Pensata

Lúcio Ribeiro

24/03/2006

Planeta dos macacos

"Find yourself a girl and settle down
Live a simple life in a quiet town"
Raconteurs, em "Steady as She Goes"

"Last night what we talked about
It made so much sense
But now the haze has ascended
It don't make no sense anymore"
Arctic Monkeys, em "From the Ritz to the Rubble"

"Hoje é terça-feira
E todos meus amigos
Todos teus amigos
Querem morreeeeeeeeeeeeeeer
Uuuuuuuuuuuuuuuuuh!"
Vanguart, em "Semáforos"


Ai, ai.

Voltei.

Tirando o Oasis e a chuvarada, perdi alguma coisa?

"As it soaks it to the bone", como canta o Liam em "Live Forever".

* Vai levar umas três colunas para eu descarregar aqui tudo o que aconteceu em Austin, Texas. Conforme eu vou lembrando, vou escrevendo.

* Sabe quem vai falar lá embaixo para você? Um novo-velho conhecido seu.

* Ainda oficiosa, a lista do Skol Beats corre a internet e confirma o que já sabíamos por aqui. Os ótimos Prodigy, LCD Soundsystem e Tiga, junto com DJs como Timo Maas, Renato Cohen, Plump DJs, fazem do festival mais um evento imperdível. A famosa publicação britânica "DJ Magazine" vai ter uma tenda para ela, estrelada pelo DJ Armin Van Buuren. A banda indie paulistana Cansei de Ser Sexy vai tocar no trio eletrônico junto com o DJ Camilo Rocha.

* Falando em Cansei de Ser Sexy, e como essa coluna já havia soprado, o grupo desta vez está indo longe demais. Tipo até o Canadá. Engata uma turnê americana em julho com o DJ meio brasileiro Diplo e o grupo curitibano Bonde do Rolê, de rock-funk (carioca). A turnê vai ter TRINTA shows, começando em Lansing, no Michigan, dia 12 de julho. Passa pelos principais lugares, como Boston, Montreal, Nova York, Austin, Seattle, San Francisco, Los Angeles. E termina em San Diego, na Califórnia. Tudo isso pelo melhor: o CD de estréia do CSS vai ser lançado no mercado americano pela lendária Sub Pop. Quando eu dei uma capa com o Cansei de Ser Sexy na Folha, no ano passado, choveu reclamações para o ombudsman. Exagero e tal. Banda de "turminha", insignificante. Chegaram a falar que eu tinha ganhado alguma coisa por trás, que o jornalista inglês que publicou matéria da banda no gigante "The Observer" também tinha recebido algum "agrado". Agora, 30 shows nos EUA e um contrato com uma gravadora como a Sub Pop depois...

* Outra banda que consegue se dar bem lá fora é a Bad Folks, também curitibana (também como o Bonde do Rolê. Não também como o CSS). Espécie de Wilco brasileiro, os folks do Bad Folks (hehe) tiveram um vídeo produzido pela produtora americana Mad Toy, de Nova York. Parece que rola na MTV gringa, em horários alternativos. O clipe é ótimo e pode ser visto no site da Mad Toy (www.madtoy.tv). A Mad Toy é uma produtora que faz TV, filmes, comerciais, pornografia, clipes para o Four Tet e Devendra Banhart. A música do Bad Folks é "Big White Chase". O clipe tem uma história que envolve tubarões. Outra hora eu explico a história. Vê lá.

* A Inglaterra pop já anda desesperada. Neste sábado, 9 da manhã, começam a ser vendidos ingressos para uma série pequena de shows que o amado Radiohead vai fazer por lá, em lugares nem tão grandes. Se você não vai dar essa sorte de ver os caras, não se preocupe. Logo mais vai sair um disco com covers do Radiohead, mais especificamente do "OK Computer", em versão toda ela... reggae. Radiodread.

