Pensata

Lúcio Ribeiro

29/07/2004

Bossa nova e outras bossas

"Best say something
When you're thinking that you'll get it back
But it's too late to avoid it so
It's far too late"
Hives, em "Two-Timing Touch and Broken Bones"

"Bum Bum Bum Bum
Bum Bum Bum Bum
Bumbababum Bababum Babum Bababa
Bumbababum Bababum Babum"
Irmãos Rocha!, em "Bumbababum"

"Music when the lights go out
Love goes cold in the shades of doubt
The strange face in my mind is all too clear
Music when the lights come on
The girl I thought I knew has gone
And with her my heart it disappeared
But I no longer hear the music
Oh no no no no no"
Libertines, em "Music When The Lights Go Out"


Alô. Alô?
O microfone está funcionando?
Alô?

* A gente tem que fazer por merecer.
A rádio mais interessante que existe em São Paulo, a Brasil 2000 FM, está tendo que incluir "Aqualung" em sua programação, porque você não a está ouvindo e eles precisam de audiência.
Uma rádio decente é parte importantíssima na engenhoca que move a cena local. E, quando a busca de audiência desemboca no Dire Straits, como faz outras rádios da cidade, a cena fica amorfa, inodora, incolor.
Essa história de olhar para trás já enche faz tempo. Imagine daqui a cinco, dez, quinze anos. Você vai ligar o rádio e ouvir "Aqualung".
(Espero que a metáfora aqui seja entendida. O ponto de conflito diz respeito menos a música em si do que o estado de coisas que ela provoca e significa.)
Seguindo o raciocínio, seu filho vai pegar a estrada daqui a vários anos e no carro vai estar bombando a irada "Money for Nothing".
A fila precisa andar. "Classic Rock" já não é mais música que não move nada, não faz a pessoa sair de casa para comprar disco, não motiva ninguém a ir a uma festa.
Tocar "classic rock" em 2004 é pôr para rolar Nirvana, o grunge todo, REM, "Killing Moon", Talking Heads.
Ouvir rádio que toca "Aqualung" hoje, enquanto o mundo está girando, é ameaça a uma série de coisas bacanas pelas quais sempre se luta e sempre se reclama que não tem.
Os discos bem ou mal estão sendo lançados no Brasil. Nesta semana saiu no país o álbum do Snow Patrol e do Phoenix. O Prodigy e o Libertines vai ser editado aqui tão logo forem para as lojas lá. Os Irmãos Rocha! soltaram música nova. O Ludovic está aparecendo, vai ter disco do Cansei de Ser Sexy e o Jumbo Elektro vem aí com CD e site cool.
O calendário de shows até o final do ano se mostra espetacular. Dizzee Rascal, o dono da música mais legal deste ano extralegal em músicas, vai vir ao Brasil para o Tim Festival. O barulhento Liars deve quebrar o colorido no Tomie Ohtake, no Sonar, que vai ser chacoalhado pelo LCD Soundsystem e pelas Chicks on Speed. Os Chemical Brothers vêm aí para show ao vivo. O rapper 50 Cent chega para "causar" em setembro. Aquela banda lá, que você sabe qual é, finalmente toca aqui, em novembro.
Eventos de moda usam rock, modernetes falam de rock, órgãos governamentais bancam festival de rock, a eletrônica abre para o rock e o hip hop está casado com o rock.
As festas rolam, as bandas são muitas.
Neste cenário, neste julho de 2004, não dá para ligar o rádio e ouvir... "Aqualung".
E a culpa, desta vez, neste caso, não é da rádio. É sua.
Ouça rádio. Ouça a rádio. Seja pela internet ou mexendo esse dial pobre.
Porque depois... Depois não adianta reclamar.

