Pensata

Marcio Aith

13/08/2001

Herdeiros de Ipanema querem destruir a poesia

Nunca simpatizei com a figura de Helô Pinheiro, a musa que inspirou Tom Jobim e Vinícius de Moraes a comporem "Garota de Ipanema". Quando a vi pela primeira vez na TV, totalmente perua, cabelos tingidos, pensei: pô, ou essa mulher foi mais autêntica no passado ou esses caras estavam completamente bêbados quando compuseram a música (ou as duas coisas juntas).

No entanto, é impossível deixar de lhe prestar solidariedade nesse momento em que os filhos dos compositores querem proibi-la de usar o nome da canção numa loja de um shopping carioca.

Como não conheço o histórico dos direitos autorais dessa música, nem ouso discutir quem tem razão juridicamente. O problema é outro. Como Tom e Vinícius não estão mais aqui conosco, somente Helô, perua ou não, ainda perambula pelas ruas de Ipanema.

Os herdeiros alegam ter direito exclusivo do título. Além de exigirem que Helô mude o nome da loja, querem que todas as suas fotos com os compositores deixem de ser exibidas.

Segundo eles, "O fato de Helô Pinheiro ter inspirado a música não garante que ela tenha o direito de usar as imagens e o trabalho de Tom Jobim e Vinícius de Moraes para intenções comerciais".

Espero que esse seja um argumento exclusivamente jurídico, porque, se tiver alguma conotação moral, esses herdeiros revelam ganância, prepotência e tentam ferir a poesia, o descompromisso e a irresponsabilidade saudável que parece ter acompanhado a vida dos dois compositores.

Se Helô, que inspirou seus pais a comporem a música, não têm direito de usar seu título, por que diabos os herdeiros - que não a compuseram nem serviram de inspiração- haveriam de ter?

A levar até a última instância o raciocínio dos herdeiros de Ipanema (coisa que os norte-americanos já fizeram), Vinícius e Tom estariam na cadeia por terem olhado, de pileque e com olhos famintos, para uma moça indefesa a caminho do mar. Teriam de pagar indenização por danos morais para a pobre moça.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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