É um projeto de uma gravadora do Brooklyn, chamada Easy Star, que já fez o "Dub Side of the Moon" e o "Jah Division". Dizem que a versão de "Dub Will Tear Us Apart", do Joy-Jah Division, é hit total. É sério. Não estou zoando. Não bem não estou zoando que esse "Dub Side of the Moon" vai ser tocado ao vivo no Via Funchal, em São Paulo, em maio (segredo: dá para ouvir "Money" rasta no site do Via Funchal...).

* A popular banda indie gaúcha Cachorro Grande é a mais nova atração da lista do Campari Rock 2006, festival curado por este colunista e que acontece brejeiro, em Atibaia, no dia 8 de abril agora. Glastonbury Who? Reading Festival What? Festival puxado pelo grande Supergrass, toda a info está em www.camparirock.com.br. No clube Vegas, em São Paulo, na quinta dia 6, vai acontecer a festa oficial de lançamento do festival. Você é meu convidado. Pode pintar surpresas, lá.

* No avião, nos EUA, agora é assim. Quando está para decolar, o comandante solta o aviso para desligar, nessa ordem, celulares, iPods, computadores, pagers... O iPod já é citado em segundo lugar em aeronaves. Não é "aparelho de mp3". E está na frente de computadores.

AP
Este à direita é o Peter Doherty (Libertines/Babyshambles), saindo da côrte em Londres, onde se proclamou culpado das acusações todas de porte e uso de drogas. Aquele ali à esquerda é o microfone da loira da BBC, que está voando depois de uma bica certeira do Doherty nele





TEXANAS

* Ainda sobre a bagunça do Texas... "Don't mess with Texas" qual o quê. Austin está para a nova música assim como Davos está para a economia. O balanço final do festival South by Southwest é de que tudo foi lindo, hotéis lotados, formigueiro humano nas ruas e nos bares, mas o festival precisa ser repensado para suas edições futuras. A cidade corre o risco de entrar em colapso, segundo os editoriais pós-evento dos pacatos jornais locais.

* Há um fascínio qualquer do pop com o mundo dark, sinistro. Com os mais soturnos climas, as mais cavernosas vozes, tipo Joy Division, Sisters of Mercy, Bauhaus. Echo & The Bunnymen do começo. O que havia ficado evidente com o lindo Interpol, há uns dois anos, ficou escancarado no último South by Southwest. Há algo de muito daaaaark no ensolarado mundo globalizado, da internet e dos iPods.

Três dos destaques do South by Southwest 2006 parecem ter no vocal o Boris Karloff. Editors, da Inglaterra, já algo conhecida e deliciosa, e as novas americanas de nomes-frase She Wants Revenge e I Love You but I've Chosen Darkness. Esta última, que já diz tudo no seu nome ótimo, é da Austin do festival. Banda da casa.

O disco do Chosen Darkness, recém-lançado, não está para brincadeira. A capa é gótica, preta, tem um coração atravessado por uma cruz de ponta-cabeça e o nome do álbum é "Fear Is on Our Side" (O medo está do nosso lado). A música que abre o CD é "The Ghost".

Brrrr. Confira a ótima "According to Plan", do I Love You But I've Chosen Darkness, na página da banda no My Space (www.myspace.com/chosendarkness).

