Pensata

Marcio Aith

01/10/2001

Diante do horror, a bolinha branca perdeu a importância

Ficam cada vez mais visíveis os transtornos emocionais que o atentado terrorista do dia 11 de setembro trouxe aos norte-americanos.

Um deles diz respeito ao beisebol, um dos esportes mais populares dos EUA.

De tão grande, o horror ofusca a iminência de um recorde que deveria paralisar o país e trazer aos norte-americanos a lembrança e as emoções dos anos inocentes, nos quais as guerras, embora sangrentas, eram distantes.

Pela quarta vez na história, um jogador _ dessa vez Barry Bonds, do "San Francisco Giants" _ deverá atingir o recorde de "home-runs" batidos numa só temporada.

"Home-run" é aquela jogada na qual o batedor manda a bola para fora de campo _ seja sobre a cabeça dos torcedores ou para fora do estádio.

Numa comparação besta, mas útil, é como o recorde de gols de Pelé.

Normalmente, os EUA ficariam colados à TV. Mas ninguém está ligando. A trajetória de uma bolinha branca não parece mais fazer sentido e, ao menos agora, a importância dos atletas ficou pequena diante das mortes e do heroísmo de bombeiros e voluntários.

Sei que, para nós, brasileiros, o beisebol parece esquisito. Geralmente mais obesos que os demais atletas, seus jogadores mascam e cospem fumo durante partidas sem duração preestabelecida.

No entanto, os norte-americanos ainda veneram e acompanham o beisebol com gosto. Dos três esportes mais populares nos EUA (os outros são o basquete e o futebol americano), é o único no qual jogadores negros, brancos e latinos competem em pé de igualdade e convivem de forma (aparentemente) fraterna.

Demorou 34 anos para o batedor norte-americano Roger Maris quebrar, em 1961, o recorde de 60 "home-runs" (rebatidas para fora do estádio) obtido em 1927 pelo legendário Babe Ruth. O recorde de Maris (61 "home runs") só caiu em 1998, depois de uma corrida sensacional entre o dominicano Sammy Sosa, do Chicago Cubs, e o norte-americano Mark McGwire, do St Louis Cardinals.

Os dois tiveram fôlego para superar Maris cedo demais e seguiram empatados até quase o final da temporada. O desempate só veio nos últimos jogos, o que captou a atenção de todos os norte-americanos e até paralisou, por algumas horas, o processo de impeachment do presidente Bill Clinton.

McGwire ganhou a parada. Atingiu o recorde de 70, enquanto Sosa ficou com 66. A bola do septuagésimo "home-run" de McGwire foi leiloada por US$ 3 milhões a um fã rico. Naquela época, eu morava no Japão, país que também ama o beisebol e idolatra atletas norte-americanos. Acompanhei os jogos com imenso interesse, por TVs espalhadas por bares de Tóquio. Japoneses alegres, embriagados pelo fuso-horário e pela bebida, me explicaram com paciência que um novo recorde só viria em 30 anos. Tolice. Três anos depois, seis jogos antes do final da temporada de 2001, Bonds, jogador tímido do Giants, já rebateu 69 "home runs". É quase certo que alcançará ou ultrapassará os 70 de McGwire.

Coitado. Péssimo "timing". Ninguém se importa. Cerca de 6.500 pessoas morreram de forma horrível no maior e mais espetacular atentado terrorista da história. A velha América não é mais palpável, nem mesmo por meios nostálgicas.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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