Pensata

Lúcio Ribeiro

22/08/2001

Porto Alegre, 30°C. Não era pra ser inverno agora? Maldito efeito estufa

Por Cardoso

Pois o nosso amigo Lúcio entra de férias e chama uns amigos pra cobrir o espaço. É aquela coisa: primeiro vem o Luciano Vianna, mentor da revista-festival London Burning e jornalista da NME. Na sequência tem o Thales de Menezes, que já foi da Ilustrada e tem toda uma história dentro do jornalismo. Por fim o Barcinski, da saudosa época de ouro da Bizz no comecinho dos anos 90, comandante do Garagem e escritor de "Barulho". Só cachorro grande. Tipo dogue alemão, tá ligado?

Mas aí hoje tu vem aqui no espacito do Lúcio e encontra um chihuahua latindo fininho um monte de coisa esquisita que destoam completamente do que tu está acostumado a ver por aqui -a começar pelo uso do "tu". É natural que tu pergunte: mas que diabos esse guri chinelão -e ainda por cima gaúcho, como se vê pela expressão anterior- tá fazendo aqui? Sinceramente, não sei. Me fiz a mesma pergunta quando recebi o mail do Lúcio umas semanas atrás. Eu sou um mero ruivo gonzo -acesse e leia tudo que puder em www.gonzo.org - apaixonado por meninas pequenininhas e sem maiores pretensões. Eu acabava de esfregar uma brasinha incandescente no fundo do cinzeiro e me preparava pra escrever a minha coluna semanal pro CardosOnline, um fanzine por e-mail que acabei criando meio sem querer num momento de ócio durante uma primavera de 1998 e hoje atinge mais de 4.700 endereços eletrônicos espalhados por todo o globo terrestre. Sério, tem até um japonês que assina. Se lê não sei, mas que recebe, recebe.

De toda forma, é por causa do CardosOnline que estou aqui. O COL, como é carinhosamente chamado, é um fanzine por e-mail sem o mínimo compromisso com porra nenhuma. Não temos linha editorial e escrevemos apenas sobre o que temos vontade. Um misto de literatura e novas tendências do jornalismo. Composto por um time de oito colunistas, já tivemos momentos bons e ruins. Atualmente atravessamos um momento péssimo, quase chegando ao nosso ocaso. Nada de estranho até aí: depois de 275 edições de, em média, 60kb de puro texto, todo mundo tá de saco meio cheio, trabalhando em projetos paralelos. O Galera, o
Mojo e o Pilla fundaram uma editora, a Livros do Mal www.livrosdomal.org, que deve lançar seus primeiros rebentos em outubro deste ano. O Caon largou a publicidade para se dedicar à boemia, a Clarah se mudou pra São Paulo, o Träsel foi barrado no curso de trainees da Folha e o Hermano finalmente entrou na Zero Hora. Eu ando investindo na produção de drum'n'bass, dub e downtempo, por mais escroto que você possa achar. A minha organização virtual chama-se Família da Coisa www.familiadacoisa.cjb.net e já tem pouco mais de 20 dólares de lucro nos primeiros meses de funcionamento. Bom, já é alguma coisa e pelo menos não tem prejuízo.

Mas enfim, vamos parar com a encheção de linguiça e partir para o que realmente importa.

Ah, claro. O endereço do CardosOnline na rede é www.cardosonline.com.br. Visite e não deixe de conferir nossa sessão de fotos. Sério. Você não vai se arrepender.

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A SÉTIMA EFERVESCÊNCIA

É o nome de um puta disco psicodélico do Júpiter Maçã, ex-Flávio Basso, atual Jupiter Apple. Nunca soube o que ele quis dizer com esse título, mas talvez tenha alguma relação com a cena musical da cidade de Porto Alegre. Sabe como funciona? Em ciclos. De tempos em tempos levanta uma onda gigante, que parece que vai inundar o Brasil todo. Na imprensa, começam a pipocar elogios variados, com um destaque todo especial para a palavra "efervescência" e suas variações. Por que
diabos isso acontece? E por que acontece repetidas vezes? E pior ainda, por que é que sempre acabamos acreditando que dessa vez vai? Sim, porque a gente sabe muito bem o que acontece: eventualmente a onda quebra e só a marolinha é que acaba conseguindo atingir alguma coisa um pouco acima do Mampituba. Durante algum tempo rola aquela terrível calmaria e lá pelas tantas uma nova onda começa a se formar no horizonte. Lá vai a cidade "efervescer" novamente.

