Pensata

Marcio Aith

19/11/2001

Jornais fazem revisão imoral de uma eleição vergonhosa

Embora eu discorde da decisão recente dos jornais norte-americanos de censurar a íntegra de declarações do terrorista Osama bin Laden, eu consigo vê-la como legítima se observá-la sob certos (poucos) ângulos.

No entanto, não há nada nesse mundo que me faça engolir as edições vergonhosas do "Washington Post" e do "New York Times" sobre a recontagem que suas equipes fizeram dos votos da Flórida nas eleições presidenciais norte-americanas do ano passado. Vale a pena guardar, como registro único, as edições publicadas pelos dois jornais no ultimo dia 12.

Para resumir: cheios de dinheiro e estimulados pelo senso de independência editorial que parecia os caracterizar, o "Post" e o "Times" (acompanhados de outras publicações) decidiram revisitar as eleições na Flórida que definiram, no ano passado, a vitória polêmica de George W. Bush sobre o democrata Al Gore.

Os jornais recontaram todas as cédulas no Estado: as válidas, as rasgadas, as ignoradas pelas máquinas e as parcialmente perfuradas.

O objetivo foi definir com maior grau de certeza se Bush ganhou mesmo as eleições ou se foi beneficiado pelo maior engodo eleitoral da historia norte-americana.

Antes de lhes dizer qual foi o resultado da recontagem dos diários, mostro-lhes os títulos dos dois jornais no dia em que ambos revelaram a pesquisa a seus leitores.

Washington Post: "Recontagem na Flórida teria favorecido Bush"
New York Times: "Quem ganhou a Flórida? A resposta surge, mas certamente não é a última palavra".

Agora, o resultado da recontagem, retratado pelos dois jornais. Se todos os eleitores que foram as urnas não tivessem sido induzidos a erro por cédulas confusas e se as máquinas de apuração não tivessem falhado, Gore teria ganho na Flórida com uma vantagem mínima de 15 mil e máxima de 45 mil votos.

Tem mais: Gore teria ganho mesmo se todas as cédulas confusas fossem jogadas no lixo. Isso porque a simples recontagem dos votos ignorados pelas máquinas de apuração mostra que Gore venceria por uma diferença pequena (porém válida) que ficaria entre 60 e 171 votos.

Em suma: a maioria dos eleitores na Flórida foi as urnas no ano passado para votar em Gore, não em Bush. Esse foi o fato e é difícil fugir dele. Apesar disso, os dois jornais acharam maneiras de inverter o resultado de suas próprias pesquisas (como fez o "Washington Post") ou preferiram confundir a cabeça do leitor, talvez na esperança de que eles perderiam o interesse em "detalhes" - como fez o "Times".

A magia encontrada pelo Post tem uma lógica inacreditável. O jornal observou que, se a Justiça tivesse autorizado a recontagem limitada pedida por Gore, Bush teria ganho de qualquer maneira. Segundo o jornal, embora os eleitores do Estado inteiro tenham preferido Gore, o democrata perderia de qualquer maneira porque não soube reclamar direito. Em vez de pedir uma recontagem geral dos votos no Estado, pediu apenas em condados selecionados que, acreditava, seriam suficientes para virar a contagem.

Na prática, além de não reconhecer como deveria a vitoria de Gore, o Post acabou punindo-o, na primeira pagina, por ter cometido um erro tático.

O titulo do "Times" foi mais malandro, mas o primeiro parágrafo da matéria traz, de forma inacreditável, a mesma lógica do Post. "Uma revisão ampla dos votos não contados na Flórida solidifica o pleito legal de George W. Bush à Casa Branca".
Marcio Aith é correspondente da Folha em Washington. Escreve para a Folha Online às segundas

E-mail: maith@uol.com.br

Leia as colunas anteriores

//-->

FolhaShop

Digite produto
ou marca