Pensata

Marcio Aith

05/11/2001

O FMI abandonou Cavallo num bar de hotel em Nova York

No universo dos governos e de instituições multilaterais, o silêncio oficial às vezes encobre negociações secretas que o público só descobre semanas, meses ou até anos mais tarde. Há também situações em que figuras públicas se movimentam e fazem marola para fingir que são importantes, que lhes resta algo a fazer.

Há dez dias, o superministro da economia da Argentina, Domingo Cavallo, fez uma viagem "secreta" aos EUA supostamente para fechar, com organismos internacionais e banqueiros, detalhes do novo pacote econômico que salvaria o país do colapso.

Na véspera da viagem, assessores de Cavallo telefonaram a jornalistas selecionados na Argentina para informar-lhes, em segredo, que o superministro viajaria escondido para Nova York e Washington para uma missão grandiosa.

Como era de se esperar, no dia em que Cavallo chegou a Nova York todos os jornais argentinos traziam suas versões de bastidores sobre a importante missão do superministro. Alguns mencionaram encontros com o subsecretário do Tesouro dos EUA, John Taylor. Outros, conversas decisivas com a diretoria do FMI.

Os mercados, pessimistas até então, decidiram dar trégua à Argentina até descobrirem o que Cavallo fora buscar nos EUA.

Os sinais vindos dos jornais argentinos (na verdade, do gabinete do próprio Cavallo) sugeriam garantias financeiras dos EUA e mais dinheiro para sustentar uma emissão especial de títulos.

Quando os jornalistas de Washington recebemos a missão de cobrir a viagem de Cavallo, imaginamos que (novamente) seguiríamos o obstinado superministro pelas ruas da capital, ouvindo dele respostas desvinculadas das respectivas perguntas e manifestações de sua lógica própria e peculiar. Sabemos há tempos que Cavallo é dado a milongas.

Mas dessa vez ele se deu mal, muito mal. Chamou atenção demais para sua própria malandragem, que visava apenas ganhar tempo.

Em Nova York, fontes mais críveis dentro de bancos de investimento diziam não ter a mínima idéia do que Cavallo fazia na cidade e suspeitavam que viajara para montar um novo balão de ensaio que inflaria a credibilidade econômica do páís.

Poucos que admitiram tê-lo visto -como o presidente do Fed de Nova York, William McDough, e David Mulford, diretor do Credit Suisse First Boston- diziam informalmente que encontraram-se com ele ou porque trabalham para o governo argentino em assuntos diversos ou são apenas seus amigos.

Em Washington, o Tesouro informava com vigor que Cavallo não agendara encontro algum com Taylor. No Fundo, os sinais eram ainda mais estranhos. Funcionários da instituição contaram que Cavallo teria tentado marcar uma reunião para pedir mais recursos e que teria sido desaconselhado da viagem porque ela criaria expectativas falsas (um eufemismo multilateral para a resposta "não").

No hotel onde Cavallo hospedou-se em Nova York, funcionários inocentes informavam que o superministro não saiu à rua durante quase um dia inteiro. No bar do hotel, encontrou-se e riu muito com James Carville, seu amigo e ex-assessor do presidente Bill Clinton. De lá, telefonou também para Lee C. Buchheit, advogado do escritório Cleary, Gottlieb, Steen & Hamilton, contratado desde o início da década de 90 para resolver os pepinos jurídicos da Argentina.

Em suma: Cavallo poderia ter falado com todos eles sem ter saído de Buenos Aires. Foi difícil acreditar, mas, conforme os relatos feitos por todos os que valiam a pena ser ouvidos nos EUA, Cavallo transformara-se num "ministro-insepulto".

Sua viagem misteriosa virou um show explícito de decadência, num bar de hotel em Nova York.
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

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