Pensata

Lúcio Ribeiro

06/05/2005

A verdade

"I live my life in the cityyyyyy
There's no easy way ooooout
The day's moving just too fast for me"
Oasis, em "Rock'n'roll Star"

"London Calling
Speak the slang now
Boys say wha-gwan
Girls say wha-what?"
M.I.A., em "Galang"

"I can see that you look confused
and you dont know what to do
Say what you see, what you like"
Futureheads, em "Decent Days and Nights"



Oi. A primeira música que eu ouvi quando cheguei a Los Angeles semana passada, aluguei um carro e liguei o rádio foi "Medication", do Queens of the Stone Age. A última música que eu ouvi antes de desligar o rádio, entregar o carro no aeroporto e pegar o avião de volta para o Brasil foi "Bucky Done Gun", do furacão M.I.A., em sessão ao vivo, acontecendo naquele instante. Um pouco do que aconteceu entre eu ligar o rádio pela primeira vez e desligá-lo pela última você lê aí embaixo. Bem-vindo.

* O Coachella 2005, o primeiro grande festival do calendário mundial, vem a seguir em alguns fatos e fotos, mas não me aguento de vontade de já entregar o que me deixou algo decepcionado com o que rolou no show do New Order, uma das principais bandas pop de todos os tempos. Vi as três primeiras músicas da apresentação do grupo de Manchester bem de pertinho, da área destinada aos fotógrafos. Na boca do palco, diante do vocalista Bernard Sumner, camufladas entre as caixas de retorno, estavam dois monitores de vídeo, uma do lado direito, outra à esquerda. No estilo teleprompter, ficavam mostrando, linha a linha, as letras das músicas do disco novo do New Order, "Waiting for the Siren's Call", lançado no mês passado. Tudo bem que o novo CD do New Order é meia-boca, mas não saber cantar as "principais" músicas do disco, aquelas escolhidas para um festival tão "vitrine" quanto o Coachella, não deu para aguentar. Lesado, tipo o Ozzy, Sumner não é. As músicas não são velhas, para ele não lembrar. Todo mundo sabe que os integrantes da banda já não se bicam há tempos, a volta é pela grana e tal. E isso nem é problema. Agora, na hora de cantar as músicas novas, ele dar umas disfarçadas para olhar de ladinho e ler a tela até na hora do refrão... Foi mal. Eu, que tenho até uma das músicas antigas do New Order no Top 3 da minha vida, não precisava ter visto isso.

* Não é novidade para ninguém que, pela quantidade de festivais legais e grandes que o Brasil vai ver no segundo semestre, um monte de bandas bacanas vai aparecer por aqui. Mas saber que Franz Ferdinand e Interpol já estão confirmados para dois deles é notícia de prender a respiração desde já. Mais FF: a banda escocesa afirmou que o novo disco dela, em produção, será de fazer as meninas chorarem.

* A revista mais legal, hoje, é a inglesa "(Rip &) Burn", que já ganhou destaque aqui não faz muito tempo. Textos espertos, enfoque no que realmente interessa. E modernésima, como seu subtítulo proclama: "The 21st-Century Magazine". A "Burn" dá música de graça, mas nem sempre através de CDs encartados. Eles elencam uma dúzia de música, dão o endereço de onde elas estão, a senha e você vai lá e ripa. E depois queima.

* Está oficialmente aberta a temporada Oasis. Se segura: os Gallagher vêm aí.




A VERDADE SOBRE O OASIS

Você pode com a verdade? Liam Gallagher, o complicado vocalista do Oasis, parece que não.

Revista "Mojo": Qual a maior dificuldade de ser um pai?

Liam: (Pensando) Eu não sei se sou um pai. Eu fiz sexo e uma criança nasceu. Isso me faz um pai?

A entrevista de Liam, e do "brother" Noel, é destaque de capa da "Mojo", porque o Oasis lança no dia 30 de maio o seu sexto álbum, "Don't Believe the Truth", que por sua vez lança a nova ordem do pop: não acredite na verdade.

O Oasis lançando disco é coisa mega. Principalmente quando o disco, além do eterno blablablá malcomportado da banda quando ela é notícia, consegue ser maravilhoso, poderoso, o melhor trabalho do grupo de Manchester desde os dois primeiros.

