Pensata

Marcio Aith

05/03/2001

Os limites da crise argentina

Desde que interrompeu seu crescimento acelerado e ingressou num período de incerteza, a economia argentina testa quantos golpes em sua credibilidade um país em desenvolvimento consegue aguentar sem alterar seu regime cambial fixo.

Foi em 1991, há uma década, que a Argentina adotou seu "Plano de Conversibilidade", determinando a paridade (igualdade) cambial entre o dólar e o peso.

Há várias maneiras de explicar o sistema de forma simples. A lehor é dizer que um peso equivale a US$ 1. Toda vez que alguém aparecer no banco central argentino com um peso poderá trocá-lo por um dólar.

Como consequência, o Banco Central argentino só pode emitir pesos na mesma velocidade em que dólares entrarem na economia. E terá de "enxugar a liquidez", ou retirar pesos da economia, sempre que os investimentos forem embora.

A paridade cambial é, quase sempre, usada por países em desenvolvimento em desespero para obter confiança dos mercados. É como se um país dissesse aos investidores estrangeiros: "tudo bem, esse país está uma bagunça, tem corrupção, desemprego e caos, mas passaremos a garantir que seus investimentos serão sempre protegidos. Quando obtiverem lucros em pesos aqui dentro, poderão sair do país trocando-os por dólares com base na paridade cambial. A paridade não vai mudar. Portanto, não vamos garfar vocês".

Esse sistema costuma funcionar nos primeiros anos. É só colocar uma pessoa forte (ou aparentemente forte) no Banco Central e subir os juros. Tem que ser alguém que não dê (ou que finja não dar) ouvidos ao presidente da República e aos setores econômicos quando, desesperados por crédito, eles pedirem dinheiro barato para produzir.

Uma imagem idiota-mas-eficaz retrata bem o sistema de paridade cambial em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos: a do traficante carioca que garante aos seus consumidores que eles não serão parados pela polícia ou por outros bandidos sempre que entrarem no morro para comprar drogas.

O problema é que, na primeira crise interna ou externa (segundo o exemplo acima, na primeira guerra entre quadrilhas ou nas temporadas de achaque policial), a promessa começa a cair em descrédito. Fica menos confiável subir o morro quando tiros são ouvidos ou carros de polícia estão parados nas "bocas".

A situação argentina, hoje, está caótica. O ministro da Economia renunciou e descobriu-se que o mesmo presidente do Banco Central que deveria garantir a conversibilidade foi omisso ao permitir que "bancos de gaveta" controlados por argentinos movimentassem, sob suas barbas, cerca de US$ 10 bilhões de dinheiro do narcotráfico e da corrupção.

Todos sabem que uma mudança cambial na argentina seria traumática para todos os setores econômicos e sociais do país. Estima-se que cerca de 70% dos contratos na Argentina sejam em dólar. Se houver uma desvalorização, pessoas e empresas quebram da noite para o dia.

No FMI, ninguém aguenta mais esse regime, embora todos reconheçam que não dá para mudá-lo de supetão. Muitos defendem sua substituição por um programa que leve em consideração uma cesta de moedas. Seria, na verdade, um eufemismo que não engana crianças de oito anos. Outra idéia é empregar os US$ 40 bilhões da "blindagem" (o pacote) internacional de ajuda para atenuar o custo de uma desvalorização, reestruturando contratos e financiando os falidos, em vez de usá-los para sustentar um regime falido.

Mas o cuidado se justifica. Em 1997, antes do colapso econômico na Indonésia, o país tinha um câmbio fixo e o FMI o pressionou para que fosse extinto nos primeiros sinais da "crise asiática".

Depois da mudança, o próprio FMI surpreendeu-se com o impacto negativo da alteração sobre os balanços de bancos e de empresas endividadas em dólar.

Neste sentido, compreendo o cuidado que o Fundo está tendo com o câmbio argentino. É impossível fazer uma desvalorização controlada numa situação de pânico ou de descrédito.

O problema é que, dependendo da gravidade da situação, a omissão pode permitir uma desvalorização descontrolada. Até o momento, a Argentina conseguiu evitar este cenário. Mas continua brincando com fogo. Até quando?
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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