* Das bandas novinhas que vi lá no South By Southwest, adorei todas. O Rakes, de Londres, foi um absurdo. Intenso, alto, com o vocalista Alan Donohue turbinado, elétrico. Ele dá caratê no ar, dança robôtico-epiléptico como o Ian Curtis. Ele capitaneia a nova onda fashion street inglesa das camisas pólo, junto com os carinhas do Arctic Monkeys. Tocaram num boteco bem pequeno, junto com o The Others. Derrubaram a casa. O Guillemots foi tudo de bom. É um Coldplay mais barulhento, experimental. O guitarrista brasileiro MC Magrão domina. O americano We Are Scientists é muito bom ao vivo, tanto quanto no disco. Vi os caras ao vivo numa session para rádio, com o freio de mão puxado, e já tinha achado bom. No palco, com todo o barulho solto, foi melhor. "The Great Escape" e "Nobody Move, Nobody Get Hurt" são muito hits, já. Tocam direto na 101-X FM, de Austin. O Young Knives, de Oxford, é estiloso e muito bom. Todo mundo de terninho tocando punk rock tipo zoeira. Só que muito sério. Clap Your Hands Say Yeah foi o máximo. Mais pesado que o disco. Ao vivo, nem parece tanto um neo-Talking Heads (o que no caso nunca foi uma coisa ruim). Outros shows legais: Kooks, Spinto Band, The Brakes, Be Your Own Pet, She Wants Revenge. O Subways foi bem legal, mas a menina da banda dava nos nervos, de tanto que ela balança a cabeleira. Não fica tonta nunca? Adorei o show do grupo mutante Animal Collective, de Baltimore, que vira e mexe troca seus integrantes, mas caminha na mesma proposta: pop freak experimental. Para quem pensa que o som é tranquilo, íntimo, como nos discos, precisa ver a banda ao vivo. 100% noisy. Morrissey merece um capítulo à parte, fica para uma próxima. Devo ter visto mais coisas, mas agora não lembro. Se faltar algum importante, conto depois.

* Bandas/artistas que eu, infelizmente, perdi, porque não dava para se desdobrar em dois Lúcios: Dresden Dolls, Goldfrapp, Giant Drag, Eagles of Death Metal, Willy Mason, Beth Orton, The Go! Team, Echo & The Bunnymen, Hot Chip, Charlatans, Lenine (brincadeira), Gogol Bordello, dEUS, Secret Machines, Snow Patrol, Superchunk e uns outros dez que eu assistiria fácil.

* Bandas no Sxsw com nomes legais/bizarros: The Birthday Massacre (Toronto), Bible of the Devil (Chicago), controller.controller (Toronto), Die! Die! Die! (Nova Zelândia), Facedowninshit (Greensboro), Holy Fuck (Toronto), Lesbian on Ecstasy (Montreal), The Morning After Girls (Austrália), The Metrossexuals (Dover), Oh, Beast! (Austin), Pistolita (San Diego), +- (Nova York), Quit Your Dayjob (Suécia), Shout Out Out Out Out (Edmonton), They Shoot Horses Don't They (Vancouver), We Say Party! You Say Die! (Vancouver), What Made Milwaukee Famous (Austin).

* Conclusão: só tem doente no Canadá e no Texas. Isso porque eu não botei na lista a mencionada I Love You but I've Chosen Darkness.




EU E A BUFFY, A CAÇA-VAMPIROS

Fim de festival, tudo normalizado, eu e um amigo procuramos o que fazer na noite livre de Austin, pós-festival. A cidade estava meio vazia, o povo parecia que estava tendo o sono dos justos. Aí uma fila gigante chamou a atenção. Alguma banda legal fazendo show extra?

Não, era um cinema. Cinema indie. De programação bizarra, depoooooois descobrimos. A atração da noite era algo chamado "Buffy Sing-A-Long". Algo que envolvia a Buffy, a caça-vampiros. Entramos, lógico.

Na porta, depois de pagar o ingresso, ganhava-se um isqueiro, um tubinho de fazer bolhas de sabão e dentes de vampiro, daqueles de plástico, que já estava esgotado na hora em que chegamos.

Aí a balada era o seguinte: entrava um "animador de torcida" para falar do evento, anunciar a programação do próximo mês e dizer que todos lá iríamos viver o mundo da Buffy de um modo que seria lembrado mais do que nossos casamentos, mais do que nosso primeiro beijo, mais do que o nascimento do nosso primeiro filho. Medo!

Mas que primeiro ia passar um episódio de "Angel", o namoradinho vampiro da Buffy (mas com alma) que ganhou seriado próprio. Um em que Angel é transformado em muppet por uns muppets do mal que ficam sugando a energia de crianças nesses programas de TV matinais.