* Por exemplo.
A Radio One, de Londres, de propriedade da BBC, veicula músicas campeãs, tem programas para todo mundo, todos os gostos, seja qual ritmo jovem for. Seus DJs são estrelas, todas as bandas interagem com as emissoras e a vida pop inglesa segue seu curso.
Sempre foi assim e não seria diferente agora, que a nova música britânica vive seu melhor momento desde o britpop.
Às segundas-feiras, a Radio One põe no ar, das 9 da noite à 1 da manhã (quatro horas seguidas!!!) o programa do DJ indie Steve Lamacq. Tem entrevistas top, todos os lançamentos, as novidades que interessam, as antigas que tem a ver e não cheiram a mofo, levam bandas para tocar no estúdio.
Aí, a partir desta semana, a Radio One abriu o horário das 7 da noite às 9 para um novo programa, que estreou tocando as mesmas coisas que já tocam na rádio e que o Lamacq está cansado de mandar para o ar, tal.
O programa começa, o locutor (o ótimo Zane Lowe) entra gritando e manda o seguinte recado: "A inovação começa agora e me sinto orgulhoso de fazer parte dela. Estou aqui para botar a nova música em um pedestal". E rola, na ordem, uma sequência inicial que inclui The Libertines novo/ Dizzee Rascal novo / The Departure / Prodigy novo/ Lost Prophets / Beastie Boys novo/ The Hives novo/ The Killers/ Goldie Lookin' Chain.

* Bem-vindo à coluna. Vamos aí.


*

SUPERNOVEMBRO E OUTROS

Então ficamos assim, por enquanto:
* Tim Festival com aquela lá, mais Kraftwerk, o impressionante Dizzee Rascal, o mexicano Kinky e o jazz amigo de Brad Mehldau.
* Chemical Brothers não está no Creamfields-SP em novembro, como esta coluna aventou. Melhor. A dupla de superstar-DJs toca já em outubro.
* O rapper bamba 50 Cent, aquele que você pode encontrar no clube, se apresenta no Brasil em setembro, na segunda semana. Disseram que era para a parada do Linkin Park, mas ele deve vir mesmo para uma festa de hip hop.
* Tem a possibilidade de o Belle & Sebastian vir em novembro também, com o sonho de trazer o Libertines na bagagem e tal.
* Agora esta é boa: Goiânia Noise Festival, edição de 10 anos, com... MC5 (os três integrantes vivos). Acrescidos de Mark Arm (Mudhoney), Nick Royale (Hellacopters) e ele, Evan Dando. Dias 19, 20 e 21 de novembro. Festival com três palcos. Goiânia é ou não é nossa Detroit?




MICHAEL - UM FILME

Se você não andou fora deste planeta este ano, é certo que já deve ter pelo menos ouvido falar de "Fahrenheit 9/11", documentário do agitador Michael Moore sobre o governo dito permissivo do presidente Bush e sua vacilada no caso dos atentados terroristas da data do título.
Talvez não chegue aos olhos brasileiros com tal impacto, mas "Fahrenheit 9/11" não é uma obra que se limita à mais de hora de sala escura dentro de um cinema. Ele é um filme que busca em casa, leva para passear, é companhia em café, pára sua audiência no meio da rua e até conversa com ela na fila. A impressão é a de estar dentro do maior reality show da história, em que qualquer um faz parte do elenco.
O carater participativo do filme de Michael Moore, que estréia neste final de semana aqui, é absurdo. Principalmente para quem estava em Nova York no final de junho, na estréia, três dias antes de ele entrar em cartaz no resto dos EUA e a uma semana de bater o recorde de bilheteria de arrancada de um documentário.
Moore e o Homem-Aranha disputavam outdoors, capas de revistas e estavam na TV o tempo todo.Mas a coisa "reality" dava vantagem ao "super-herói" da hora, o não aracnídeo. No caminho para o cinema, a rota era interrompida por voluntários anti-Bush, que colhiam assinaturas e dinheiro para fundos de campanha contra a reeleição do presidente americano.
Uma paradinha na megalivraria Barnes & Noble, para um café "cultural" na rede Starbucks, e já surgem na frente estandes e estandes com livros pró (poucos) e contra (muitos) o atual chefe da nação (deles). E ainda os livros de Moore.
Você enfim chega ao cinema. Correndo o risco de encontrar com o próprio diretor, em turnê a pé pelas salas de Manhattan, dando a mão a cada um dos presentes nas longas filas para a sessão de seu falado filme.
"Fahrenheit 9/11" começa e várias emoções são extravasadas já na primeira hora de exibição. As pessoas da poltrona ao redor gargalham com Bush nas férias, falam "Ohhhhhh!" com a associação com os árabes, choram de soluçar com as imagens do 11 de setembro, fazem barulho, ficam em silêncio sepulcral e até um "Son of a bitch" irado escapa em voz alta. No final, as caras que saem do cinema são de ódio, de indignação, de satisfação, cara de nada.