O vento que traz o Oasis à ordem do dia sopra forte. Por conta da volta dos Gallagher aos shows e ao disco novo, o Caim e o Abel do rock já são capa de vários veículos, responsáveis por movimentação absurda na internet, vão tocar em vários estádios abarrotados, esgotaram em uma hora os ingressos para a apresentação no gigante Madison Square Garden, de Nova York (22 de junho). E causaram uma intriga internacional envolvendo Inglaterra, Alemanha e a americana Apple.

Tudo porque o programa iTunes, em sua loja virtual na divisão alemã, começou a vender na última quarta-feira o download do disco novo, mais de 20 dias antes do lançamento oficial. O motivo ninguém sabe, provavelmente um erro de programação. E o disco ficou lá, lindo e disponível para compra, por algumas horas, até que o alarme soou.

Mas aí alguém já tinha comprado. E, como fã do Oasis são disparados os mais atuantes comunicadores na rede de computadores, tanto um apreciador dos Gallagher na Tanzânia quanto este colunista já tinham o disco inteiro. No mesmo dia. Horas depois.

E, da climática introdução ("Turn Up The Sun") à faixa escondida ("I Can See It Now"), o CD novo sacramenta a volta da banda à velha forma e enterra os dois últimos álbuns chatos.

O estilo Beatles de sempre, pianinhos, percussão latina, vocais esquisitos, Dylan, Velvet Underground, tem de tudo em "Don't Believe the Truth". A faixa 4, "Love's Like a Bomb", para citar uma só, seria a balada que Lennon & McCartney estariam fazendo hoje caso Lennon e aquela banda lá de Liverpool ainda existissem. Até a bateria tum-tum de Ringo Starr está bem representada: o baterista do Oasis agora é Zak Starkey, o filho do ex-beatle.

A linda "The Importance of Being Idle" dá a entender que o Oasis ficou maluco. Cantada por Noel, tem uma letra ótima e parece uma pequena ópera pop, com repentes, enxertos de pianos etc. "My best friend called me the other night/ He said 'Man, are you crazy?'/My Girlfriend told me to get a life/She said 'Boy, You Lazy'/ But I don't Mind". Total Oasis.
A verdade é uma só. E pode acreditar. "Don't Believe the Truth" já é um dos discos do ano.

* Mais verdades

O pop está encanado com a palavra "believe". O Chemical Brothers lançou, no começo do ano, a excelente "Believe", em que o convidado Kele Okereke (Bloc Party) gritava "I need to beliiiiiiiiiieve in something". E o Weezer lança, na semana que vem, seu novo disco "Make Believe", que remete à ilusão, faz de conta. Pode ter um motivo. No Coachella Festival, no último sábado, a banda desacelerou todos os seus hinos indies e tocou cadenciada, como se agora as canções fossem "perfect pop", sem a sujeira juvenil. Era o Weezer fazendo de conta que era megabanda. E, para quem acreditar, vai ser mesmo.




LIAM, NOEL E O ROCK

Você pega três das entrevistas recentes que os irmãos Gallagher deram e logo vê se os caras ainda estão com a língua afiada ou não. Aí vão algumas opiniões deles sobre o rock inglês atual.

* Liam sobre o Franz Ferdinand: "O Alex Kapranos me lembra o 'fucking' Right Said Fred. Você põe os discos deles juntos e percebe que são a mesma pessoa. Ele só fez a dieta de Atkins e deixou o cabelo crescer".

* Noel sobre as músicas novas: "Elas são apenas canções pop de três minutos, no máximo. Não são 'space jazz' como faz o Radiohead."

* Liam sobre Peter Doherty: "Não curto muito heroinômanos. Esses caras precisam de uns tapas. O que a palavra 'libertine' significa? Liberdade? Ele é um c***o injetando heroína em esquinas, com um capacete na cabeça. Não há nada de 'libertine' nisso. Se a molecada curte o cara, tudo bem. Mas quero distância desses tipos. Para começar, a música deles é um lixo."

* Liam sobre o Bloc Party: "Um Blur piorado."




COACHELLA 2005

Provavelmente o mais significante (e bonito e tranquilo) evento pop do mundo hoje, o emergente festival californiano Coachella Music and Arts passou o último final de semana pregando no deserto que o importante é confundir.

