Pensata

Marcio Aith

13/05/2001

O relatório envergonhado do FMI

Quem quiser entender a natureza do protecionismo comercial de países ricos ou equipar seu discurso antiglobalização com argumentos técnicos, digite em seu computador o seguinte endereço eletrônico: www.imf.org/external/np/madc/eng/042701.pdf.

Trata-se de um relatório que o FMI e o Banco Mundial tentaram esconder, manter sob o tapete, embora tenha sido escrito por seus próprios técnicos.

Sob o título "Market Access for Developing Countries Exports" (a tradução seria "Acesso ao Mercado para Exportações de Países em Desenvolvimento") , o documento mostra que o processo de abertura comercial verificado nos anos 90 beneficiou basicamente o Japão, os Estados Unidos e os países da União Européia. Basicamente, não houve globalização, mas sim um massacre de uma só mão: deu-se liberdade para o comércio de produtos tipicamente produzidos por países industrializados e aumentaram as restrições (não tarifárias e, em alguns casos, até tarifárias) a produtos agrícolas e semimanufaturados, exatamente aqueles produzidos por países pobres e em desenvolvimento.

Uma das conclusões do estudo é que, ao mesmo tempo em que os países ricos, exibindo um falso liberalismo, reduziram alíquotas de importação sob o comando da OMC (Organização Mundial do Comércio), levantaram um muro protecionista formado por US$ 361 bilhões em subsídios agrícolas, medidas antidumping e regras fitosanitárias.

O relatório mostra que a proteção tarifária média que os países industrializados aplicam sobre produtos agrícolas é nove vezes maior que a que incide sobre produtos industrializados. No caso dos semi-industrializados, é três vez maior.

O FMI e o Banco Mundial atestam, com todas as letras, que os países em desenvolvimento ganhariam até US$ 183 bilhões por ano se todas as barreiras comerciais caíssem. Esse valor é duas vezes maior que o dinheiro que os países ricos dão aos países em desenvolvimento sob a rubrica "ajuda". Em suma: nos arrasam comercialmente e ainda fingem nos ajudar.

Vale lembrar que, durante a mesma década de 90, o Brasil fez concessões espontâneas para agradar o mundo dito "civilizado", sob a promessa, nunca cumprida, de acesso aos seus mercados.

Entre essas concessões, registro duas: a que antecipou em três anos a adoção, no Brasil, do acordo internacional de propriedade intelectual (o "Trips"); e a que adotou o "pipeline", mecanismo adicional e voluntário que reconheceu, para o benefício dos tubarões da química-farmacêutica, patentes retroativas desde que os produtos inventados não tivessem ainda sido lançados no mercado.

Normalmente, o FMI e o Banco Mundial convocariam entrevistas coletivas para divulgar documentos como esse. Enviariam avisos aos jornais, fariam o maior barulho. Nesse caso, ficaram quietos.

Durante semanas, jornalistas latino-americanos, avisados da existência do estudo em Washington por representantes de seus países no Fundo, pediram uma cópia à diretoria da instituição.

Assessores da diretoria do FMI chegaram a dizer, categoricamente, que ele não existe. Semanas depois, no último dia oito de maio, o estudo foi colocado no site do FMI.

Minha avaliação é a de que o documento foi produzido por pressão dos países em desenvolvimento, mas não contou com o apoio da direção das duas instituições.

Algumas conclusões do relatório vazaram para a imprensa há duas semanas (a própria Folha de S.Paulo fez uma matéria) e, só por essa razão, decidiu-se liberar o documento.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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