CANÇÕES DA SEMANA

"Any Minute Now", Soulwax
Rock caótico do segundo álbum do belga Soulwax, que na calada da noite se transforma nos incríveis heróis dance 2manydjs. Furiosa, rápida e imperdível.


"Decent Days & Nights", Futurehead
Uma das músicas mais deliciosas dos últimos meses, da escola Clash que assola o rock inglês, muito por culpa do Libertines. A guitarrinha é Buzzcocks e o vocal é Paul Weller. O rock inglês atual está o máximo.




O HOMEM MAIS AZARADO DA HISTÓRIA POP

A tardinha, o barquinho e um senhorzinho inglês excêntrico. Um banquinho, um violão e Blur, Nirvana e Coldplay. Isso é bossa nova. Isso é pouco natural. Está no Brasil para três shows no chique Baretto o impagável Earl Okin, músico e comediante britânico ("de alma brasileira") que, entre outras facetas, é conhecido em seu país como o mais azarado artista da história da música pop. E a hora de mudar essa história, segundo Okin, é agora, aos 57 anos.
Okin é mesmo impagável para 95% dos leitores desta coluna. O inglês toca desta quinta até sábado a R$ 120 por cabeça na casa de shows do hotel Fasano.
Mr. Earl Okin "sobrevoa" a música inglesa há 35 anos. Mas só há poucas semanas conseguiu lançar seu primeiro disco, "Music Genius & Sex Symbol", deliciosa mistura de gags divertidas com... bossa nova, o gênero pelo qual se apaixonou em 1965, nos tempos de faculdade, e que contaminaria depois sua trajetória sonora.
Para aproveitar a presença de Okin exatamente na terra da bossa nova, a Sony brasileira está colocando o desencantado CD de estréia do britânico também nas lojas daqui, em edição nacional.
A carreira musical de Earl Okin, que se veste de fraque diariamente, mesmo para ir à padaria, é uma sucessão de quase-sucesso. No final dos anos 60 foi descoberto pelo editor das músicas dos Beatles, Dick James, que viu em Okin o potencial de fazedor de baladas tal qual Paul McCartney. Okin preferiu acabar a universidade antes de lançar seu primeiro single.
Quando o fez, gravou até no lendário estúdio Abbey Road, mas a época já não era mais para as baladas. Okin havia perdido o "momentum". Ainda assim chegou a ser a "música da semana" da Radio One (BBC). Mas a canção, "Yellow Petals", não pegou.
Excursionou com Van Morrisson, mas não foi notado. Foi o único a abrir todos os shows de uma turnê dos Wings (a banda de Paul McCartney pós-Beatles) em 1979, mas as pessoas só procuravam para saber como era ser próximo do ex-companheiro de John Lennon. Participou de popularíssimos programas de entrevistas nos anos 80, mas nunca aconteceu.
Earl Okin passou então a viver de sua veia cômica (considera-se um "sit-down comedian"), embora nunca deixou a música de lado.
Até que, já neste século, Okin foi convidado a tocar música pop contemporânea numa tentativa de programa-comédia de TV, que nem chegou a ir para o ar. Era uma zoeira bossa nova com os sucessos do momento. E a história atraiu a MTV.
Assim, meio acidentalmente, surgiu as versões bossa nova fofa para as explosivas "Song 2", hit do grupo Blur, e "Smells Like Teen Spirit", hino do Nirvana. Okin comove com sua versão para a já linda "Yellow", do Coldplay. E não dá para não rir ao ouvir o senhor inglês de fraque cantar que é um adolescente de calças largas e sujas que ouve Iron Maiden, seu modo João Gilberto de interpretar "Teenage Dirtbag", da bandeca Wheatus.
"Sempre tive perto do sucesso e ele escapou, é verdade. Mas espero que isso não dê a idéia de que sou um fracassado, porque viajei o mundo e sobrevivi da música cantando por todos os lugares durante uns 30 anos", explica Okin.