Uma carga musical de deixar maluco; uma escalação de grandes atrações, muitas tocando simultaneamente, que era de causar tristeza profunda (por perder) e alegria plena (por finalmente escolher uma opcão); um visual paradisíaco de abobar (inteiramente gramado e cercado por palmeiras, montanhas de pedra); e uma reunião de celebridades na platéia que só reafirma o que o guitarrista Frank Black (Pixies) disse no ano passado, definindo o festival. "Todos os eventos jovens do mundo devem querer ser como o Coachella. Qualquer um de qualquer lugar seria capaz de matar para ter sua lista de atrações, sua lista de convidados e seu clima", disse o pixie.

A atriz Juliette Lewis se matando de dançar ao som do DJ Tiga. O ator e diretor Danny DeVito conferindo a apresentação de Mike Patton (ex-Faith No More) e seu Fantômas. E este repórter poderia jurar que viu ainda a maneca Gisele Bundchen arrastar a atriz Angelina Jolie para o meio do povo que pulava ao som do drum'n'bass do DJ brasileiro Marky. No deserto do Coachella, nem tudo é miragem.

O festival reuniu cerca de 100 atrações e 100 mil pessoas nos últimos sábado e domingo, e as únicas coisas que estiveram fora da ordem foram um punhado de prisões por conta de "problemas relacionados com drogas" e algumas ocorrências médicas devido ao forte calor, além de uma grávida que entrou em trabalho de parto pouco antes de o grupo Weezer entrar no trabalho de palco.

Brindado por um sol de rachar em seu início, um final de tarde maravilhoso no meio e um friozinho perto de seu encerramento, a sexta edição do Coachella Music and Arts teve até... música. E música diversa, servida aos montes para o público que corria de uma tenda para outra (tinha três), de um palco para outro (tinha dois) dentro das dependências do enorme clube de pólo do Coachella Valley que abriga o festival e fica a cerca de duas horas de carro vindo de Los Angeles.

Tão indie quanto o Curitiba Pop Festival, tão rock quanto o Claro Que É Rock, tão misturado quanto o Tim Festival, tão eletrônico quanto o Skol Beats e tão novas tendências quanto o Sonar Brasil, o Coachella 2005 era bem definido por uma de suas camisetas oficiais, cujo slogan estampado era: "Coachella: breaks, beats, riffs, melodies, hip hops, hooks".

Até um velho gênero teve seu grande momento no Coachella: o heavy metal. Ou melhor, uma espécie de heavy metal. No epicentro do festival, numa das "atrações" que permite pôr o "Arts" no Coachella Music and Arts, havia uma instalação multiforme de metal, uma figura que parecia a carcaça enorme de uma bomba atômica que foi jogada no festival, mas não havia explodido.

As pessoas, umas 20 por vez, recebiam uma baqueta de bateria, também de metal, e juntas espancavam como queriam a instalação, criando um som, cada grupo a seu ritmo. Acredite: do meio-dia de sábado à meia-noite do domingo, o ruidoso som minimalista dos rock stars de ocasião não parou um segundo sequer.

Dos palcos de "verdade", a mistura de estilos que saía realmente impressionava. Tudo ao mesmo tempo: enquanto em um palco os dinamarqueses do Raveonettes mandavam seu som romântico enfeitado atrás por uma cortina de guitarras barulhentas, o britânico Jamie Cullum exibia seu jazz pop, tipo enfiando Cole Porter em um festival de rock, o DJ Peretz (Perry Farrell) fazia estripulias rap e eletrônica e o combo nova-iorquino Radio 4 mostrava a quantas anda o punk funk.

Mas o engraçado de tudo isso é que, lá no fundo, o hit do Coachella 2005 pareceu ser um... funk carioca. "Bucky Done Gun", da (mega)ovacionada rapper M.I.A., que apareceu até no set da DJ Miss Kittin, ecoou de diversas formas no festival e oficializou de vez o "nosso" funk como referência e som de vanguarda. A rapper do Sri Lanka, criada no Reino Unido, claramente ficou assustada com a recepção americana a sua performance e ao seu disco, o recém-lançado "Arular". No backstage, após sair aplaudidíssima, ela foi cercada por fotógrafos. E agradecia: "Obrigada, obrigada". O furacão M.I.A., já amiga do DJ Marlboro, vai chegar ao Brasil em novembro, no próximo Tim Festival. "Arular", seu disco, sai aqui até o fim do mês, via Sum Records.

