Pensata

Marcio Aith

23/07/2001

Os EUA ganharam a Guerra Fria, mas não mandam no mundo

O que mais despertou minha atenção durante a cúpula do G-8 (os sete países mais ricos e a Rússia), na Itália, foi a postura imperial e perigosa do presidente dos EUA, George W. Bush.

Do fundo de seu autismo presidencial, o presidente norte-americano revelou a incapacidade de os EUA compreenderem que, embora tenham vencido o comunismo, não se tornaram donos do mundo.

O professor Samuel Huntington, da Universidade de Harvard (EUA), desenvolveu há anos a tese de que o choque das culturas no mundo pós-Guerra Fria representa, hoje, a grande ameaça à paz.

Huntington desenhou cenários possíveis de conflitos após o desaparecimento do comunismo. Segundo ele, o risco maior é o de um "conflito de civilizações". Seria uma disputa entre culturas e religiões, entre os mundos ocidental, islâmico e oriental, com complicações mais graves que as da Guerra Fria.

Segundo ele, vários gatilhos poderiam detonar esse conflito. Um deles seria a tentativa de os EUA, conferindo valor exagerado para sua hegemonia no mundo, forçar o resto do globo a adotar os valores ocidentais, tentando impor costumes, direitos e cultura norte-americanos.

Para Huntington, seria um erro brutal da Casa Branca. O professor acredita que, embora o fim da Guerra Fria tenha transformado os EUA no país mais poderoso, o mundo seria hoje multipolar, moldado por blocos de poder que dependem uns dos outros. Em suma: seria perigoso imaginar que os EUA pudessem, sozinhos e contra o resto do mundo, impor suas condições a todos.

Durante os últimos dez anos, vimos sinais de que os EUA haviam entendido o raciocínio de Huntington. Os EUA se juntaram militarmente com países árabes para derrubar outro país árabe e aproximaram-se da China, econômica e politicamente.

No entanto, a presidência de George W. Bush parece estar jogando no lixo todos os avanços já feitos. Desde que assumiu a Casa Branca, e apesar dos apelos do resto do mundo, o presidente norte-americano escalou os atritos dos EUA com Pequim, negou-se a assinar o Tratado de Kyoto e anunciou a construção de um escudo antimíssil. Sua desculpa é a mesma: "esse é o interesse dos cidadãos norte-americanos, a quem represento".

Tal desculpa faria sentido se Bush assumisse abertamente o isolamento dos EUA e respeitasse a soberania do resto do mundo. Ou seja: se levasse seus projetos militar e ambiental adiante, mas deixasse a China manter sua política criminal, permitisse que os países em desenvolvimento desenhassem suas próprias legislações de propriedade intelectual e não reclamasse dos subsídios agrícolas europeus.

Bush é pior que um isolacionista. Ele é oportunista. Age como um isolacionista para não cumprir as obrigações dos EUA num mundo globalizado. Ao mesmo tempo, age como um líder globalizado quando nos empurra os valores norte-americanos. É um perfil perigoso.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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