Divulgação



Entre 99 e 2000, Porto Alegre foi uma cidade realmente agitada. Uma porrada de bandas novas aparecendo, shows baratinhos e divertidos praticamente todos os dias, o velho Garagem Hermética com o Jardim de Inverno aberto e tudo o mais. Nessa época é que começaram a dar os seus primeiros passinhos Bidê ou Balde, Video Hits, Irmãos Rocha!, Tom Bloch, Superphones e todas essas que agora até vocês estão acostumados a ouvir. Era uma época delícia, em que todos acreditávamos que alguma coisa muito grande estava por vir. Mas eis que chegou 2001 e muito pouca coisa aconteceu. A cena, que talvez nunca tenha existido de fato, simplesmente estagnou. O Garagem Hermética fechou, foi reformado e reabriu sob nova direção e com uma cara esquisita, as bandas continuam fazendo os mesmos shows de dois anos atrás e a cerveja aumentou consideravelmente de preço em todos os recantos da cidade. Os anunciados selos independentes nunca decolaram e as demos da maioria das bandas não são vendidas em lugar nenhum, tornando-se muito inacessíveis à maioria dos mortais. Por algum motivo bizarro, não faz mais tanto sentido ter uma banda de rock em Porto Alegre. Explica-se: os shows rendem pouco dinheiro para muito estresse e o público anda rareando em tempos de recessão. Isso sem contar o fato de que muitas bandas gaúchas não eram realmente bandas no sentido mais profundo da palavra, mas distrações de fim de semana de amigos que só queriam mesmo era tocar um som que eles estavam afim de ouvir.

Em contrapartida, praticamente todas as bandas que resistiram à quebra dessa grande onda resolveram levar o seu trabalho a sério e estão em estúdio, finalizando os seus bailes de debutante ou dando mais um ponto pra ligar à sua trajetória. Só pra vocês terem uma idéia: enquanto os Replicantes se preparam pra quebrar um jejum de 13 anos sem lançar e Frank Jorge reativa sua velha parceria com Marcelo Birck para gravar um disco que deve sair também até o final de 2001, Winston, Tom Bloch e Cachorro Grande acertam os últimos detalhes para seus discos de estréia. Superphones, Irmãos Rocha! e Sensifer passam
horas no estúdio atrás de perfeição. Tudo isso é muito legal: eu fico realmente feliz de saber que o som produzido aqui consegue encontrar respaldo em outras paragens e conquista páginas em cadernos culturais, minutos nas programações de rádio e em canais de TV aberta e fechada no centro do país. A única coisa que me incomoda por aqui é a falta de novidades. O que existe de realmente novo na Recife do pólo sul? Será que é por isso que carecemos de grandes festivais de música alternativa? Porque não superlotamos o Teatro de Elis para ver o Mudhoney? O que é que falta, afinal de contas, para que Porto Alegre se confirme mesmo como a cidade rock que tantos insistem em lhe pintar?

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A EVOLUÇÃO DOS PUNKS

Agora, uma coisa que eu sei que anda rolando legal por aqui é o punk -o que, obviamente não é nenhuma novidade. A diferença é que o punk do ano 2000 não fica mais tropicando nas calçadas da Oswaldo com uma garrafa de plástico cheia de cachaça, mas vai pro Bambu's tomar vinho barato antes dos shows que rolam praticamente toda sexta-feira no novo Garagem. Bom, na real não é mais punk que se diz: é hardcore. E é bom hardcore. Aliás, o Brasil tem tradição em produzir bandas de alta qualidade nesse estilão. Garotos Podres e Gritando HC são dois bons exemplos de absoluta fidelidade a dois momentos bem distintos do movimento. Por aqui, nomes como Os Alcalóides (que tem uma mina cantando) e Real Big Shit aparecem cada vez mais. Os Thompson acabam de lançar um disco. Talvez a resposta de todas as minhas perguntas esteja mesmo aí, nas madrugadas de calças rasgadas, latas de cola e camisetas com frases espertinhas escritas com caneta. Vai saber. O jeito é ir acompanhando pra ver o que acontece.