O Coachella, ao mesmo tempo que conseguiu arregimentar medalhões do rock antigo, abriu generosos espaços para a nova música: "Obrigado pela oportunidade e pela recepção. Nunca haviam nos botado em um palco principal de festival. Estávamos bem nervosos", agradecia ao vivo a esperta banda Futureheads, uma das mais promissoras e badaladas bandas novas da Inglaterra, a terra dos festivais.

"Esse é o nosso primeiro festival", gritava numa das tendas lotadíssimas o vocalista do grupo nova-iorquino The Bravery, outra banda emergente do cenário underground rumo às paradas.

O festival realmente foi generoso. Deu chances até para quem estava (semi)morto. A trupe de punk eletrônico Prodigy fechou a programação da tenda eletrônica e do Coachella 2005 com um show vigoroso, raivoso e espetacular.

Mas o que pegou mesmo foi...

* O melhor show

No quesito megabanda, o Coldplay pregou o amor, mandou recado para as estrelas e aproveitou para mostrar as bonitas músicas de seu novo disco, "X&Y", que sai no mês que vem. Mas do palco secundário veio o melhor momento do Coachella: a maravilhosa performance do octeto canadense Arcade Fire revelou com quanta energia se produz um som que tanto pode embalar funerais quanto grandes arenas de rock.

* O show explosivo

A raggafunkrapper cingalesa M.I.A., que também mistura electro, música étnica e, parece, candomblé, botou de vez o funk carioca na nova música mundial. Foi ganhando a platéia a cada música e terminou trazida aos berros do público para um bis não programado (e não permitido). Com o palco sendo preparado para a próxima atração, os organizadores resolveram deixar M.I.A. voltar para mais duas músicas. Bis de atração de meio de lista é a coisa mais difícil em festivais do porte do Coachella.

* As grandes voltas

New Order iniciando sua apresentação com "Atmosphere", do finado Joy Division. Peter Murphy entrando no palco de cabeça para baixo, ancorado por um gancho e começando o show do Bauhaus com "Bela Lugosi's Dead". Os "mocinhos" do Gang of Four mostrando um gás adolescente do começo ao fim de sua performance.

* O esquisito

O Weezer desacelerando todas as suas músicas de garagem indie, para sinalizar que agora é banda grande. O pior é que ficaram boas.

* Os ingleses

O art-rock do explosivo Bloc Party e o lisérgico Kasabian abarrotaram suas tendas, foram ovacionados e lideraram a invasão inglesa do rock independente.

* Opostos

Bright Eyes, a banda mais calma do planeta, e os moleques do Blood Brothers, o som mais barulhento do mundo, fizeram bons shows, cada qual na sua.

* Surpresa

Sim, o Prodigy está vivo, raivoso e intenso. Sim, o Wilco consegue ainda fazer emocionar com música country. Sim, a teatral e excelente dupla indie americana Dresden Dolls consegue arrancar interrogações do tipo: "Como eles são só duas pessoas e conseguem fazer esse som de dez?"




UMA NOITE EM BRASÍLIA

Cuidado com os emails que você manda para mim. Um amigo de Brasília mandou um email narrando uma noite na balada brasiliense e eu logo pensei: "Por que não publicar?". Então, numa seção "nada a ver", aí vai o relato de uma certa festa na capital do país.

"São cinco e meia da manhã e eu acabo de voltar da melhor festa da minha vida. Admito que, por eu ter sido um ser relativamente anti-social durante meus 23 anos, a amostragem não é tão grande, mas mesmo assim essa foi excepcional.

Jantei à meia-noite e o Lucas passou por aqui cinco minutos depois que terminei de comer. Passamos no Beirute (109 sul) para encontrar o Guilherme e o César, vulgo Cesinha Tchose (lembrando que 'tchose' é o eufemismo brasiliense para maconha), com os quais iríamos pra festa da Juliana, no Guará.