Quando acabou, um casal foi convidado a dublar lá na frente uma cena de amor da Buffy com alguém lá. O som foi tirado, legendas apareceram e o casal dublava.

Aí veio o episódio em si, inteiro e especial, na tela de cinema, da Buffy. Era um especial em que as pessoas da cidade dela sofreram alguma maldição e não conseguiam mais falar normalmente. Só cantar, como se estivessem em musicais.

Aí éramos convidados a cantar junto (apareciam as legendas com as letras na hora de cantar), acender o isqueiro na hora de uma música tipo romântica e levantar para dançar esquisito na cena em que eles dançavam esquisitos, de mãos dadas com as pessoas da poltrona ao lado (a menina do meu lado, que me deu a mão, usava os dentes de vampiro postiços). Teve a parte de fazer bolha de sabão também, numa cena que não lembro mais, mas que todo mundo no cinema fez.

No próximo dia 30, quinta, para quem estiver em Austin, neste mesmo cinema vai ter a noite "The Journey Sing-Along". Lembra a banda Journey, não? Então...

* Adoro os EUA.




ELES: ARCTIC MONKEYS!

Os 363.735 britânicos que compraram o disco deles na primeira semana de lançamento não podem estar errados. David Bowie, Mick Jagger e Noel Gallagher, fãs declarados deles, não podem estar errados. O festival South by Southwest, com 1400 bandas e 65 bares, reservar um galpão gigante para o show deles não podia estar errado. A banda inglesa Arctic Monkeys, no quesito "música que importa hoje", é mesmo a tal.

"Ei, Alex. Seu disco vai ser lançado em breve no Brasil e eu queria falar um pouco sobre ele com você. Podemos conversar amanhã?", disse este colunista a Alex Turner, 20 anos, o líder do grupo que é fenômeno da internet, recém-chacoalhou a parada de álbuns e singles do Reino Unido, está no meio de uma agitada turnê nos EUA (13 shows esgotados há tempos) e, naquele momento, aproveitava a fama indie bebendo com companheiros de bandas e amigos de muitas outras bandas no pequeno bar Eternal, que só pode vender bebidas para maiores de 21 anos.

Turner, assim como alguns caras dos Strokes, metade do rock inglês presentes no colossal festival de música nova do Texas, os DJs da Radio One inglesa (BBC), os atores Ellijah Wood e Charlize Theron, se espreme no bar Eternal para ver o show-surpresa do Flaming Lips, a primeira apresentação americana do Dirty Pretty Things (ex-Libertines) e o badalado Clap Your Hands Say Yeah (Nova York) fechando a noite. O Arctic Monkeys, de Turner, só tocaria no dia seguinte.

"Cara, eu não sei o que vão me dizer para fazer amanhã, onde vão me levar. Sei que tenho alguns programas de rádio, uma TV e um jornal americano para atender. Você vai ao show amanhã. Consegue chegar mais cedo lá?", falou Alex Turner, que acabou de sair da adolescência, mas carrega no rosto tantas espinhas que parece estar no auge dela.

"Você é do Brasil?", disse Turner, lendo a credencial do repórter. "Eu tenho uma coisa com o Brasil. Eu sonho algumas vezes que eu estou no país. Como é o rock lá? Adoraria ir para o Brasil algum dia", falou, sem saber explicar o porquê da encanação brasileira.

O papo continuou e Alex Turner falou do zunzum todo que cerca o Arctic Monkeys, os shows nos EUA e a vida de novo rock star.

"Os shows aqui na América têm sido intensos. O bom é que nunca sabemos o que vamos encontrar. Tem lugares que já nos adoram sem nunca ter nos ouvido.

Tem lugares que já não gostam da gente de cara, por causa de tanta falação por causa do lançamento do nosso disco na Inglaterra e das vendagens. Eu não ligo e só me divirto. Tudo é novo para nós", afirmou Turner.