* Popload - Como foi que um senhor de 57 anos que toca bossa nova resolveu tocar músicas de grupos jovem como Blur e Coldplay? O sr. é atento ao novo rock?
Earl Okin
- Dois anos atrás, fui convidado a participar de um piloto de seriado cômico-musical de TV. Num quadro do show, eu ia ser chamado para criticar os lançamentos pop do momento. A piada era que eu diria que todas as músicas eram OK, mas que a "original" era melhor. E aí eu tocava uma versão da música na guitarra e no piano, sugerindo que a tal música da semana era cópia. Nessa eu criei músicas "originais" como "Teenage Dirtbag" (que na verdade é do Wheatus) e uma para "It Wasn´t Me" (Shaggy). O programa nunca foi ao ar, mas uma pessoa da MTV soube da história e encomendou para um filme umas "versões originais" minhas para músicas como "Song 2" (Blur), "Yellow" (Coldplay) e "Smells Like Teen Spirit" (Nirvana). A do Nirvana não entrou no meu disco porque foi a que eu menos gostei de todas. Mas pode ser que eu a toque no show.




MICHAEL - UMA MÚSICA

Queer eye for a straight band.
A comunidade gay pop está agitadíssima por causa do mais novo single da excelente banda escocesa de art-rock Franz Ferdinand.
"Michael", que chega às lojas britânicas no próximo dia 16, é a "William It Was Really Nothing" (Smiths) dos anos 00. Nenhum cara ganhou homenagem tão sexy e sincera de outro cara, na música pop, desde que Morrissey cantou para o William. O interessante é que, ao contrário do cantor dos Smiths, os membros do Franz Ferdinand são heteros.
"Michael" faz parte do ovacionado CD de estréia do grupo do dândi Alex Kapranos, já editado no Brasil. Está estourada na rádio inglesa e foi cantada e dançada com entusiasmo nas apresentações da banda nos recentes festivais de verão do Reino Unido.
Nela Kapranos diz estar no céu porque está dançando com o sexy boy Michael. "So sexy, you´re sexy/I'm all that you see, you want to see/Come and dance with me Michael".
A dança, segundo a letra, é de "beautiful boys on a beautiful danceflor". Envolve línguas, lábios, costelas durinhas. E a música em si, cheia de fases, é sensual por ela só.
Segundo Kapranos, "Michael" foi inspirada em uma cena presenciada em uma balada de amigos. Uma festa "quente" num armazém dos arredores de Glasgow. E que a canção é sobre um momento único, não um relacionamento gay inteiro.
O líder do FF sugeriu à revista gay inglesa "Boyz" que o amigo Michael, até aquele momento da dança no armazém, não era ou não parecia ser gay. Na verdade Kapranos nem sabe se ele virou, depois da festa.
E, que se o Michael não se importa em estar na música e falar sobre ela com quem for, o nome do parceiro da pista não pode ser revelado. "Porque a namorada do menino pode ficar com ciúme."
O guia nova-iorquino "Village Voice" fez um grande "estudo" sobre "Michael", a música. E mais ou menos concluiu que a música atinge em cheio este revival pós-punk new wave, do qual o FF faz parte de modo notório. Uma época que tinha a tudo a ver com garotos heteros tentando parecer tão espertos e estilosos quanto meninos gays.
Kapranos vai participar do vídeo de "Michael", que a esta altura já deve ter sido finalizado. Foi gravado em Berlim. "Michael", som e imagem, vem aí.




PROMOÇÕES DA SEMANA

É nóis. O email lucio@uol.com.brestá só esperando você pedir um (ou todos) dos seguintes prêmios da semana:
* edição nacional do esperto "Final Straw", do grupo escocês Snow Patrol
* edição manufaturada do poderoso "Always Outnumbered Never Outgunned", o vindouro álbum do Prodigy.
* um exemplar de "Vida de Gato", o novo livro da escritora rocker blogueira Clarah Averbuck, fera da literatura urbana brasileira.





CANSEI

Vamos terminando, então. Pode ser?
Lúcio Ribeiro, 41, é colunista da Folha especializado em música pop e cinema. Também é DJ, edita a revista "Capricho" e tem uma coluna na "Bizz". Escreve para a Folha Online às quartas.

E-mail: lucio@uol.com.br

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