Rapidamente, numa enquete com o grupo de amigos que frequentava o Beirute na hora, descobrimos que todos iriam para uma festa na 411 sul, que era prometida como a balada do ano: vários apartamentos no mesmo bloco dando a festa ao mesmo tempo --cada um, desse jeito, era um ambiente diferente.

Topamos a parada, sabendo que o ingresso para a festa era levar um pacote de cervejas ou algo assim: fomos eu e Guilherme num carro, Lucas e Cesinha num outro, Felipe, Natalia e Cissa num terceiro. No meio da viagem, o carro do Lucas estragou --nenhuma marcha "entrava" no câmbio. Como Guilherme e eu estávamos bem à frente, ouvindo a melhor música para festas do século ('Daft Punk Is Playing at My House', do LCD Soundsystem), não percebemos a quebra, e os dois tiveram de ir a pé da 309 (onde o carro quebrou) à 411... uns quinze minutos de caminhada.

Ainda paramos em três supermercados, para comprar a bebida: todos os três, que se diziam 24 horas, estavam fechados, provavelmente celebrando a efeméride do primeiro de maio, dia do trabalho. Aliás, quer coisa mais interessante do que não trabalhar no labour day? Sem as bebidas, torcíamos para que o 'porteiro' do negócio nos deixasse entrar.

Guilherme colou numa galera com um saco de Skol e entrou fácil. Natalia e eu ficamos olhando um para o outro no térreo e ela sacou uma garrafa de pinga, daquelas que custam uns 30 reais, e falou 'Acho que com essa dá para nós dois entrarmos'. Eu não a conhecia, mas depois dessa, fiquei apaixonado, sem contar que ela gosta de Cardigans. Ai, ai...

Então nós apresentamos a pinga ao homem da 'recepção' e subimos. A festa bombava. Logo no primeiro andar, deparamo-nos com um cartaz que dizia o seguinte:

FESTA SUPER TRIPLEX

1o ANDAR - CERVA, FETICHE LOUNGE, PISCINA UNISSEX
2o ANDAR - ROCK, SEXO, DRUGS, KANT (o filósofo!)
3o ANDAR - LOUNGE, CERVA, ENGOV, MASSAGEM TAILANDESA

Chorei de rir com aquilo, e vi que o cartaz estava presente nos outros andares e no elevador também. Natalia e eu nos separamos, embora a minha vontade tenha sido a de ficar com ela para o resto da vida, isto é, se minha vida durasse apenas essa noite. Quando o Lucas chegou, perguntei a ele o nome dela, que nem isso eu sabia. Aí ele disse 'Essa se chama Natalia, e tem HPV'. Poético, não? Mas ele diz isso de todas. Depois até me puxou num canto e disse 'Cara, você não acreditou que ela tem HPV mesmo, acreditou? Eu sei lá se tem, tava só tirando onda'. Beleza, beleza.

Revi alguns amigos que não via há muito tempo, como o Rodrigo e sua namorada --motivo pelo qual eu não o via há tanto tempo assim. Uma banda ao vivo se espremia na microssala de estar do apartamento do segundo andar, mandando standards do rock em seqüência --quando cheguei, era a vez de 'Like a Rolling Stone', emendada com 'Born to Be Wild'. Nesse ponto, Natalia havia aberto sua pinga e a garrafa circulava de boca em boca. Tomei uns goles no estilo 'mata-mata' e saí para reconhecer terreno, tendo descoberto até um 'quarto andar', onde alguns presentes olhavam a lua, fumavam tchose e rememoravam grandes festas de outrora.

Passeando de ambiente em ambiente --do fumódromo do primeiro andar, onde rolava Weezer, ao holocausto sob forma de conhaque do terceiro, onde as coisas iam de house ruim a Legião Urbana-- fui passando a noite, em meio àquele emaranhado de gente. Era o caos, era o caos. Lucas, Cesinha e eu tomamos dois terços de uma garrafa de conhaque, enquanto o povo bebia cerveja quente, que às duas e meia da manhã já começava a faltar --eu não bebi NENHUMA cerveja. E a gente só matando pinga e conhaque... Meu deus...