O primeiro CD do Arctic Monkeys, "Whatever People Say I Am, That's What I Am Not", será lançado no Brasil pela gravadora Trama agora no começo de abril, segundo o previsto. Quando saiu na Inglaterra, no fim de janeiro, bateu o recorde de "o disco de estréia que mais vendeu na primeira semana na história da música inglesa". Fora do Reino Unido, "Whatever" segue causando bons estragos. Atingiu o número 1 na Austrália na semana do lançamento. E bateu no 24º lugar nas paradas americanas, o que está longe de ser pouco: é o mais alto posto alcançado nos EUA por uma banda indie de guitarras desde que a "Billboard" existe.

Na Inglaterra, a "monkemania" move a garotada. Considerado poeta da nova geração, junto com o problemático Pete Doherty, Alex canta o dia-a-dia de um moleque inglês comum. Mas mistura nas letras, junto com a tentativa de azaração de uma menina bonita numa pista de dança, citações de Shakespeare e conhecimentos de um passado musical de um tempo em que nem era nascido, como em "I Bet You Look Good on the Dancefloor". A música é o primeiro single oficial do Arctic Monkeys, que também bateu no primeiro da parada britânica, a época em que Coldplay e Franz Ferdinand não conseguiam ultrapassar o sapo de ringtones Crazy Frog nas vendagens.

"A música 'Dancefloor' não é sobre nenhuma menina em particular. É sobre milharess de garotas que já me puseram nessa situação de olharem para mim num clube ou bar, eu ficar interessado, mas depois dizerem que eu imaginei que elas estavam olhando", afirmou Turner, sobre o tal primeiro single que, quando chegou às lojas, o Arctic Monkeys já era conhecidíssimo por frequentadores da internet e já abarrotava tanto seus shows pela Inglaterra que muitas vezes o concerto era transferido para lugar maior.

Hoje em dia, por causa do Arctic Monkeys, isso com as meninas não deve estar acontecendo muito mais, não?

"Agora não muito", disse, sorrindo, enquanto tentava dar alguma atenção à performance da banda Dirty Pretty Things, que é o Libertines de nome novo.

"O Libertines foi a principal banda da Inglaterra dos últimos anos. Minha predileta, depois de Oasis", disse o líder do Arctic Monkeys, que confirmou ter desenvolvido seu aprendizado na guitarra tocando músicas de Libertines e Strokes.

Porta-voz dos teens ingleses como o primeiro e fenômeno de internet como o segundo, o Arctic Monkeys parece exatamente ser um produto originado do melhor que tanto Libertines e Strokes entregaram à música pop nos últimos anos. Mas com uma performance ao vivo bem mais empolgante.

O AM lembra inclusive o citado Oasis quando apareceu, num paralelo ao resgate do orgulho britânico que os Gallagher ajudaram a causar, nos anos 90, época de domínio da estética grunge americana no pop. Com influência até na moda street da periferia das cidades inglesas, o Arctic Monkeys provocou uma engraçada onda de procuras por camisetas pólo das marcas britânicas, tal qual os meninos da banda usam, indicando um esgotamento do estilo chav, que com calças de agasalhos Nike e camisetas folgadas, procuravam imitar os rappers americanos. É o chamado sentimento "anti-Nike".

O Arctic Monkeys não tem encantado só os mais novos. O jornalista pop, radialista e escritor britânico Andrew Collins escreveu na adulta revista "Word" que a banda de Alex Turner mudou sua vida e é a melhor coisa que ele vê na música desde os Smiths. Collins, 41 anos, aponta que sua primeira adoração na música foi o Electric Light Orchestra, em 1977.

O crítico e escritor Simon Reynolds, mapeador do punk inglês e americano, foi convidado a resenhar o CD de estréia do AM para a revista americana "Blender" e disse que o disco é um vivo e vigoroso documento da dura vida de um teenage em Sheffield (terra do Arctic Monkeys), mas reverberando no mundo todo.