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RAVE-RS

Apesar de ser uma cena realmente muito difícil de se definir e de se lidar, a música eletrônica tem crescido de forma notável na cidade. Depois da febre da rave que foi rapidamente assassinada por produtores inescrupulosos em busca de cifras, é a vez dos clubes ferverem. O projeto Quarta Quebrada comemoraria nesta semana dois anos sendo a única noite drum'n'bass da cidade, realizando festas em praticamente todos os bares alternativos daqui. Mas a abertura de uma nova casa chamada Groove acabou com essa hegemonia, promovendo desde o dia 8 pelo menos uma noite de batidas quebradas por semana.

Parece que é mesmo a vez da eletrônica em Porto Alegre: esta semana o DJ Thermo Bee pinta por aqui, e, no final de setembro, o DJ Patife lança o seu segundo disco ao lado de Fabio, um dos maiores nomes do mundo em termos de drum'n'bass. Por falar em Quarta Quebrada, quem fecha a edição comemorativa do projeto -na Groove, vejam vocês- é o meu lance de drum'n'bass, a Organizers. Eu faço música em casa, de madrugada, usando apenas dois computadores e o meu irmão, o João.

Quem quiser ouvir o que isso rende, basta acessar www.mp3.com/organizers. E quem puder dar um chego em Porto Alegre no dia 29, a festa é na José do Patrocínio, 527. No dia 22 quem dá as caras por aqui é o Andy C de Sampa, não da Ram Trilogy. Dizem que o cara é bom. Eu tou afim de ver qual é.

Outra coisa legal a respeito da cultura eletrônica é o uso dos grafismos nos panfletos de divulgação. O pessoal daqui anda bem sintonizado com o espírito da coisa, produzindo uns rabiscos de tirar o chapéu. Os flyers da Quarta Quebrada apresentam sempre uma arte de primeira, impulsionado pelo talento da Parafuso, "um escritório de design em Porto Alegre". Confiram abaixo o flyer dessa edição comemorativa e não deixem de navegar no portfólio dos caras em www.parafuso.com

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BIZARRE, INC.

Se não moro numa cidade rock, pelo menos moro numa cidade engraçada bragarái. Pensem nisso: os maiores artistas internacionais que passaram por aqui em 2001 foram o Savatage, o Helloween e o Ricky Wakeman. Isso sem contar que daqui a alguns dias quem vai aportar na cidade é o Judas Priest. Honestamente, não sei o que pensar disso. Porto Alegre tem
essa tradição de apreciar o bizarro, o que explica o sucesso efêmero durante o ano passado de uma figura chamada Toni da Gatorra. O cara simplesmente INVENTOU um instrumento que batizou de "gatorra" pela sua semelhança com uma guitarra, que consistia em uma caixa bege surreal, coberta de botões e cheia de luzinhas piscando. A gatorra emitia timbres estranhíssimos enquanto Toni versava, essencialmente, sobre a paz. Pra completar, o nosso amigo é um peão cabeludo de faixa
na cabeça, camisa aberta e medalhão no peito. Bigodão, calça boca de sino e "Daniela Perez/Queria viver" como parte de um de seus maiores hits. Morador de Esteio, chegou a fazer uma dezena de shows e gravou pelo menos um compacto com oito faixas. Depois do lançamento deste último, nunca mais foi visto. Às vezes liga pra rapeize, mas é só isso.

Para preencher o espaço deixado pelo vetusto inventor, surgiu uma coisa muito mais esquisita que atende pela alcunha de "Os Massa". Trata-se de uma banda INTERATIVA, em que todo mundo pode cantar, tocar e até compor. Ao longo de suas apoteóticas apresentações, centenas de pessoas já integraram as suas fileiras, entre elas Carlinhos (da Bidê) e Diego Medina, da Video Hits, membro fundador da chalaça delícia. Eles se tornaram conhecidos ao redigir o "Manifesto Delícia", na época que contavam com apenas duas músicas em seu repertório: o clássico absoluto "Vem Delícia" e a polêmica e safada "Bagana da Alegria". Depois de um inesquecível show em Amaral Ferrador -cidadezinha no interior do Rio Grande do Sul-, do qual até eu participei, a banda encontrou o seu caminho e decidiu que era hora de entrar em estúdio.