Aquilo tudo oscilava entre o inferno que era a sala do DJ, que entrou no lugar da banda no segundo andar e passou a tocar umas coisas nacionais (Cláudio Zoli, Lulu Santos e a inacreditável ressurreição de "Kátia Flávia, a Godiva do Irajá", de Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros), e o Pólo Norte, que era o leve friozinho dos maconheiros da laje. E todo mundo se divertia, sem brigas nem nada. É bem verdade que o Cesinha, um adolescente de 28 anos, passou uma rasteira numa dona e cantadas em três velhas, mas nenhuma das coisas teve maior repercussão. Sorte a nossa. Eu pensei, durante uns dois minutos, em dar em cima da Natalia, mas desisti.

A uma certa altura do campeonato, Lucas e Thiago foram para a cozinha do segundo andar procurar água, e achamos uma garrafa PREMIUM de pinga carioca. Como o Thiago não bebe, chamamos o Ricardo e o Cesinha. Em vinte minutos, secamos a garrafa, sempre no estilo 'mata-mata'. Aí já eram dez pras quatro da manhã, mas tudo parecia estar apenas no começo.

E eis que, às quatro em ponto, surge ela: Daniela de Albuquerque. Linda, em preto e jeans, aquelas pernas esculpidas por Deus, aqueles olhos que me fazem querer ser cego. Cumprimentei-a rapidamente com um beijo no rosto e não dei conversa a ela. Imediatamente, tive uma reação como a do Stan no 'South Park'... sabe quando ele tenta chegar perto da Wendy, a menina que ele gosta, mas só vomita? aconteceu isso comigo, vendo a Dani ali. Senti vontade de vomitar. Aproveitei que o Cesinha estava dando vexame (ele havia tirado as calças e começado a fazer xixi num tonel de gelo), corri para uma janela do apartamento em frente e comecei a vomitar. Disfarcei os olhos vermelhos, tomei muita água e voltei para o corredor, onde a Dani ainda estava.

Ela disse: 'Você está entendendo alguma coisa dessa festa?'. E eu, lacônico, disse 'Só digo uma coisa: é a melhor festa do ano'. Não estava mentindo pra ela. Só deixei de dizer certas verdades, como a de que ela era a mulher da minha vida. Dito isso, subi tranquilamente pro quarto andar, onde me refugiei com os maconheiros, evitando falar com ela.

Quando desci da laje, eram quatro e meia e a festa havia murchado. Dani já tinha ido embora, inclusive. Fiz mais meia hora de social, junto com Ricardo, Rogério e Abel --a essa hora, o computador, que tocava as mp3 da festa desde que a banda acabou, estava livre. E mandamos uns hits clássicos --desde "Alright" do Supergrass a "The Killing Moon", do Echo & the Bunnymen, passando por uma música de 10 minutos do Chico Buarque --momento em que todos tocamos bateria no ar. E depois vim embora de carona com o Ricardo, feliz da vida por ter tomado parte na melhor festa do ano e por ter me comportado exemplarmente com a Dani (vontade de agarrá-la não faltou, acredite).

Enquanto saía do bloco, vi o resultado da festa: três carros vomitados, o Cesinha com dores no corpo todo por ter dado mosh nas telhas de amianto do 'quarto andar', o chão mais grudento do mundo, descontados os lamaçais do Reading, a garrafa de conhaque quebrada, jazindo ali no chão, e uns corações partidos. Pesado.

p.s.: faltam três minutos para as seis. Eu roubei o cartaz do 'FESTA SUPER TRIPLEX'. Tá aqui do meu lado. E meu estômago já está melhor. Tem coisas que só a Dani faz...'




POPICES

* Não sei se você conhece "Decent Days & Nights", fácil uma das melhores músicas deste ano. É da ótima banda nova inglesa Futureheads, uma das prediletas desta casa. A canção tem o mais simples e o mais empolgante riff de guitarra dos últimos tempos e começa com uma frase introdutória meio lenta, para depois descambar para o roquinho. Bom... Resolveram mexer na música e criaram um "radio mix" dela. A única diferença é que, em vez de começar lentinha, já começa com o riff, aí vem a parte devagar, para depois descambar. Ou seja, mudou quase nada. E conseguiu ficar mais sensacional ainda. Vai lá: "Decent Days & Nights Radio Mix".

* Baladas: Thee Butchers' Orchestra destrói o palquinho da Funhouse nesta sexta, na festa "Revolution".// O domingo é da mulherada: no projeto 2em1, no Avenida Club, tocam as internacionais Cansei de Ser Sexy e Mercenárias, a primeira prestes a lançar seu primeiro disco pela Trama, a segunda prestes a fazer show na Inglaterra. A veterana Dominatrix completa as atrações da noite, transformando o projeto em 3em1.//

* Se você perdeu o Coachella, não vai aos festivais ingleses, mas tem tempo e dinheiro para aparecer em Austin, Texas, no final de setembro, muitas das principais bandas de hoje tocam no Austin City Limits Music Festival. Para citar só três grupos ingleses que vão estar lá: Coldplay, Franz Ferdinand e Oasis. Dá uma fuçada na programação completa deste festival. São 130 bandas. E, pensando que ele acontece bem enquanto a coisa ferve em festivais aqui no Brasil, muitas dessas bandas podem espirrar para cá. Outra coisa: com o South by Southwest no primeiro semestre e este festival no segundo, Austin já é oficialmente a principal cidade roqueira do mundo. Não acha?

* Um dos principais festivais do calendário indie brasileiro já está armado. Confira a programação do Bananada, evento que acontece agora no final de maio, em Goiânia.

- Dia 20
Autoramas (RJ)/ Hang The Superstars (GO)/ Violins (GO)/ Zeferina Bomba (PB)/ Canastra (RJ) / Nervoso (RJ)/ Barfly (GO)/ Réu e Condenado (GO)/ Cadabra (DF)/ Fuzzly (MT)/ Os Legais (SP)/ Demosonic (GO)/ Actemia (GO)/ SpinApple (GO)

- Dia 21
Astronautas (PE)/ Rollin' Chamas (GO)/ MQN (GO)/ Abimonistas (SP)/ Daniel Belleza (SP)/ Continental Combo (SP)/ Deceivers (DF)/ Iguanas (RJ)/ Olho de Peixe (GO)/ Vanguart (MT)/ Ästerdon (SP)/ Motherfish (GO)/ The Ugly (GO)/ Technicolor (GO)

- Dia 22
Júpiter Maçã (SP)/Valentina (GO)/Mechanics (GO)/Sapatos Bicolores (DF)/Frila! (SP)/Volver (PE)/Resistentes (GO)/ Ressônancia Mórfica (GO)/Mordida (PR)/ Madame Saatan (PA)/Dead Rocks (SP)/WC Masculino (GO)/Seven (GO)/Peregrinos (GO)

* Eu vou no Slipknot, no próximo Quimera Festival. Você não? Outra coisa: eu gosto de Funeral for a Friend.




PREMIAÇÃO DA SEMANA

Direto e reto. Para sorteio no lucio@uol.com.br estarão destinadas as seguintes oferendas pop:

* Uma coleção de todos os quatro álbuns do espetacular White Stripes, mais um DVD de show ao vivo da banda. Oferecimento da Sum Records. É para comemorar a vinda da banda ao Brasil no comecinho de junho.

* Um DVD-documentário sobre o álbum "Nevermind", do Nirvana, da série "Classic Albums". Como o disco foi gravado e como ele mudou a história da música.

* Uma camiseta oficial do Coachella Music Festival, lindona.

* ATENÇÃO: os premiados da promo da semana passada aparecem listados na coluna da semana que vem. Está tudo desorganizado por aqui. Foi mal.




COACHELLA EM FOTOS

Fotos:Lúcio Ribeiro

A cingalesa M.I.A. e o canadense Arcade Fire: nenhum show foi mais impactante que os deles


Weezer no céu e na terra: pouca gente é tão nerd quanto River Cuomo


Futureheads e Bloc Party: the brits are coming


A telinha que mostrava as letras para Bernard Sumner não se perder no show do New Order


O rock-cabaré do Dresden Dolls e o rock fofura de Chris Martin e seu Coldplay


Belezuras: a banda dinamarquesa Raveonettes e o visual das montanhas de pedra do deserto


Anjo e demônio: Conor Oberst, do delicado Bright Eyes, e Keith Flint, do brutal Prodigy
Lúcio Ribeiro, 41, é colunista da Folha especializado em música pop e cinema. Também é DJ, edita a revista "Capricho" e tem uma coluna na "Bizz". Escreve para a Folha Online às quartas.

E-mail: lucio@uol.com.br

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