"Quando o disco sai no Brasil? Abril? Aparece no show amanhã, para conversarmos mais", disse Alex Turner. Apareci. Antes e depois do show, não havia a menor condição de chegar perto dos Arctic Monkeys.




ARCTIC MONKEYS - O SHOW DO SXSW

No incendiário show no South by Southwest, com dois minutos de música rolando já dava para desenhar um quadro do que é esse Alex Turner. Ele carrega, tudo junto, a animosidade de Liam Gallagher, o olhar perdido de Kurt Cobain e às vezes o deboche de Johnny Rotten.

Turner entrou com capuz da blusa na cabeça e já encasquetou com os fotógrafos da frente. "Por que vocês tiram tantas fotos? Tira uma e sai!"
O show começou incendiário. "The View from the Afternoon", que abre o disco, abriu também o concerto. A platéia americana, que entupia o galpãozão do La Zona Rosa, ficava parada, no máximo balançando a cabeça.

Do lado esquerdo do palco, um grupo de ingleses pulava loucamente. Alex Turner era um furacão. É o tipo do cara que não está ali para "mais um show". Ele se esgoela, a veia do pescoço salta visivelmente, como se fosse o último show da vida dele.

A cada final de música, descia o Liam Gallagher no menino. Era a hora de afinar a guitarra, que ficava totalmente desafinada pela violência que era tocada e sacudida a cada música. E, enquanto afinava, ganhava tempo zoando a platéia, tipo mal-humorado.

"Estão gostando do show? Se a gente não conseguir assinar com ninguém nos EUA, a gente volta aqui no ano que vem, no South by Southwest."
A platéia também zoava com ele. "Babyshambles", gritavam uns caras do público.

"Acho que não", ele respondia.

"Bloc Party."

"Bloc Party é cool"

"Libertines."

"Libertines é demais".

Fim das opiniões de Turner sobre o rock inglês, voltava a pauleira.
No meio do show, o grupo que pulava com a trupe inglesa da platéia já era bem mais entusiasmada que a do começo do show.

A temperatura seguiu alto até o final do show, e aumentou bem nas duas últimas músicas. Em "Fake Tales of San Francisco", Alex Turner chama o guitarrista do We Are Scientists, Keith Murray, para o palco e dá sua guitarra para ele.

A banda toca em alta velocidade, o galpão balança, Turner fica para lá e para cá no palco. Perto do final da música, na parte pesada da música, joga o microfone do chão e vai para o fundo do palco. Depois, em alta velocidade, mergulha de cabeça no povo embaixo, no salto mais longe que eu vi alguém dar do palco à platéia em toda a minha vida no rock.

Carregado de volta ao palco, é hora de encerrar o show com a linda "A Certain Romance", que começa ska e acaba em vendaval punk.

Nessa hora, os americanos inteiros do La Casa Rosa já pulam junto com a banda. Aí vem o final óbvio. Turner de pé em cima da bateria, guitarra voando longe, a banda inteira derrubando todas as caixas de som.
Jovens...




ARCTIC MONKEYS - O DISCO

Acompanhe o faixa-a-faixa de "Whatever People Say I Am, That's What I'm Not", que sai em edição nacional no começo de abril, pela gravadora Trama. Isso, claro, para quem já não tem o disco desde novembro, quando apareceu na internet.

1. The View from the Afternoon

Rock rápido e vocal largado estilo Oasis, contando sobre as coisas incríveis e estúpidas que você faz, bêbado, à noite, mas que não as faria de jeito nenhum à tarde. O refrão, de guitarras, é ótimo.

2. I Bet You Look Good On the Dancefloor

A música do ano na Inglaterra. Tão pesada quanto dançante e sexy, mas não é nem perto a melhor do disco. Mistura na letra problemas com garotas, pista de dança que toca anos 80, DJs e Shakespeare. Hino da geração internet desde o ano passado.

3. Fake Tales of San Francisco

Outro som agridoce, dançante e pesado, sobre bandas e público de show que pensam que são mais importantes do que são. O Arctic Monkeys não acreditam em hype e você até acredita na banda.

4. Dancing Shoes

Mais suingada, o baixo comanda quase toda ela e a vontade de dançar pogo domina as pernas, até que as guitarras vêm para destruir tudo. No bom sentido.

5. You Probably Couldn't See the Lights but You Were Looking Straight at Me

Um dos pós-punks mais rápidos do disco, mas no fundo é uma linda canção de amor.

6. Still Take You Home

Pop dedicado às "celebridades". Cheia de sotaque do norte da Inglaterra. Boa, mas normal.

7. Riot Van

O Arctic Monkeys desacelera total, com uma balada guiada por uma guitarra ao fundo que o Red Hot Chili Peppers daria qualquer coisa para fazer. Sobre tentar discutir com policiais para não acabar presos.

8. Red Light Indicates the Doors Are Secure

Aqui o fantasma atual do The Clash assombra a nova geração. Deliciosa e sobre problemas teens mundanos. Alex Turner faz poesia sobre tentar pegar um táxi depois da balada, bêbados, com o taxista não querendo aceitar seis caras no carro. Especialmente com comida nas mãos.

9. Mardy Bum

Aqui a herança é mais atual. Os anos ouvindo e treinando guitarra ao som do Libertines geraram esta canção. O papo aqui é sobre uma namorada temperamental. Linda.

10. Perhaps Vampires Is a Bit Strong but...

O peso volta, a música é cheia de efeitos e cheias de fases. Uma pequena opereta teen esquisita e barulhenta. Às vezes faz sentido, às vezes não.

11. When the Sun Goes Down

Outro hino do disco, também primeiro lugar na parada. Começa calminho, depois arrebenta. É sobre uma zona de prostituição de Sheffield, onde a banda costumava ensaiar. Uma garota de lá disse certa vez para a banda: "As coisas aqui mudam bastante quando o sol se põe". Virou música.

12. From the Ritz to the Rubble

Outra pesada e dançante, calma e depois desesperada. Como se o Franz Ferdinand enlouquecesse

13. A Certain Romance

Grand finale. Talvez a melhor do disco. Começa com um skazinho tipo Charlie Brown Jr, mas acaba como se Kurt Cobain e seu Nirvana tivessem resolvido tomar conta da situação. Sobre um dia-a-dia teen, bandas, garotas, amigos. Tudo o que importa (para eles). Costuma fechar os shows e causar pandemônio na platéia.




ARCTIC MONKEYS, PERGUNTAS E RESPOSTAS

Uma coisa é falar do Arctic Monkeys aqui, na coluna. Outra é dar os caras na capa da Ilustrada, na Folha de S.Paulo, como saiu nesta sexta. Ali eu tenho que justificar bem o motivo do espaço todo para essa banda nova e "hypada". Então, antes de pintar a capa, fui sabatinado sobre "qualé dessa banda inglesa aí". Foi assim:

* Arctic Monkeys é bom porque é um fenômeno ou é um fenômeno porque é bom?

É uma feliz combinação das duas coisas. Existe uma onda dançante no novo rock inglês e o Arctic Monkeys faz parte dela, mas bota peso nessa onda, sem perder as batidas groovies. De um outro lado existe também uma interessante onda neopunk no novo rock inglês e o Arctic Monkeys é também representante dela, mas também destoa dela por ter elementos dançantes. É uma banda que pertence ao mesmo tempo às duas cenas mais importantes do rock inglês em anos.

* Quanto do hype se deve à novidade de a banda estourar pela internet e driblar as gravadoras (adolescentes adoram isso) e quanto realmente se deve à qualidade musical?

50% das duas. Há algo romanceado no sucesso deles, por causa no drible das gravadoras, mas o som se sustenta por inúmeras razões. Hoje surgem 300 bandas novas todos os dias ao alcance dos teens, via internet. Mas só as que têm algo mais resistem ao primeiro single, depois ao primeiro disco comercialmente lançado e ao primeiro grande show em lugar de destaque. O Arctic Monkeys já passou muito dessas provas.