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Durante os meses seguintes, tudo que Os Massa fizeram foi compor as mais bizarras trilhas que já se teve notícia, além de algumas histórias de terror que permanecem ouvidas por pouco mais de duas dúzias de felizardos. As músicas foram todas gravadas no sítio dos Dreher, localizado em Morungava, outra simpática cidade interiorana & gaudéria. Entre churrascadas regadas a galões de tipos variados de aguardente e ervas típicas da região, clássicos eram criados e moldados pelas hábeis mãos de Thomas Dreher. Se esse nome não significa nada pra você, basta dizer que TODAS as bandas gaúchas já gravaram alguma coisa com ele. Nove entre dez músicos gaúchos o chamam de "mestre". E, pô, ele é um cara legal mesmo. Grande garouto. *Tap*

Uma pequena parcela do resultado final pode ser conferida em www.mp3.com/osmassa, com destaque para "Nosso Lindo Melão Azul" e "The Who Delícia". A formação atual da banda é extremamente sofisticada para os padrões delícia e conta até com um tecladinho Casiotone. Originalmente, Os Massa eram violão e voz -muito mais voz que violão. Hoje contam com Drégus de Oliveira, Kiko, Jaspion the big Lumpa Lumpa, Pölla, a rainha da Alemanha, Heitor, o físico, Diego e Carlita (da Video Hits), além de um bando de curioso, amigo e bebum desconhecido que sempre aparece pra dar um tostão de sua voz. E até você: seja também um delícia e cante junto com Os Massa: "Vem vem vem/ vem vem delícia/ vem que eu quero te amar".

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THE STROKES

Cara, sabe qual é o caso? Eu nunca ouvi esses tal de Strokes. Não quero cometer a gafe de falar mal de um troço que eu não ouvi, mas sinceramente, pelos comentários que eu andei escutando, acho que não vão acrescentar nada. Ficam chamando esses caras de salvação do rock a torto e a direito mas nunca ouviram Mogwai. Você já ouviu Mogwai? Eu ouvi pela primeira vez em 97, no canal Alt.Now do Spinner.com e achei chato. Chato bragarái. Mesmo. Uma vez um bebum me parou numa festa e passou horas falando sobre as maravilhas de Tortoise e Mogwai, chorando que Olivia Tremor Control era o canal, e eu ali, sorvendo a minha Polar e pensando em como é que eu ia me livrar do xarope.

Alguns anos depois, o vírus escocês bateu legal por aqui e coisas como Snow Patrol e Beta Band começaram a fazer efeito nos meus amigos, principalmente no Mojo e no Galera. Dessa leva eu curti bastante Belle & Sebastian, apesar de saber do caráter lamentável das suas letras estilo SPC e do excesso de auto-comiseração e manha do septeto -octeto?- balaqueiro. Ainda assim, resisti bravamente ao Mogwai. Continuei achando aquilo um porre, um exagero. Não gostei e ponto.

Mas eis que um belo entardecer na casa do Galera, assistíamos a um vídeo conceitual feito pelo Pilla enquanto forrávamos o estômago com pão pra aguentar as maciças doses de cerveja que consumíamos. E alguém colocou pra tocar Mogwai.

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Pronto. Bateu. Sabe aquele disco que tu compra cheio de felicidade, escuta, acha ruim e depois larga de canto? Aí um tempão depois tu escuta e acha a coisa mais impressionante do mundo e fica pensando: pô, mas como é que eu não tinha me ligado nisso antes? Com o Mogwai foi mais ou menos assim. Deu um estalo e eu só entortei os beiços pra dizer que "putz, como isso é bom". Mas é aquela velha história: não é um som pra muitos. Hay que tener cohones. É um passo antes do Arab Strap, que aí contém testosterona demais pra eu encarar numa boa. Mas quem sabe um dia eu chego lá.

Se você acha mesmo que a salvação do rock está no caminho Strokeano, é bem provável que Mogwai não agrade o seu paladar. Mas se você acha que ainda falta um chã-nã-nã no que você anda escutando, faça um favor a si mesmo e vasculhe lojas de disco e a internet atrás das (nem tão) pequenas obras de arte dessas figuras. Leia entrevistas, conheça os folclores. Na Rolling Stone deste mês tem chamadinha deles na capa. Algo como: "Algumas coisas que você não vai encontrar num disco do Mogwai: letras, versos e refrões. O que você encontrará: algo do que de melhor se vem fazendo em música atualmente." Ok, agora curioso pelo menos tu ficou, né? Leia o artigo em: http://www.rollingstone.com/news/newsarticle.asp?nid=14356&cf2=1

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SOBRE O VMB

Só duas coisinhas:

- Bidê ou Balde: Eu sabia que aquele anãozinho a lá Twin Peaks na finaleira do clip ainda ia render alguma coisa pra vocês. Parabéns, gurizada. Graaande Carlinhos!!!

- Fernanda Lima: Mordam-se de inveja -eu já fiquei a menos de DEZ centímetros dessa NNGATA uma vez quando eu fiz uma pontinha num filme publicitário de uma companhia de telefonia celular. E ainda me pagaram por isso!

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OUTRO

Essa coluna foi escrita sob o efeito de Mr. Scruff, Thievery Corporation, Dynamic Syncopation, Dub Syndicate, (baixe no Audio Galaxy) Rappin Hood, (escute, é da Trama), Sensifer www.sensifer.cjb.net, Evillips www.mp3.com/evillips, Lusbel is a jazz project www.mp3.com/lusbelisajazzproject e The Happies www.mp3.com/thehappies.

Comentários, reclamações, chamegos, assinatura do COL: cardoso@cardosonline.com.br
Processos, ameaças de morte, cancelamentos do COL: cardoso@journalist.com

Foi um privilégio ter estado com vocês!

E pra constar: O que raios o Matias tá fazendo na Conrad?

VIVA SCOOBY!

Até mais,

Cardoso,
Mulheres Casadas, INC.
CardosOnline - www.cardosonline.com.br
Família da Coisa - www.familiadacoisa.cjb.net


O DIÁRIO DE FÉRIAS DE LÚCIO RIBEIRO

PRAZER E MEDO, NA MESMA MEDIDA: O READING FESTIVAL ESTÁ CHEGANDO

Oui e yes, tá ligado?
A coluna desta semana terá dupla cidadania.
Ela será (é, foi) feita parte em Paris, parte em Londres.
Por quê?
Porque esta escrita mora na intersecção do final de minha viagem pela França (só Paris, quer dizer) com os primeiros momentos da expedição inglesa rumo às guitarras absurdas, cavalares e infinitas.

Na verdade, a coluna carrega mais duas pátrias, além das já citadas: a brasileira e a porto-alegrense. Sobre a primeira vou escrever algumas coisas. Sobre a segunda, que também se comunica em português, foi muito bem representada pelo gonzo (não sabe o que é gonzo? não conhece Hunter Thompson? larga tudo e vá ver o que é) Cardoso, o interessantíssimo representante da nova geração de escritor/jornalista/ativista cultural que está pronta para sacudir o país dessa pasmaceira reinante, tenho fé.

Vai embarcar nessa? Então vamos lá.

Você vai ler aqui.

* Björk domina a França
* Reading Festival domina a Inglaterra
* Radiohead domina a América
* Arnaldo Antunes domina o Brasil
* Dane-se Barcelona. Vi o U2 em Londres.
* VMB, cinema obrigatório, Oasis, rádios e a cascata de sempre...


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VIVE LA FRANCE! E O "PAIN AU CHOCOLAT"!

Lúcio Ribeiro

Calma, não é o corcunda de Notre Dame.; sou eu,
com a Torre Eiffel atrás, deu para notar?


* A França musical respira Björk. A islandesinha fofa e exótica está em temporada francesa. Depois de dois shows concorridíssimos, em que se vestia de esquimó, a musa ex-Sugarcubes vai cantar (sem microfone, diga-se; no gogó, mesmo) nesta quinta (23) na famosa capela parisiense Sainte-Chapelle, que tem os vitrais mais bonitos do mundo, dizem. O lugar é para umas 300 pessoas e até o primeiro-ministro francês fez questão de reservar seu assento no banco da igreja. Björk está nas revistas, nos jornais, nas lojas. Ouvi faz tempo o álbum novo, "Vespertine", que sai segunda-feira que vem (28) aqui na França e na Inglaterra. E tenho ouvido aqui na França direto, via rádio. Não curti muito.

Não me entusiasma tanto, a Björk. Se bem que de qualquer forma esse single recém-lançado, Hidden Place, tem uma sonoridade interessante. O álbum é intimista até a medula. É uma espécie de "Kid A" de saia. Parece um disco de música barroca, no qual Björk aplica sua voz de esquimó e injeta modernidade com a parte eletrônica executada pela cultuada dupla californiana Matmos.

Uma das três revistas mais legais do planeta, a "Les Inrockuptibles" fez um dossiê-Björk em edição recente. De brinde, fatiou o álbum todo (12 faixas) e espalhou por seus exemplares CDzinhos de uma música só, de modo aleatório. Você compra a revista e não sabe qual faixa vem, pois eles não avisam, não tem nome e a capinha é a mesma. Se você quer ouvir mais faixas, tem que comprar outra edição e arriscar que não venha uma canção repetida.

