Pensata

Marcio Aith

06/08/2001

Pacote do FMI revela "nacionalismo multilateral"

Um aspecto interessante envolvendo as negociações entre o governo e o FMI tem sido a necessidade quase obsessiva do Palácio do Planalto de retratar o novo pacote de socorro ao Brasil como um "programa nosso", um "programa brasileiro".

Na versão do governo, não fomos buscar ajuda em Washington, mas sim quebrar o galho do FMI, uma instituição que, doida para jogar dinheiro pela janela, não estaria encontrando país suficientemente generoso para recebê-lo.

Para manter viva essa versão, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, pediu ao Fundo exclusividade na divulgação de qualquer item do pacote, cujo valor oficial, de US$ 15 bilhões, representa na verdade US$ 13,8 bilhões em recursos genuinamente novos - outro US$ 1,2 bilhão, que fazia parte do programa anterior, foi cancelado e reabsorvido no novo pacote.

Com a divulgação exclusiva, que deverá ser feita hoje ou amanhã, Malan pretende dar mais destaque aos slogans nacionalistas desenvolvidos pelo governo recentemente para justificar o novo socorro do Fundo.

O slogan que mais me diverte é aquele segundo o qual "temos crédito no FMI" por termos cumprido as metas do programa atual. Na verdade, o que temos no FMI é débito. Estamos devendo, hoje, US$ 3,6 bilhões ao Fundo.

A idéia de um "programa nosso" parece ter um objetivo específico e um pano de fundo eleitoral. O objetivo é rebater uma tolice com outra tolice. A tolice inicial, que o governo quis rebater com sua própria tolice, é a de que Fernando Henrique Cardoso entregou a soberania do país ao Fundo, tendo redigido um acordo "secreto" e se comprometido a vender o Banco do Brasil e o resto de nosso patrimônio ainda não foi privatizado.

FHC está sendo acusado de entreguismo porque recorreu novamente ao Fundo, pela segunda vez em três anos, numa média de um programa por mandato. A idéia é maniqueísta e até irrita. Pressupõe que FHC sente prazer toda vez que pede dinheiro ao Fundo e adora fazer esforços fiscais adicionais. O problema é mais sério. O Brasil (e outros países em desenvolvimento) nunca livrou-se de suas vulnerabilidades externas, mesmo quando recebia US$ 40 bilhões em investimentos externos por ano.

No entanto, seria igualmente maniqueísta considerar o novo programa com o Fundo um "programa brasileiro". Se fosse brasileiro, uma missão técnica do Brasil não precisaria passar dez dias negociando números com funcionários do FMI. Se fosse brasileiro, seu valor seria de US$ 19 bilhões, como pedira FHC. Se fosse brasileiro, não exigiríamos de nós mesmos um aperto fiscal rigoroso. FHC e Malan inventaram um novo tipo de nacionalismo. O nacionalismo multilateral.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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