Pensata

Lúcio Ribeiro

03/04/2002

Electro eu, electro você e o renascimento do rock

Alô!tr
Chamada internacional a cobrar de Lúcio, dos EUA.
Aceita a ligação?
Não?!?

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Atende aí. Preciso dividir com alguém esses primeiros três dias em Nova York e arredores. Apenas 72 horas aqui e meu cérebro já foi completamente
fritado, de tanta informação.

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Primeiro, um recado para os e-leitores do sexo masculino. Você sabe fazer
tricô? Então como você mata o tempo enquanto um show não começa, sua namorada não chega, no intervalo das aulas, no metrô? Vou voltar a essa história esquisita na semana que vem. Enquanto isso, comece a aprender uns pontos. Seu sucesso no amor pode depender disso.

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Vamos logo à talagada semanal. Ready to go?

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O RENASCIMENTO DO ROCK
(SEGUNDO O "NEW YORK TIMES")

Uma boa notícia para gente como a gente. E um toque para as revistas e
cadernos culturais do Brasil. O rock renasceu no domingo passado.
Você deve saber, no planeta em que habitamos existem alguns prestigiosos e influentes jornais. Dentre eles, talvez o mais-mais de todos é o poderoso "The New York Times", que pauta a maioria dos jornais e revistas
brasileiros de grande circulação.

Pois então talvez agora nossos veículos culturais acordem para o que o
"NYT" constatou em sua majestosa edição dominical.

A indústria americana de discos, as paradas e o entusiasmo dos críticos pop comprovam: o rock tem vivido um renascimento em duas frentes e está
empurrando o hip hop e o teen pop para baixo no ranking de interesses do
público jovem.

As duas frentes, segundo análise do jornal, são o "mainstream revival",
liderado pelo Linkin Park, e o "alternative revival", comandado pelos
Strokes.

O jornal, não é preciso dizer, está pelo menos um ano atrasado, mas o texto mesmo fala que a constatação do "fenômeno" é baseada em observações e números que vêm sendo registrados desde 2001.

É que o fator "rock" só agora entrou nas prioridades do "New York
Times".

Trocando em miúdos, o artigo diz que essas duas bandas habitam mundos
diferentes, mas ambas têm aberto o caminho para o surgimento e/ou aceitação de vários outros grupos de seus, hã, segmentos.

E que os dois "revivals" têm reaquecido o mercado em torno do rock, seja na prioridade de gravadoras, na organização de turnês, em espaço conquistado em mídia, dando audiência na MTV e tal.

Quem arranha no inglês e quiser ler o artigo inteiro, saiu domingo passado e deve estar no nytimes.com

Uma vez que o "New York Times" despertou para o rock, quem sabe as publicações brasileiras e aquilo que seria a indústria de música (rádios,
gravadoras) no país vão dedicar um pouco mais de atenção ao "fenômeno"
atual e às bandas que interessam de verdade. Em vez de perder tempo com a
volta do RPM, o disco do umbigo do Lenine e essas coisas deprimentes que
vemos em nobres espaços, por todo lugar.

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THE OSBOURNES

Renascimento do rock é isto aqui.



Assisti ao espetacular "reality show" da MTV estrelado pelo malucão Ozzy
Osbourne e sua família.

O programa, que está em seu quarto episódio (acho), é a nova coqueluche da TV americana. Na semana passada, atingiu uma audiência de 6 milhões de
pessoas, a maior da história da MTV nos 24 anos da emissora.

É celebrado como o novo "Simpsons", o novo "Beavis & Butt-Head", e tem
provocado reuniões e reuniões nas salas dos grandes canais de TV dos EUA,
tipo NBC.

O programa, semanal e de meia hora de duração, mostra o cotidiano do velho e algo decrépito Ozzy junto a sua família: mulher mandona, filho careta, filha riot grll.

As imagens são todas de dentro da mansão do roqueiro, em Beverly Hills, mas ninguém precisa ficar preso no casarão. Saem, voltam, trazem amigos.
É o programa de maior quantidade de "bleeps" da história da TV. E a mulher de Ozzy, Sharon, é a que mais fala a palavra "fuck".

Ozzy está demais. A casa está cheia de caveiras, artigos "metal", essas
coisas, mas o cara está o maior paizão, classe média. Ao mesmo tempo que
briga com vizinhos e joga um frango assado no jardim do desafeto, dá bronca na filha por causa de uma tatuagem e fica todo preocupado porque a menina foi ao ginecologista.