A "Les Inrockuptibles" é 10. E a Argentina publica uma versão portenha dela, só para você saber e ficar com raiva do mercado jovem nhonho brasileiro.

Só para eu sentir se a Björk é musa também entre os leitores desta coluna, adquiri uma "Les Inrockuptibles" especial Björk para sortear aqui. Vai com CDzinho. Está a fim?

Manda e-mail para lucio@uol.com.br e diz "eu curto Björk". Ou então "eu não gosto da Björk, mas quero a revista bacana já que eu não sou trouxa".

Fica à vontade.

* Ao contrário da Espanha, aqui na França dá para encontrar rádios legais e bandas boas, sejam elas pop ou (principalmente) eletrônicas. Deve ser porque a França está mais perto da Inglaterra do que a Espanha. Ou porque a Espanha está mais perto do Brasil do que a França. Enfim...

* E tem a Oui FM, uma rádio rock das mais bacanas, que devia servir de modelo para as "nossas" estações roqueiras. Sabe qual é o segredo da Oui FM? Nenhum. Ela é básica. Não tem nada de espetacular.

Os DJs são normais, para começar. Não interpretam um personagem bizarro e "descolado". E a rádio veicula rock decente. Pronto, essa é a fórmula.

Toca mais ou menos duas músicas em inglês e uma em francês. Em uma tentativa de "explicar", dá para falar que, a cada quatro músicas, uma é de rock dos anos 80 para trás, outra é dos anos 90 e outra é de 2000 para cá.

Ao contrário das rádios brazucas, que não forma novos ouvintes ("Bom era o tempo dos Doors", "O rock acabou com o 'Led'", "Ei, DJ, toca Raul") por causa de sua programação falida, atrelada a interesses e jabazeira, a Oui FM sem esquecer o passado promove muito o novo. Assim forma uma audiência saudável que quer ouvir rádio que preste, e que compra disco, e que vai atrás de informações em revistas e jornais, e que estimula shows bons, e que quer ouvir uma rádio que preste, e que compra disco...

* Enfim, meu amigo. A saída da boa rádio é pela placa de áudio do seu computador. O jeito é ir atrás da Oui FM na net www.ouirock.com, ou da rádio da "NME" www.nmeradio.com, que entrou no ar semana passada, ou da alternativa 3WK americana www.3wk.com. E você estará bem servido.

Au revoir, Paris!

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LONDON CALLING

Lúcio Ribeiro

Como diria o Caetano Veloso e o
Paulo Ricardo, "London, London"


God save the queen! Cheguei à cidade mais legal do planeta. E mais cara também.

Aqui só se fala de duas coisas. Primeiro sobre o sensacional documentário para cinema que o Tadeu Jungle vai fazer sobre o Arnaldo Antunes e a vasta importância de sua obra. E, numa escala menor de valor para a humanidade, do Reading Festival, o principal encontro de bandas, público legal, boas vibrações e cerveja do planeta. O Reading Festival 2001, que tem um similar em Leeds, com os dias trocados, começa nesta sexta e vai até domingo...

O Reading (pronuncia-se "rédin", não "rídin") é um festival realizado anualmente (essa é a 30ª edição) em uma fazenda a oeste de Londres. Dista uma hora de trem da capital inglesa e mais 20 minutos andando desde a estação do centro de Reading.
Lá, é construída uma verdadeira cidade, em um quadrilátero imenso, que abriga um palco gigante (bem, menor que o do Rock in Rio), três tendas (uma do tamanho do Olímpia, quase sempre lugar de atrações melhores que a do palco principal), inúmeras barracas de comida, quatro tendas enormes de bebida, várias lojinhas de roupas, discos, locais para tatuagem e um palco para um karaokê indie dos mais disputados e divertidos.

Quanto ao que interessa, a música, serão mais de 130 atrações nos três dias de evento. Britpop, hard rock, eletrônica, hip hop, indie, noise e punk em quase 12 horas de barulho diárias. A organização do Reading acredita que circula pelo festival em seus três dias cerca de 240 mil pessoas, que quase toda edição costumam detonar 150 mil litros de cerveja, 100 mil hambúrgueres e 50 mil donuts.

O Reading é o principal festival do mundo pelo seguinte: pega-se qualquer gênero da música jovem hoje, seja eletrônica, rock e rap. Se alguma banda de ponta não está na edição deste ano do festival, ou ela tocou no ano passado, ou vai tocar no próximo. Ou então não interessa.

