Pensata

Marcio Aith

30/04/2001

Cavallo, o milongueiro argentino

O ministro da Economia da Argentina, Domingo Cavallo, é um dos maiores dissimuladores em operação no sistema financeiro internacional. Ele é capaz de conversar durante duas horas com jornalistas sem dizer uma única coisa de interesse de seus interlocutores. No entanto, encanta. O ministro lembra pacientes psiquiátricos com sérios problemas de auto-estima que, depois de décadas de tratamento intensivo, recebem alta e enlouquecem para o outro lado: passam a acreditar que suas palavras têm poder mágico.

Com seus olhos vidrados, percorre a platéia com ar de quem está interessado em esclarecer as dúvidas que lhe são apresentadas. Ao responder, força os ouvintes para seu mundo particular, onde vigora uma lógica única, otimista e toda sua. Com base nessa lógica, a Argentina estaria numa situação invejável: sem crise, não precisaria de dinheiro, não enfrentaria dificuldades para rolar a dívida e nunca, nunca, decretaria a moratória.

Quando lhe questionamos se o governo argentino enfrentará dificuldades financeiras nos próximos três meses, ele responde que essa é a menor de suas preocupações:

"A pergunta não faz sentido. Meu interesse é de longo prazo, estamos solucionando o problema argentino para a próxima década"

Quando insistimos no assunto, dizendo que pode haver um eventual gargalo financeiro nos próximos meses, ele insiste nas milongas: "Não cuido de números, sou ministro. São os técnicos que tratam desse assunto"

Ontem (Domingo, 29 de Abril de 2001), o diretor-gerente do FMI, o alemão Horst Koehler, disse que o Fundo poderá antecipar a liberação dos recursos que prometera à Argentina, se for necessário, e deixou claro que essa antecipação houvera sido pedida por Cavallo.

Questionado, Cavallo desmentiu Koehler e ainda deu lições ao Fundo: "Não pedi a antecipação. Só disse que o Fundo precisa cortar procedimentos demorados e desnecessários. Não se trata de antecipar a liberação de recursos, mas tornar os procedimentos mais simples e rápidos".

Minha admiração por Cavallo não é só folclórica. Ele é corajoso, pegou o cargo num momento crítico e conhece a psicologia de mercado. Sabe que, quanto mais os investidores souberem das dificuldades financeiras argentinas, mais poderão explorá-las. Se o ministro tirar a Argentina da crise, será difícil tirá-lo do poder na próxima década.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca