho do grunge' (movimento musical de Seattle capitaneado pelo Nirvana e pela gravadora Sub Pop), o fato é que Neil Young e seu estilo se tornaram uma influência para a indústria da moda quando o grunge estourou, nos anos 90. O grunge nunca foi satisfatoriamente retratado por Hollywood. A tentativa mais conhecida, a comédia romântica 'Singles', foi renegada pelos verdadeiros integrantes do movimento. 'Greendale' acaba sendo o filme que mais bem traduziu o estilo para as telas", diz no catálogo do Filme Fashion a idealizadora e curadora do festival, a jornalista de moda Alexandra Farah.

"Greendale" é um dos 33 longas-metragens que, por falar forte à moda, foram selecionados para o FF 2004, entre documentários e filmes de ficção, seja produzido nos anos 30 ou nos dias atuais.

O filme de Neil Young está no agrupamento Rock Style, que inclui entre outros "O Lixo e a Fúria" (2000, dirigido por Julien Temple e sobre os Sex Pistols), "Devoção pelo Demônio" (documentário de 1968 feito por Jean-Luc Godard com os Rolling Stones) e "Histórias Reais" (de David Byrne para o seu Talking Heads, anos 80).

Outro inédito trazido ao Brasil pelo Filme Fashion 2004 é o média-metragem "Clowns in the Hood", dirigido pelo badalado fotógrafo americano de moda David LaChapelle. O filme, de 25 minutos, não está inserido na programação oficial do festival, mas será exibido entre as sessões de alguns longas do evento.

"Clowns", antes de mais nada, "fala" de hip hop. É um filme sobre o olhar fotográfico de LaChapelle a respeito de um fenômeno underground que está acontecendo nas ruas de Compton, região barra pesada da de periferia de Los Angeles.

Consiste em a ação de grupos de adolescentes de 6 a 18 anos que saem às ruas com suas caras pintadas com uma maquiagem de palhaço ("clowns") e praticando uma dança derivada do hip hop, demonstrando uma incrível satisfação em estar fazendo aquilo. Antítese do que normalmente prega as letras de hip hop, os clowns são antidrogas e antiviolência. Segundo LaChapelle, é uma reação positivista e espontânea de uma comunidade frustrada e cansada dos preconceitos sofridos em Los Angeles. A dança e a música utilizada são o que os jovens de Compton têm à mão: o hip hop.

O fotógrafo viu os clowns durante um intervalo das filmagens do vídeo de "Dirrty", de Christina Aguilera, depois que LaChapelle quis saber mais sobre aqueles dançarinos jovens locais que a produção trouxe para ajudar na coreografia do clipe.




PROMOÇÃO E TCHAU: Levo na bagagem, para sorteio, uma revista especial "Morrissey e os Smiths" da série NME Specials. Mande seu email para lucio@uol.com.br e morra por ela. Também a sorteio vai o último petardo dos Beastie Boys, "To the 5 Boroughs". E é isso aí. Falei e disse. Na semana que vem, a lista dos ganhadores que fico devendo nesta. Até São Paulo. Vou nessa, agora. Preciso encontrar o Spider-Man.
Lúcio Ribeiro, 41, é colunista da Folha especializado em música pop e cinema. Também é DJ, edita a revista "Capricho" e tem uma coluna na "Bizz". Escreve para a Folha Online às quartas.

E-mail: lucio@uol.com.br

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