Claro, não dá para escalar para qualquer festival uma banda com a fase que vive o Radiohead, por exemplo. Ou o Oasis nos áureos tempos. Ou o Nirvana pós 1992 etc. Esses por si só já teriam potencial para arrastar as 200 mil pessoas. Ofuscariam todas as outras atrações.

* Em uma rápida seleção, veja quais são as principais atrações deste ano do Reading.
- Sexta, 24: tem o excelente show do Travis, a volta do Green Day, a deusa PJ Harvey, o barulho do Amen, os veteranos Iggy Pop e Gary Numan, os eletrônicos cool do Lofidelity Allstars e Andy Weatherall, os indies britânicos Ash e Cosmic Rough Ryders, e a nova explosão americana com Strokes e Moldy Peaches. Mais The Posies, Arab Strap e Ladytron. Só isso.

- Sábado, 25: o absoluto Manic Street Preachers fecha a noite, tem o ótimo Supergrass, tem o gênio ex-pixie Frank Black, tem o avassalador Trail of Dead, que vai ao Brasil, tem os monumentais Teenage Fanclub e Guided by Voices, tem a energia do My Vitriol e tem a sublime banda nova Elbow. Mais Rocket from the Crypt, Folk Implosion, Feeder, Rancid, Nebula e o Lift to Experience.

- Domingo, 26: o polêmico Eminem faz o grande show da noite. O despirocado Marilyn Manson toca, o top Queens of the Stone Age arrebenta, O The Cult reaparece, o Staind e o Papa Roach fazem barulho, o ex-Pavement Stephen Malkmus emociona. Mais Lowgold, Gene, Oxie & Neutrino, Gay Dad, a bela Cat Power, o Roots Manuva.

* Não citei nem a metade. E claro que o festival vira aquele inferno, com dois shows bons acontecendo no mesmo momento.

Na próxima quarta, você tem aqui um resumo do que melhor aconteceu no Reading Festival 2001, com foto e tudo.


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U2 - ESSA EU NÃO PERCO

* Enquanto esta coluna estiver indo para o ar, vou estar dentro do Earls Court Exhibition Centre vendo o show que eu perdi em Barcelona, o do infamous U2. É o terceiro show dos quatro, esgotadíssimos, que o grupo do Bono vai dar aqui em Londres. Dei azar na abertura. Quem abriu o espetáculo de domingo passado foi a PJ Harvey. Hoje é a canadense/portuguesa/brasileira Nelly Furtado.

Lúcio Ribeiro

A frente do Earls Court Exhibition Centre,
com o cartaz do show do U2


(Horas depois)

Caramba. O U2 fez um showzaço que eu já tinha lido que era bom, mas não acreditava muito, já que as músicas do último álbum não me descem tanto.

E essas últimas continuam mais ou menos, embora melhores ao vivo. Agora, o resto do repertório clássico da banda ficou ótimo nessa nova fase "volta às origens" do grupo.

Sem a parafernália eletrônica descomunal que foi a PopMart Tour (que eu curti bastante, diga-se), o show ficou bem intimista. E a banda voltou a ser um grupo de rock formado por humanos.

Nisso, sobressai-se, além do Bono salvador do mundo que a gente já aprendeu a gostar, a fantástica performance do guitarrista The Edge, o melhor do show.

Foi fantástico no show da última terça ver e ouvir a banda tocar "Bad" e "Where the Streets Have No Name". Cool as fuck.

Valeu o preço do ingresso, que aliás eu não paguei. E o show foi em uma casa enorme chamada Earls Court Exhibition Centre, uma espécie de Pacaembu coberto.

É uma pena que a Elevation Tour não vai ao Brasil.

E na semana que vem darei aqui na coluna uns presentinhos do show. Você não perde por esperar.

E a camiseta da turnê Elevation, adquirida em Barcelona, tem dono. Quem faturou foi o...
Rangel Cruz
Recife, PE
obs.: em seu e-mail, o Rangel afirmou que se ganhasse a camiseta ia dá-la para sua amiga Delange, que merece o presente mais do que ele. Então vê se dá mesmo para ela, hein, Rangel.

Para não dizer que eu não vou dar nada do U2 nesta semana, quem quiser faturar o single "Beautiful Day", que tem a inédita "Summer Rain", é só escrever dizendo que gostou ou não de a banda ter desistido de ir tocar no Brasil, só para sentirmos a bronca. Manda aí seu parecer para lucio@uol.com.br.