Em uma hora, aparece dando leitinho para os gatos ou levando a cachorra para passear e fazer as necessidades na rua. Em outro, aparece de frente para a câmera, com a cachorra no colo, com cara de tarado fazendo movimentos como se estivesse "abusando" da coitada.

É engraçado ver que o roqueiro, que há muito não está na ordem do dia no
rock e tem uma certa paralisia de um dos lados (manca, mexe só uma mão e tem a fala meio enrolada), consiga atrair uma audiência de milhões.

Em tempos de "BBB" e "Casa dos Artistas", a MTV brasileira PRECISA
importar logo esse "The Osbournes". Vai dar mais resultados do que 90% da
programação jovem esperta da emissora.

* Ou ainda fazer uma versão abrasileirada de "The Osbournes", tipo "Os
Antunes", "Os Caetanos" ou "Os Lenines", mostrando o incrível dia-a-dia
de nossos ídolos da música nacional. Fica a idéia.

* Cena de "The Osbournes".
Ozzy dando um ronco no sofá, até ouvir que sua mulher planeja encher o palco com bolhinhas de sabão, no próximo show do roqueiro.
"Bolhinhas de sabão? Querida, eu sou o Príncipe das Trevas..."

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ELECTRO TUDO

O bicho pegou mesmo. E aqui em Nova York já ouvi muito mais rótulos no
registro da cena do que os mencionados na semana passada. Muitos clubes da cidade tocam electro. Fui ao show do ótimo Le Tigre (mais abaixo), no último sábado. A feminina banda foi saudada como electro-rock pela "Time Out NYC".

O show de abertura foi de um tal de My Robot Friend, favorito da cena
electro nova-iorquina. O cara tocava um tecnopop a lá Kraftwerk numas horas, um Yazoo em outras, quando chamava uma garota para o vocal. Som programado, o Robot mandava ver numa guitarra tosca.

No sábado mesmo, descobri, assim que cheguei à cidade, ia ter, na mesma
noite...

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MISS KITTIN AO VIVO

Dei sorte de ter caído no lugar certo, na hora certa. No dia em que cheguei, descobri que a musa do electro, a francesa Miss Kittin, que até foto ganhou na coluna da semana passada, ia fazer uma apresentação com seu parceiro The Hacker em um clube de Manhattan chamado Centro-Fly.

O melhor: a noite seria inteira uma celebração do electro, já que ia ter,
além do show da Miss Kittin, a apresentação do Crossover, outra dupla
darling da cena. E no comando do som da casa estava o fera DJ Hell, da
International DJ Gigolo, a principal gravadora alemã para sons eletrônicos, que dissemina o electro na Europa há pelo menos cinco anos.

Assim que acabou o Le Tigre (mais abaixo), fui direto para o Centro-Fly. Uma fila gigante na porta entregou onde era o local. Uma hora depois, conseguia entrar no local, que ia entupindo, entupindo.

O som do DJ Hell foi espetacular. E a luxuriosa Miss Kittin matou a pau.
Enquanto seu colega The Hacker introduzia batidinhas tecnopop da estirpe do New Order no começo, em cima do som programado, Miss Kittin ia mandando ver seu vocal provocante, sussurrado, sensual de fazer mexer até poste.

Depois de ficar repetindo a letra em "my girlfriend is a stripper" por
umas cem vezes, numa canção que seria Soft Cell se o vocal fosse masculino (?!?), Miss Kittin tirou o vestido e ficou de minissaia preta e espartilho vermelho. "Are you ready for dance, sensual dancing, americans?", instigava.

Essa mulher é o bicho. Vai atrás dela.

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LE TIGRE AO VIVO

Volto ao assunto mais para falar do clima do show do Le Tigre do que
propriamente da ótima apresentação, divertida, movimentada e colorida, das garotas feministas até a medula.

Fácil, o lugar era ocupado em 90% de sua capacidade por mulheres. Eu e minha namorada deveríamos ser o único casal heterossexual da casa.

Uma espécie de animadora da noite, uma garota de terno e gravata, fez uma
pesquisa, antes do Le Tigre voltar para o bis. "Quem aqui é hetero?",
perguntou, ouvindo umas respostas tímidas. "Quantos homens gays?", e o
coro desta vez foi mais grosso (?). "E lésbicas?". Aí a casa veio abaixo.

