Marcio Aith
22/04/2001
Confesso que não foram encontros longos. O primeiro durou 30 segundos. O segundo, um minuto. Nos dois restantes, não contei o tempo - mas garanto que foi pouco.
Gravei tudo. Não tem nada bombástico, mas é divertido. O homem é um acontecimento. Tem brilho próprio e substitui, com méritos, Fidel Castro no papel de rouba-festa em encontros internacionais.
Veste ternos tipo "Magazine Ducal", às vezes roxos. Na verdade, militar, não nasceu para os ternos, e vice-versa. Está sempre acompanhado de um bizarro séquito. Tem um sujeito vestido de ministro da Marinha, uma mulher com roupas de chefe de gabinete e outro com jeitão de ministro do Petróleo. Nada parece ser roupa normal, tudo figurino.
O primeiro diálogo foi mais ou menos (mais para mais do que para menos) assim:
- "Presidente, o sr. pode responder algumas perguntas?"
- "Não, ele está atrasado", respondeu o sujeito com roupa da marinha, me afastando com a mão.
- "Sim", respondeu Chávez. "Não liga para ele não", completou, referindo-se ao homem de branco.
- "O que o sr. está achando da Cúpula?"
- "Estou adorando. Comi uma sobremesa típica de Québec, uma coisa de açúcar, visitei uns prédios bonitos. É tudo muito bonito."
- "E as reuniões? Foram proveitosas?"
- "Claro que não. Foi uma reunião de palavras e gases", respondeu, referindo-se às negociações e ao gás lacrimogêneo usado sem parcimônia pela polícia de Québec para afastar os manifestantes.
- "E a integração comercial do hemisfério?"
- "Uma tragédia. Isso está empobrecendo os pobres. Desde 1994, quando essa coisa foi lançada, só empobrecemos".
- "E então o que o sr. está fazendo aqui?"
- "Por que não vir? Tenho vários amigos aqui, entre eles o presidente Cardoso. É sempre bom conhecer os colegas, estar presente, trocar idéias".
O segundo encontro foi assim:
- "Presidente, que história é essa de que o sr. vai assinar a declaração final do encontro e depois colocar uma ressalva dizendo que não se compromete com nada?"
- "Nada demais. Eu assino, coloco um asterisco mandando o leitor olhar embaixo da página e depois escrevo que não me comprometo com nada (Chávez acabou não fazendo a tal ressalva). Essa história de Alca é como o casamento. Não dá para se comprometer sem conhecer direito a pessoa com quem você vai viver."
No terceiro encontro, Chávez falou primeiro:
- "Você aqui de novo? Você precisa arrumar o cabelo, está descomposto"
- "Desculpe, presidente. É o vento. Presidente, o que o sr. achou do presidente George W. Bush pessoalmente? Foi o primeiro encontro entre vocês dois?"
- "Sim, foi o primeiro encontro. Foi simples. Apertei a mão dele"
- "Mas o que o sr. achou? Algo em especial?"
- "Ele me pareceu honesto, um bom homem, mas não o conheço direito"
No último encontro, falamos de democracia:
- "Presidente, e essa história de cláusula democrática no âmbito da Alca. O que o sr. acha?"
- "Vejo com desconfiança. Veja bem. Privilegio a democracia participativa. Não acho a representativa tão vital. Tem que tomar muito cuidado com essa coisa."
É isso. Foram esses os meus diálogos com Chávez.
Hugo Chávez substitui Fidel como "rouba-festas" na Cúpula das Américas
Já que ninguém mais aguenta discutir a Alca, decidi, cá em Québec, dedicar algo diferente aos leitores da Folha Online. Durante a Cúpula dos 34 presidentes do hemisfério (excluíram o Fidel, é claro), conversei quatro vezes com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e divido aqui, com vocês, o produto de tal esforço jornalístico.Confesso que não foram encontros longos. O primeiro durou 30 segundos. O segundo, um minuto. Nos dois restantes, não contei o tempo - mas garanto que foi pouco.
Gravei tudo. Não tem nada bombástico, mas é divertido. O homem é um acontecimento. Tem brilho próprio e substitui, com méritos, Fidel Castro no papel de rouba-festa em encontros internacionais.
Veste ternos tipo "Magazine Ducal", às vezes roxos. Na verdade, militar, não nasceu para os ternos, e vice-versa. Está sempre acompanhado de um bizarro séquito. Tem um sujeito vestido de ministro da Marinha, uma mulher com roupas de chefe de gabinete e outro com jeitão de ministro do Petróleo. Nada parece ser roupa normal, tudo figurino.
O primeiro diálogo foi mais ou menos (mais para mais do que para menos) assim:
- "Presidente, o sr. pode responder algumas perguntas?"
- "Não, ele está atrasado", respondeu o sujeito com roupa da marinha, me afastando com a mão.
- "Sim", respondeu Chávez. "Não liga para ele não", completou, referindo-se ao homem de branco.
- "O que o sr. está achando da Cúpula?"
- "Estou adorando. Comi uma sobremesa típica de Québec, uma coisa de açúcar, visitei uns prédios bonitos. É tudo muito bonito."
- "E as reuniões? Foram proveitosas?"
- "Claro que não. Foi uma reunião de palavras e gases", respondeu, referindo-se às negociações e ao gás lacrimogêneo usado sem parcimônia pela polícia de Québec para afastar os manifestantes.
- "E a integração comercial do hemisfério?"
- "Uma tragédia. Isso está empobrecendo os pobres. Desde 1994, quando essa coisa foi lançada, só empobrecemos".
- "E então o que o sr. está fazendo aqui?"
- "Por que não vir? Tenho vários amigos aqui, entre eles o presidente Cardoso. É sempre bom conhecer os colegas, estar presente, trocar idéias".
O segundo encontro foi assim:
- "Presidente, que história é essa de que o sr. vai assinar a declaração final do encontro e depois colocar uma ressalva dizendo que não se compromete com nada?"
- "Nada demais. Eu assino, coloco um asterisco mandando o leitor olhar embaixo da página e depois escrevo que não me comprometo com nada (Chávez acabou não fazendo a tal ressalva). Essa história de Alca é como o casamento. Não dá para se comprometer sem conhecer direito a pessoa com quem você vai viver."
No terceiro encontro, Chávez falou primeiro:
- "Você aqui de novo? Você precisa arrumar o cabelo, está descomposto"
- "Desculpe, presidente. É o vento. Presidente, o que o sr. achou do presidente George W. Bush pessoalmente? Foi o primeiro encontro entre vocês dois?"
- "Sim, foi o primeiro encontro. Foi simples. Apertei a mão dele"
- "Mas o que o sr. achou? Algo em especial?"
- "Ele me pareceu honesto, um bom homem, mas não o conheço direito"
No último encontro, falamos de democracia:
- "Presidente, e essa história de cláusula democrática no âmbito da Alca. O que o sr. acha?"
- "Vejo com desconfiança. Veja bem. Privilegio a democracia participativa. Não acho a representativa tão vital. Tem que tomar muito cuidado com essa coisa."
É isso. Foram esses os meus diálogos com Chávez.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas E-mail: maith@uol.com.br |