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* Aqui se fala muito do álbum do New Order, "Get Ready", que foi lançado nesta semana. "Crystal", o single, é muito legal. O pouco que eu ouvi também agradou bastante. Na próxima semana eu falo mais do disco.

* Em época de shows espetaculares, Londres também tem seu lado freak. Toca nesta sexta em um bar local a inacreditável banda As Meninas, daquele hit podre que deve se chamar "Bom xibom xibombombom", o axé de protesto que saiu do Gugu para vir tocar em Londres, veja você. Só para analisar a perspectiva feminina da coisa, As Meninas devem entrar no palco na mesma hora em que a PJ Harvey vai estar dando seu show no Reading. É...

* O Oasis não está com nada, mesmo. Os ingressos para os três shows que a banda dos Gallagher vai dar em outubro (Londres, Manchester e Glasgow), em comemoração aos seus 10 anos de vida, demoraram uma hora para se esgotar, assim que foram colocados à venda, semana passada. Oasis já era. Antigamente levavam minutos apenas.

* Você pode querer me matar, mas o ranking que vai revelar quem é a maior banda indie do Brasil só vai ser publicado na minha volta ao país, em setembro. É coisa muito séria para colocar aqui, assim, no meio de tantos outros assuntos. Desculpa aí, tigrada indie.

* E está definido. A maior banda do mundo é o Radiohead. O favorito jornal dominical "Observer" soltou uma matéria dizendo que desde os Beatles uma banda inglesa não tomava de assalto os Estados Unidos e causava histeria no país, com um som tão... tão... particular. Não bastasse a capa recente da "Rolling Stone" e os shows esgotados em velocidade recorde quando nem divulgados foram, a respeitabilíssima revista "New Yorker" escalou o famoso crítico musical Alex Ross, mais acostumado a escrever sobre Mozart e Bach, para tentar "entender" o Radiohead. Ross penetrou na "ironia torturada" de Thom Yorke e ficou maravilhado.

* Falando na "New Yorker", o texto sobre o Radiohead está na edição que acabou de chegar às bancas, um imperdível especial sobre música. A edição é ótima mesmo. Tem um portifólio sobre o rap americano, um texto sobre a PJ Harvey e ainda o escritor Nick Hornby, aquele, analisando as 10 mais da "Billboard".

* E falando em Radiohead... PROMOÇÃO DA SEMANA. A loja paulistana Velvet www.velvetcds.com.br, uma das prediletas desta coluna, doou para sorteio aqui um álbum raro chamado "Kid Alive", registro ao vivo de uma apresentação do Radiohead no ano passado. O disco também tem música do "Amnesiac". Quer? E-mail para lucio@uol.com.br.

* E, a poucas horas de conferir ao vivo essa banda que todo mundo anda falando não sei por quê, este escriba continua sua saga de doar uma cópia feita em casa, caprichada, de "Is This It", o primeiro disco cheio do grupo nova-iorquino que é febre até no Brasil. Para ganhar o disco tem que escrever para lucio@uol.com.br e pedir. Difícil, hein.

O ganhador desta semana, que não vai precisar esperar até o final de setembro para ouvir o disco, responde ao nome de...
Margarida Lopes Dietrich
Florianópolis, SC.

* Quanto ao Video Music Brasil, algumas pessoas me escreveram para dizer que a palh..., quer dizer, a premiação foi de amargar. Não pude ver, mas imagino. Dois leitores mandaram e-mails enfurecidos para reclamar dos gaúchos do Bidê ou Balde, que fizeram bonito (?) e levaram o prêmio de revelação, acho. Mas na hora do agradecimento, em vez de falar sobre a cena independente e agradecer ao circuito de onde vieram, só louvaram a MTV, a gravadora, o Poladian...

* O Free Jazz adverte: o anúncio oficial da edição com Belle & Sebastian, Fatboy Slim, Grandaddy e Sigur Rós, fora o jazz, vai ser feito no começo de setembro. Os ingressos serão vendidos a partir da segunda quinzena do mesmo mês.

E tchauzinho. Preciso descansar para o Reading. Não vai ser mole. Até.

Lúcio Ribeiro, 41, é colunista da Folha especializado em música pop e cinema. Também é DJ, edita a revista "Capricho" e tem uma coluna na "Bizz". Escreve para a Folha Online às quartas.

E-mail: lucio@uol.com.br

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