Pensata

Marcio Aith

22/04/2001

Hugo Chávez substitui Fidel como "rouba-festas" na Cúpula das Américas

Já que ninguém mais aguenta discutir a Alca, decidi, cá em Québec, dedicar algo diferente aos leitores da Folha Online. Durante a Cúpula dos 34 presidentes do hemisfério (excluíram o Fidel, é claro), conversei quatro vezes com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e divido aqui, com vocês, o produto de tal esforço jornalístico.

Confesso que não foram encontros longos. O primeiro durou 30 segundos. O segundo, um minuto. Nos dois restantes, não contei o tempo - mas garanto que foi pouco.

Gravei tudo. Não tem nada bombástico, mas é divertido. O homem é um acontecimento. Tem brilho próprio e substitui, com méritos, Fidel Castro no papel de rouba-festa em encontros internacionais.

Veste ternos tipo "Magazine Ducal", às vezes roxos. Na verdade, militar, não nasceu para os ternos, e vice-versa. Está sempre acompanhado de um bizarro séquito. Tem um sujeito vestido de ministro da Marinha, uma mulher com roupas de chefe de gabinete e outro com jeitão de ministro do Petróleo. Nada parece ser roupa normal, tudo figurino.

O primeiro diálogo foi mais ou menos (mais para mais do que para menos) assim:

- "Presidente, o sr. pode responder algumas perguntas?"

- "Não, ele está atrasado", respondeu o sujeito com roupa da marinha, me afastando com a mão.

- "Sim", respondeu Chávez. "Não liga para ele não", completou, referindo-se ao homem de branco.

- "O que o sr. está achando da Cúpula?"

- "Estou adorando. Comi uma sobremesa típica de Québec, uma coisa de açúcar, visitei uns prédios bonitos. É tudo muito bonito."

- "E as reuniões? Foram proveitosas?"

- "Claro que não. Foi uma reunião de palavras e gases", respondeu, referindo-se às negociações e ao gás lacrimogêneo usado sem parcimônia pela polícia de Québec para afastar os manifestantes.

- "E a integração comercial do hemisfério?"

- "Uma tragédia. Isso está empobrecendo os pobres. Desde 1994, quando essa coisa foi lançada, só empobrecemos".

- "E então o que o sr. está fazendo aqui?"

- "Por que não vir? Tenho vários amigos aqui, entre eles o presidente Cardoso. É sempre bom conhecer os colegas, estar presente, trocar idéias".

O segundo encontro foi assim:

- "Presidente, que história é essa de que o sr. vai assinar a declaração final do encontro e depois colocar uma ressalva dizendo que não se compromete com nada?"

- "Nada demais. Eu assino, coloco um asterisco mandando o leitor olhar embaixo da página e depois escrevo que não me comprometo com nada (Chávez acabou não fazendo a tal ressalva). Essa história de Alca é como o casamento. Não dá para se comprometer sem conhecer direito a pessoa com quem você vai viver."

No terceiro encontro, Chávez falou primeiro:

- "Você aqui de novo? Você precisa arrumar o cabelo, está descomposto"

- "Desculpe, presidente. É o vento. Presidente, o que o sr. achou do presidente George W. Bush pessoalmente? Foi o primeiro encontro entre vocês dois?"

- "Sim, foi o primeiro encontro. Foi simples. Apertei a mão dele"

- "Mas o que o sr. achou? Algo em especial?"

- "Ele me pareceu honesto, um bom homem, mas não o conheço direito"

No último encontro, falamos de democracia:

- "Presidente, e essa história de cláusula democrática no âmbito da Alca. O que o sr. acha?"

- "Vejo com desconfiança. Veja bem. Privilegio a democracia participativa. Não acho a representativa tão vital. Tem que tomar muito cuidado com essa coisa."

É isso. Foram esses os meus diálogos com Chávez.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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