Pensata

Marcio Aith

20/08/2001

A lucidez tardia de FHC

No domingo, li com preocupação matéria do Jornal do Brasil sobre os meandros mentais do presidente Fernando Henrique Cardoso.

De autoria do jornalista Expedito Filho, o texto relata com clareza impressionante conversa do presidente com três interlocutores durante almoço no Palácio do Alvorada.

Entre outras novidades sobre o que pensa de verdade FHC, a matéria narra opinião do presidente sobre a hipótese de "a economia mundial estar diante de uma das crises cíclicas do capitalismo, que se repetem de décadas em décadas. Se assim for, avalia que não haverá mais dinheiro sobrando no mundo para, a partir de 2003, financiar o crescimento de países subdesenvolvidos como o Brasil."

Nesse cenário, avalia o presidente, o Brasil terá de adotar, legitimamente, uma estratégia antiprivatista e nacionalista. Voltaria o intervencionismo estatal e o nacionalismo, a hegemonia do Estado sobre os mercados.

O que me espantou na matéria não foi a lucidez pragmática do presidente, mas uma dúvida. Nos últimos anos, recebemos uma montanha de investimentos externos.

O dinheiro veio porque estava "sobrando no mundo", como raciocina FHC privadamente, fumando charuto, ou porque fizemos "reformas duras, necessárias", como geralmente argumenta FHC quando fala com os pobres mortais?

A distinção é importante. A se confirmar a hipótese pessimista de FHC, o Estado brasileiro terá que permitir, a partir de 2003, um crescimento induzido, de dentro para fora.

Será necessário um pouco de fechamento e, obviamente, evitar retaliações internacionais por recuos em compromissos que assinamos nos campos da propriedade intelectual, do comércio internacional, do mercado financeiro e das privatizações.

E aí, meus amigos, será que os dois mandatos de FHC nos deram mais instrumentos de proteção ou nos engessaram, privando-nos dos poucos que tínhamos.

Será que o dinheiro viria de qualquer jeito, não precisávamos fazer tantas concessões?

Daqui a alguns anos, julgaremos o legado do presidente de forma mais tranquila, menos polarizada.

Até lá, o presidente talvez decida dividir com a sociedade o que realmente pensa e reconhecer ao menos alguns erros estratégicos.

Será que é tarde demais?

Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca