Pensata

Marcio Aith

27/08/2001

Crise argentina: setor privado saiu novamente sem pagar a conta

Tudo indicava um desfecho inovador, que acabou não vindo.

Como qualquer país emergente em crise, a Argentina queria sacar novos recursos do FMI para mostrar poder de fogo aos credores e recuperar sua estabilidade econômica. Os EUA de George W. Bush, no entanto, enxergaram no pedido uma boa oportunidade para operar uma revolução no sistema financeiro internacional.

Os norte-americanos queriam que os bancos privados e os detentores de títulos públicos do governo argentino assumissem perdas antes de (ou concomitantemente a) qualquer intervenção da comunidade internacional.

Se necessário, pensavam os norte-americanos, o FMI deveria até apoiar um calote da dívida argentina. Seria a única maneira de interromper um círculo vicioso verificado desde 1997 e questionado com profundidade nos últimos anos até pelo FMI e por dezenas de economistas sérios.

Esse círculo começa com o acúmulo da dívida externa de uma determinada economia emergente. Num momento posterior, por várias distintas, os mesmos credores que viabilizaram a formação dessa dívida passam a desconfiar que seu pagamento não poderá ser feito. Começam a fugir do país. Cria-se, então, uma pressão sobre o câmbio da nação devedora, que pede socorro ao FMI e ao G-7 para fortalecer suas reservas e impedir um colapso de sua economia. A comunidade internacional fornece os recursos, mas eles acabam sendo usados para financiar a fuga de capital e não para fortalecer a economia. O país acaba quebrando do mesmo jeito. A população não se beneficia da ajuda, a credibilidade do sistema internacional fica abalada mas, no fim da história, os agentes privados saem ganhando, sem terem corrido riscos.

Tenho de confessar que, embora não goste muito dos métodos demonstrados pelo Tesouro norte-americano para implementar sua nova filosofia, eu não discordo dela. Ficaria satisfeito em ver agentes privados pagando o preço de um problema em parte criado por eles mesmos.

Pode-se perguntar por que Bush, tão próximo do setor privado norte-americano, estaria tão interessado em causar prejuízo aos grandes conglomerados financeiros. Existem duas razões. A primeira é que os bancos que mais têm a perder na Argentina são os europeus. Depois, o compromisso eleitoral de Bush nos EUA é com o setor industrial. O setor financeiro sempre foi mais próximo do Partido Democrata.

Bush encontrou, no caso argentino, uma tarefa dura, quase impossível. Os investidores privados não só resistiram em ajudar o país de forma espontânea (o que todos imaginávamos) como também, usando subterfúgios jurídicos, negaram aos argentinos o uso de uma linha preventiva de crédito de US$ 4,5 bilhões que haviam concedido formalmente ao país em 1997, quando fingiam que o sistema cambial agentino não era uma bomba relógio prestes a explodir e que não havia problemas fiscais no país.

Os EUA acabaram perdendo a batalha argentina e o pacote divulgado na última terça-feira ficou muito parecido com todos os pacotes convencionais, apesar de alguns penduricalhos.

Para "salvar a face" do Tesouro norte-americano, encontrou-se uma solução de consenso: destinar US$ 3 bilhões para estimular a reestruturação voluntária da dívida argentina. Não haveria calote, mas sim um estímulo financeiro ao alongamento e à redução da dívida. Alguns, inadvertidamente, entenderam que a palavra "reestruturação" tenha sido usada pelo FMI no sentido de calote ou moratória da dívida. Não se enganem. Os bancos saíram novamente ganhando.

Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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