* A crítica pop, em geral anglófila, não aderiu muito rápido aos rapazes, sedenta de novidades e de provar que a Inglaterra ainda é a poderosa do rock?

Isso é um raciocínio que nem faz mais tanto sentido agora, por causa da globalização criada pela internet. Hoje a crítica pop se sente próxima tanto do Arctic Monkeys, de Sheffield, quanto do Clap Your Hands Say Yeah, de Nova York, do Dungen, da Suécia, do Cansei de Ser Sexy, do Brasil, ou do Franz Ferdinand, da Escócia. Quando a anglófila crítica pop geral percebeu a presença do Arctic Monkeys, eles já lotavam shows de 2000 lugares e tinha 25 músicas disputadas a tapa na internet por garotos de todas as idades e de todo lugar do planeta. Um conhecido e veterano crítico inglês começou assim sua resenha do disco do Arctic Monkeys, na edição de fevereiro da revista "World". "Quando eu contei para minha filha de 16 anos que eu ia resenhar o disco de estréia do Arctic Monkeys, ela não se mostrou particularmente impressionada. 'Sim, eles são assunto agora', ela disse. 'Mas nós já temos todas essas músicas deles nos nossos iPods há décadas'."

* Ainda ouviremos falar desses caras daqui a alguns anos, ou vai ser mais uma "rapidinha" do efêmero universo pop?

Ah, o futuro... Daqui a cinco anos a banda pode nem existir mais, mas quando se olhar para trás na música pop, tipo para 2005/2006, todo mundo vai lembrar do que eles causaram.




POPLOAD TOUR 2006

Atração internacional na festa Rock Fellas, no clube Vegas, quinta que vem (dia 30). Na pista, junto com este colunista, toca o inglês Oliver Dixon, da dupla Filthy Duke Remix, anarquistas electropunks britânicos que têm remixes ótimos de Rakes e Maximo Park. O remix deles para o Rakes, da espetacular "22 Grand Job", eu toco desde o ano passado em pista. Citei uma vez na coluna. Um dia, chega um email, do Oliver, em inglês: "Eu vi que você citou o remix do Filthy Duke Remix pro Rakes. Eu sou parte do Filthy Duke. Não sei se você falou bem ou mal, porque não entendo português. Mas estou morando um tempo em São Paulo e queria discotecar em algum lugar."

Então. Vai ser nesta quinta.

* No dia seguinte, dia 31, a Popload ruma para Curitiba. Sábado, a balada é em Londrina. Detalhes na próxima coluna.

* Sem os discos, a Popload vai neste fim de semana para Alagoas, onde acontece o FMI, Festival de Música Independente de Maceió. O festival acontece de sexta a domingo, no teatro Deodoro e no Armazém Usina. Atrações: Bonsucesso Samba Clube (PE), Wado (AL), e Negroove (PE), Cidadão Instigado (CE), Experiência Ápiyus (RN), Xique Baratinho (AL), Mopho (AL), Jackson Envenenado (PB), Sonic Jr (AL), Tom Zé (BA), Living in The Shit (AL), entre outras.




PROMOÇÃO DA SEMANA

Então fica assim. Emails para lucio@uol.com.br concorrem a:

* um par de ingressos para o Campari Rock 2006

* um pacote Trama com os lançamentos do Babyshambles e do Belle & Sebastian

* Uma bolsa cool do South by Southwest, o festival do Texas




VENCEDORES DAS PROMOÇÕES

A loooooonga lista dos vencedores das promoções da coluna, toda atualizada, vem ao ar ainda hoje. Pode ser ou não?
Lúcio Ribeiro, 41, é colunista da Folha especializado em música pop e cinema. Também é DJ, edita a revista "Capricho" e tem uma coluna na "Bizz". Escreve para a Folha Online às quartas.

E-mail: lucio@uol.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca