Pensata

Marcio Aith

17/09/2001

Como achar um inimigo ideal para destruir se todos querem cooperar com os EUA?

Yasser Arafat doôu simbolicamente seu próprio sangue às vítimas nos EUA. Fidel Castro ofereceu o uso de pistas de pouso em Cuba para contornar o transtorno aéreo pós-atentados. A Síria condenou a morte de civis inocentes. O Paquistão prometeu cooperação. O Irã condenou os ataques.

Retórico ou não, o quadro de comoção e de solidariedade globais verificado depois dos atentados do último dia 11 ultrapassou os limites do mundo dito civilizado. Chegou a um grupo de países e de líderes acusados há anos pelos EUA de abrigar e financiar terroristas.

Boa notícia? Eu acho que sim, mas os EUA discordam. Os norte-americanos pensam: 'Se todos aqueles que consideramos malvados estão comovidos e demonstraram apoio, como poderemos achar um inimigo suficiente forte para destruir em retaliação às mortes e à humilhação causadas pelos ataques horrorosos do último dia 11?'

Osama bin Laden, inimigo número um do mundo civilizado, pode até ser feio, mau, um assassino frio, um novo Saddan Hussein no imaginário dos norte-americanos. Mas basta morar nos EUA para entender que a ira causada pela destruição em Nova York e nos arredores de Washington não será satisfeita com o simples assassinato de barbudos muçulmanos numa região longínqua.

Os norte-americanos querem mais. Querem uma destruição visível, querem ocupação, querem, no significado oculto e sombrio das palavras do ex-secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, bombas atômicas.

Vejam o que disse Kissinger: 'Os atentados se comparam a Pearl Harbor e, portanto, nossa resposta deve ser a mesma. As pessoas que fizeram isso (os atentados) devem ter o mesmo fim das pessoas que atacaram Pearl Harbor (os japoneses)'.

No início, o presidente George W. Bush prometeu uma guerra à opinião pública. Depois, disse ter consciência de que essa guerra seria diferente, contra um inimigo oculto. Agora, diz que, além de diferente, ela será demorada e terá vários atos. Ontem, o secretário de Estado, Colin Powell, disse que será uma guerra lenta, diferente e será travada pelos serviços de inteligência - em suma, uma guerra difícil de ser travada à luz do dia e impossível de ser filmada com a mesma nitidez com a qual assistimos a destruição das duas torres do World Trade Center.

Pode não parecer, mas o governo dos EUA tenta agora desinflar a expectativa de vingança imediata e instantânea dos norte-americanos. Isso não significa que a vingança não virá. Pelo contrário, virá com táticas 'sujas e malvadas', nas palavras do vice-presidente Richard Cheney.

Entre essas práticas está a estratégia abominável, comumente usada pelo governo de Israel, de assassinar no exterior, sem julgamento nem o devido processo legal, líderes estrangeiros considerados inimigos.

Mas não escrevo essas linhas para debater a política de assassinatos, mas sim para expressar minha preocupação com a raiva represada dos norte-americanos. Não tem saída: ou os EUA promovem uma grande matança, se possível televisionada, ou, algum dia, essa raiva vai destruir o já frágil equilíbrio racial nos EUA. Os dois cenários são tristes, mas inevitáveis.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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