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WHITE STRIPES AO VIVO

Este foi na Filadélfia, uma hora de trem de Nova York, mais ou menos.
Aproveitei e entrevistei a hypada banda de Detroit, no camarim. Achei que
fosse falar só com o genioso Jack White, mas o tour manager do grupo, ao me levar ao local do papo, disse que a cool baterista Meg ia participar. Achei legal.

Cheguei e ela estava lá, toda solícita, sorridente. Das dez perguntas que eu fiz, ela não abriu a boca em nenhuma, só balançando a cabeça afirmativamente a cada resposta de Jack. Sempre sorrindo. Engraçada a Meg.

O show foi o que dá para esperar de uma banda como o White Stripes. Foi do apenas bom para o excelente à medida que o tempo passava. A dupla evitou tocar os sucessos. Foi um show de blues insano o tempo inteiro. De muito conhecida, o WS só tocou "Fell in Love with a Girl", de má vontade, de modo protocolar, em alta velocidade para voltar mais rápido ao blues.

A disposição da dupla no palco é assim: a bateria de Meg fica à frente,
lado a lado com Jack e suas guitarras. Jack usa dois microfones. Um de
frente para Meg e outro, para o público. Meg toca o tempo inteiro de olho
fechado, fazendo pose. Jack se esguela, pula, se joga no chão. Na última
música da noite, "Why Can't You Be Nicer to Me", de levada diferente do
disco, a guitarra de Jack acabou com uma corda só.

Foi isso. Devo vê-los de novo nesta sexta, agora em NY. Comparo os dois
shows na coluna da semana que vem.

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MISCIGENAÇÃO

Tive um feedback melhor do que esperava, quanto à história da semana
passada, em que esta coluna defendia que o lance é sair do gueto e abrir os ouvidos para várias tendências, do Placebo ao Oxide & Neutrino. E
blablablá.

Só para dar o exemplo, em meio a esta overdose de rock e electro que estou encarando aqui em Nova York, deu ainda para levantar ouvidos entusiasmados para dois grupos de hip hop: N.E.R.D. e Antipop Consortion.

O primeiro, da Califórnia salvo o engano, ainda colhe elogios rasgados por causa do álbum "In Search of", do ano passado. Acabei de comprá-lo. Quer experimentar? Baixe "Am I High" da internet e bom proveito.

Já o Antipop Consortion está pintado como o grupo que levou o hip hop a
direções onde nenhum outro se atreveu. Tem rock e tem, pasme, electro no som dos caras. É de Nova York, tocou aqui ontem e perdi. Fazer o quê?

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MOBY

Copiando a mim mesmo, venho por meio desta seção recomendar o novo single do Moby, "We Are All Made of Stars", do mesmo jeito que o fiz na Ilustrada, da Folha, na última segunda-feira.

A música é parte do aguardadésimo próximo disco do DJ americano, "18", que sai em maio e vem suceder finalmente o premiadíssimo "Play", de 1999.

Tanto "We Are All Made of Stars", quanto os lados B do single, "Soul to
Love" e "Landing", são muito boas e já estão à disposição no Audiogalaxy
e em outros do ramo.

Moby já estava acertado para estrelar o Skol Beats brasileiro deste ano, que rola no final do mês. Mas desencanou. Em entrevista recente para Marcelo Forlani, do site pop Omelete (www.omelete.com.br), Moby afirmou que uma provável data para passar com sua turnê pela América do Sul será no verão brasileiro do ano que vem, tipo janeiro/fevereiro.

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PAPO RÁPIDO

* A cena roqueira de Nova York anda bem agitada e não vive só de Strokes.
Tocam por estes dias na cidade os darlings locais Longwave, Mooney Suzuki, Walkmen, Yeah Yeah Yeahs. Estão recomendados com pôster em megalojas, estão tocando em rádio, estão nas revistas. O electro contribui com o citado Crossover e o bom Fischerspooner. Todas essas bandas merecem que você baixem suas músicas da internet. Agora.

* A principal estréia de cinema da semana, que entrou direto no número 1 das bilheterias, é "Panic Room" ("O Quarto do Pânico"), thriller com Jodie Foster. Thriller
envolvente em que Jodie e sua filha acabam de mudar para um casarão e
recebem a visita noturna de três intrusos, atrás de uma fortuna guardada na mansão. Elas não sabem da fortuna, eles não sabem que a casa já tem novos moradores. A câmera orquestrada por David Fincher, que dirigiu o polêmico "Clube da Luta", é sensacional.

* A mais recente "Rolling Stone" elege quem é importante no pop, emseu "Cool Issue". Tudo bem que a capa foi dada para a Shakira, mas outros itens cool são: "The Osbournes" em programa de TV, Strokes como cool band e Andrew WK como cool metal. E como "state of the art cool", Wilco e... Britney Spears.

* Os Strokes ganharam capa da revista de metal inglesa "Kerrang", que
nunca nem deu muita bola para a banda. "Se eu fosse acreditar em tudo o que eu leio sobre nós, iria pensar que somos uns cuzões", disse o arisco Julian Casablancas. Por causa da recente passagem da banda pela Inglaterra, outra revista inglesa, a "Q", também estampou o quinteto em sua capa.

* PROMOÇÃO "Q": acabei comprando aqui essa edição com os Strokes na capa,
mas vou com certeza receber outra aí no Brasil, já que eu a assino. Como um exemplar vai ficar sobrando, vou sorteá-lo aqui na coluna. Quer concorrer à "Q", que além de Strokes tem uma matéria legal sobre bandas e roupas mais outra boa sobre a movimentação roqueira na Escandinávia, é só pedir no lucio@uol.com.br.


* Estréia nesta sexta em Londres o filme "24 Hour Party People", sobre a
cena pós-punk de Manchester que desembocou no indie-dance e depois no
britpop. Tudo sobre o filme e a cena já foi bastante comentado em colunas
passadas. Peço só para que algum amigo, leitor ou amigo-leitor que vive em Londres veja o filme e conte como é. Pelo menos pela tese, o filme deve ser espetacular. Mas é bom esperar o resultado na tela para ter um veredicto.

* A coluna da semana passada promoveu uma comédia de erros na hora de falar nas datas dos shows deste mês no Brasil, principalmente aquela semana movimentadíssima para quem vive em São Paulo. Pondo os pingos nos is, fica assim:
dia 20: Groove Armada, Goldie e Kosheen no Skol Beats, em Interlagos.
dia 21: Mission, no Olympia.
dia 22: Mission na Broadway; Charlatans no Olympia.
dia 24: Stephen Malkmus na choperia do Sesc Pompéia
dia 25: Stephen Malkmus na choperia do Sesc Pompéia.

* Confirmadas as datas dos shows do grupo escocês de rock espacial Mogwai. Conforme o site oficial da banda, estão assim agendados:
14th May, Sao Paulo, Teatro do SESC, Vila Mariana
15th May Sao Paulo Teatro do SESC Vila Mariana
17th May Belo Horizonte Teatro Francisco Nunes
18th May Rio De Janeiro Venue TBC

O local da apresentação no Rio ainda está para ser confirmado, diz o "TBC".

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PROMOÇÃO DA SEMANA

As dádivas pop a serem oferecidas por esta coluna, nesta semana, são:

* uma camiseta espetacular do Gorillaz;
* o álbum do ótimo Jimmy Eat World, que a FNM está editando no Brasil agora em abril;
* um exemplar da revista "Frente", nova publicação brasileira sobre música pop;
* um livro "Kurt Cobain", ótima biografia do Nirvana contada através das letras do grupo, de autoria do jornalista Marcelo Orozco.

O caminho para a alegria é pedir qualquer das oferendas no e-mail
lucio@uol.com.br. O de sempre.

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VENCEDORES DA PROMOÇÃO DA SEMANA

Em virtude da viagem, o gênio aqui esqueceu de passar para seu notebook os e-mails enviados de quarta a sexta-feira passadas, que ficaram no computador da Folha. Como não será possível realizar o sorteio, o resultado será divulgado apenas na coluna da semana que vem, que terá assim uma longa lista de vencedores, somando com os desta.

Desculpe a confusão.

Na semana que vem a coluna será feita no Brasil, mas ainda sob forte
influência de ares nova-iorquinos. Volto já.
Stay beautiful.
Lúcio Ribeiro, 41, é colunista da Folha especializado em música pop e cinema. Também é DJ, edita a revista "Capricho" e tem uma coluna na "Bizz". Escreve para a Folha Online às quartas.

E-mail: lucio@uol.com.br

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